20/04/2007

Informe n. 762

 


Acampamento Terra Livre: após dois anos, Comissão de Política Indigenista é instalada


 


“O acampamento Terra Livre transformou-se em uma grande Assembléia Indígena”. Foi o que concluiu Uilton Tuxá, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas e Espírito Santo, a Apoinme, uma das 13 entidades que, há quatro anos, organizam a maior atividade do movimento indígena nacional – o acampamento Terra Livre, na Esplanada dos Ministérios. Ao falar de assembléias indígenas, Uilton remete às grandes reuniões que congregaram povos de todo o País nos anos 1970 e que criaram bases para que o movimento conseguisse a garantia dos direitos destes povos na Constituição Federal, já na década de 1980. E é exatamente para defender a efetivação e manutenção destes direitos que as lideranças continuam viajando centenas de quilômetros para acampar na Esplanada. Mas o acampamento também é momento de encontro entre os povos, e realização de rituais, e de trocas de experiências entre os grupos. (leia mais)


 


Este ano, dos quatro dias de acampamento, dois e meio foram ocupados com debates entre os próprios indígenas e as entidades indigenistas do Fòrum em Defesa dos Direitos Indígenas, que promove o encontro. Das reuniões, saíram propostas que subsidiaram a definição de prioridades de ação do movimento, explícita no documento final do encontro (leia aqui). As prioridades foram divididas entre demarcação, proteção, gestão e sustentabilidade das terras, impactos do Programa de Aceleração do Crescimento, com obras de infraestrutura sobre as terras indígenas, saúde, educação, legislação indigenista, participação e controle social. 


 


A definição de posicionamentos e pautas do movimento ganha importância ainda maior neste momento em que o governo Federal instala a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). A Comissão foi proposta apresentada pelo Acampamento Terra Livre há dois anos, e poderá ser um passo importante para a mudança da política indigenista no País. O objetivo dela é que as linhas e prioridades das ações públicas voltadas aos povos indígenas sejam definidas com a participação real dos próprios povos indígenas, e não mais pelos não índios. (leia mais)


 


As 20 lideranças indígenas indicadas para o órgão (veja aqui a lista completa) encontraram-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Planalto resolveu aproveitar a presença de mais de mil indígenas de cem povos de todo o Brasil, para oficializar a medida. A Comissão é presidida pelo presidente da Funai e composta também por duas entidades indigenistas e outros 22 representantes de ministérios ligados a políticas para os povos indígenas.


Em sua fala, o presidente Lula prometeu que os povos indígenas serão mais bem tratados por seu governo. “Temos de aproveitar o segundo mandato para fazer as coisas que não fizemos no primeiro mandato.” O petista admitiu que a falta de terras tem dificultado a subsistência de muitas comunidades e que ainda não fez o suficiente para garantir sua qualidade de vida. Ele afirmou que a CNPI não servirá apenas para referendar propostas da administração federal, mas para cobrar dela a garantia dos direitos indígenas, e chamou atenção para a responsabilidade das lideranças agora que participarão da definição das políticas voltadas às comunidades.


Terras declaradas e homologadas


Lula assinou ainda os decretos de homologação de três Terras Indígenas (TIs) e os de retificação da homologação de outras três, num total de 959, 4 mil hectares em novos territórios no Pará, Amazonas, Santa Catarina e Paraná.


Também ontem foram assinadas as portarias declaratórias de mais sete terras: Cachoeirinha (Terena, MS), Guarani de Araça’I (SC), Toldo Imbu e Toldo Pinhal (Kaingang – SC),  Riozinho do Alto Envira (AC), do povo Ashaninka e isolados – 260.970 hectares; e foram declaradas as revisões e limites das terras Xapecó, glebas A e B (Kaingang – SC) e Yvyporã Laranjinha (Guarani – PR).


 


Diálogo com a sociedade


Na tarde da terça-feira, as lideranças acampadas saíram em passeata pelas ruas de Brasília para lembrar à população os 10 anos da morte de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe – queimado vivo em Brasilia em 1997 – e para denunciar a violência que ainda mata indígenas no País. Só em 2006, foram 41 assassinatos: 21 deles concentrados no Mato Grosso do Sul, estado onde, no último ano, ocorreu uma morte de indígenas por semana, entre casos de assassinatos, suicídios e atropelamentos. 


 


Eles caminharam do Ministério da Justiça à Praça do Compromisso, na Asa Sul de Brasília, onde há um monumento em homenagem a Galdino. Após realizarem um ritual de pajelança, os indígenas pintaram a escultura, que havia sido pixada.


 


Diálogo com o poder público


Apesar de um grupo ter sido recebido por Lula no Palácio do Planato, as lideranças se ressentiram pela falta de uma audiência com o presidente, onde os povos pudessem também apresentar suas propostas.


 


No dia 19 de abril, foi realizada também uma audiência pública no Senado Federal sobre direitos indígenas. O coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Cabral, protestou contra os projetos de lei e as propostas de emenda constitucional contrárias aos direitos indígenas. Apesar de ser um dos expositores da audiência, ele sentou-se no chão. E justificou seu gesto: “A casa não trata com a devida seriedade que se relacionam os povos indígenas”.


 


Em relação aos projetos do poder legislativo, os acampados insistem na importância do tratamento conjunto e coerente dos temas ligados aos povos indígenas no Congresso Nacional. Diz o documento final do encontro: “Somos contrários a qualquer alteração dos nossos direitos garantidos pela Constituição e reivindicamos que todos os assuntos de nosso interesse sejam tratados no Estatuto dos Povos Indígenas e não de forma fragmentada em Projetos de Lei isolados, como por exemplo o relacionado com a exploração mineral nas Terras Indígenas. Por isso entendemos que o Governo não deve encaminhar nenhum projeto específico sobre esta matéria” .


 


A última audiência do acampamento foi com a ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal. Lideranças de 14 povos agradeceram pelo cumprimento do compromisso, assumido por Gracie no Abril Indígena de 2006, de dar prioridade a processos ligados a temas indígenas. As lideranças ressaltaram a importância do julgamento do processo relacionado à terra Pataxó Hã-Hã-Hãe, na Bahia, dos Potiguara (PB) e dos Guarani Kaiowá (MS). “Conseguimos dar conta de uma parcela. O STF dá um exemplo que pode traçar um rumo a ser seguido pelos demais tribunais”, avaliou a ministra. 


 


(da equipe de comunicação do acampamento)


 


Cimi – Conselho Indigenista Missionário


Brasília, 20 de abril de 2007
www.cimi.org.br

Fonte: Cimi
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