19 de Abril: dia de luta dos povos indígenas
Céu encoberto em Brasília. Apreensão e expectativa no Acampamento. Na agenda da aldeia livre, cinco contatos de grande relevância, nas três esferas dos poderes. Já quando a noite ia avançando, do Palácio do Planalto chegou a confirmação do encontro com o presidente Lula, às 15 horas. Finalmente estará sendo vencida uma relutância do presidente da República em receber os representantes das nações indígenas do país. Essa notícia é anunciada em meio à comunicação da assinatura de portarias declaratórias de sete terras indígenas e homologação de seis. Passos concretos para corroborar os discursos de boa vontade e diálogo do novo presidente da Funai e do ministro da Justiça. Outra audiência anunciada foi com o ministro da Saúde. Além disso, já estavam agendadas a audiência pública no Senado Federal e o encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie. Portanto, agenda cheia.
Graves denúncias
À noite foram colocadas três realidades extremamente graves. Os povos do Javari colocaram a ameaça de extermínio de seu povo por vários tipos de hepatite, especialmente a D. E o mais grave que nada de mais efetivo está sendo feito para reverter essa situação. As lideranças da região afirmaram que continuarão pressionando para que se tomem providências e não descartam a necessidade de denunciar o governo brasileiro em fóruns internacionais. “Nosso povo está morrendo”, denunciaram. Um dos guerreiros, ao relatar que viu inúmeras pessoas morrendo, não conteve as lágrimas. Foi feita uma moção de denúncia e apoio aos povos indígenas do Javari.
Os Cinta Larga mais uma vez deram seu grito falando da violência extrema a que estão submetidos em função da invasão garimpeira em suas terras. Relataram várias situações em que suas lideranças e as mulheres são desrespeitadas até mesmo pela Polícia Federal que deveria estar ali para defende-los. Perderam toda liberdade e estão ameaçados em suas vidas. Deixaram claro o recado aos parentes para que não aceitem mineração em suas terras, pois isso é uma desgraça. Também lembraram a triste história de opressão, violência e extermínio a que estão sendo submetidos. Lembraram os envenenamentos com açúcar e as matanças que sofreram pelos extrativistas e fazendeiros e seus capangas.
Também foi apresentada a realidade do Xingu, seriamente ameaçada pelos desmatamentos intensos acontecidos nos arredores do Parque Indígena do Xingu. “O progresso come tudo rapidamente”, denunciou. Falaram do esforço que está sendo feito para tentar conter a devastação ao redor da área e recuperar pelo menos as margens dos rios, que estão secando. O Y Ikatu Xingu (água boa) é uma tentativa de reverter essa situação.
No final da tarde e noite foi a vez de receber a visita de vários parlamentares. A presença solidária deles no acampamento foi uma evocação à luta e liberdade. Foi um estímulo à união e enfrentamento da dureza da luta e ampliação dos aliados. O senador Paulo Paim fez uma fala entusiasmada, concluindo com seu compromisso com a causa e lutas dos povos indígenas, dizendo que a vida só tem sentido se a gente tem uma causa pela qual vale a pena morrer. “A causa pela qual eu poderia morrer é a causa da luta do povo negro e dos povos indígenas”.
Tudo detalhadamente acertado – as comissões, a forma de escolha, as reivindicações, as falas, os compromissos de lutar pelos direitos de todos os povos.
Nos bastidores da aldeia livre do planalto
Antes de clarear o dia um grupo Kaiowá Guarani iniciou o ritual, virados para o sol nascente. O grupo estava sendo liderado pelo Nhanderu (líder religioso) Getulio, que por sinal está hoje completando 61 anos. O grupo indígena e os aliados do Mato Grosso do Sul aproveitaram para cantar os parabéns, ficando a festa adiada, quem sabe pra quando algumas terras Kaiowá Guarani forem reconhecidas e demarcadas.
Por falar em aniversário, quem está de “cumpleaños” também é a procuradora da Sexta Câmara, do Ministério Público Federal, Dra. Déborah Duprat. Após fazer uma fala muito crítica e dura com relação à postura dos três poderes com relação aos povos indígenas, foi convidada a se levantar e receber os parabéns da platéia. Afirmou que a Funasa tem uma política genocida, de saúde. Ao colocarem um bonito cocar em sua cabeça, transpareceu uma certa timidez, contrastando com as posturas firmes e decididas de sua atuação.
Pau no PAC e no acórdão do TCU
“Não somos peteca na mão dos não índios”, disse irritada uma das lideranças do Acampamento. Existe uma certa unanimidade crítica ao PAC, enquanto pacotão de forte impacto sobre os povos indígenas. Outro alvo duro das críticas dos participantes é o famoso e recente Acórdão do Tribunal de Contas da União, que na verdade consegue ser uma síntese do que de pior se arquitetou contra os povos indígenas nas últimas décadas. É a soma do “Projeto de emancipação ou liberação das terras indígenas”, da década de 70, o “projeto das mineradoras” veiculado pelo Estadão, em 1988, e o projeto de “aculturação”, do Centrão, na Constituinte em 1988.
Brasília, dia de luta dos povos indígenas do Brasil.
Egon Heck
Cimi – Regional Mato Grosso do Sul