Camponeses sem-terra de Santa Catarina vivem abril vermelho
É como sempre é. As gentes, carregadas com suas tralhas, fogões, cachorros, seguem em busca da terra, aquela que vai parir sob suas mãos. A terra negada, usurpada, arrancada de quem quer trabalhar. São sempre eles, os deserdados, os que não têm esperança alguma a não ser esta, absurda, de que a luta coletiva e renhida, vai fazer vingar o tempo novo. Assim tem sido na terra brasilis, nesse abril, chamado de vermelho pelo Movimento dos Sem-Terra. O mesmo movimento que andou quieto, esperando que o presidente, eleito para mudar, mudasse. Só que ao invés de cumprir suas promessas com o povo, Lula mudou foi de lado. Governa para o agro-busines, para os empresários, para os poderosos. Ao povo resta o de sempre: a luta.
E foi por isso que as gentes se mexeram em todo país.
Mas, a ocupação, foi como sempre foi. Tão logo as famílias iniciaram a montagem dos barracos, lá já estavam os representantes da “ordem”, armas na mão, prontos para o confronto. Em poucas horas, as famílias – e as centenas de apoiadores de outros movimentos sociais – estavam cercadas por tanques de guerra do exército brasileiro. Os olhos assombrados dos meninos e meninas nunca haviam visto tamanha ostentação de força. E é bom que se saiba que são escolados nessa coisa de enfrentar a ordem instituída. Ainda assim, ficavam, encostados em suas bicicletas velhas, esperando,
Mas, ao exército, não bastou cercar o acampamento com os tanques. Precisou passar a noite toda gerando tensão e terror. Pelos alto-falantes soavam, em alto som, hinos patrióticos. Volta e meia, um texto gravado dizia: “Vocês estão isolados! Vocês estão cercados! Rendam-se!” E as gentes, acocoradas em volta da fogueira, esperavam. Os meninos dormiam, apesar do barulhão. Só os adultos vigiavam. Fora da área, lideranças do MST negociavam, com políticos e gente de outros movimentos.
A história da terra
Na noite alta, premidos pelo medo, mas firmes na disposição de resistir, as pessoas contavam histórias daquele lugar. Ali, bem naquela terra, estava enterrado um homem, morto há muitos anos, quando 40 famílias foram retiradas dali, violentamente, com a ajuda do mesmo exército que agora os cercava. Uma história comprida que começa em 1916. Naquele ano, Santa Catarina vivia o fim de um grande conflito de terra, conhecido como Guerra do Contestado. Desde o início do século, por conta da construção da estrada de ferro, havia um número gigantesco de sem-terra, gente que havia sido expulsa pela empresa estrangeira Railway Company. Essa empresa tinha ganhado a margem de
O conflito foi batizado de “messiânico”, porque era amparado na fé do povo, mas, na verdade, tinha como pano de fundo, estrutural, toda essa história de expulsão dos pequenos camponeses das terras, que ficaram nas mãos das empresas estrangeiras. Esse foi o caso das terras ocupadas neste dia 15 de abril de 2007 pelas famílias catarinenses. Elas foram exploradas por uma empresa estrangeira, a Lumber, até 1960. E, nelas, por “concessão” da dita empresa, viviam algumas famílias desde o final de 1916.
No distante 1960, quando a empresa, já tendo esgotado a madeira das terras, decidiu sair do país, e deixou a posse do lugar para o exército, viviam na área 41 famílias. Também naqueles dias, elas sentiram o peso do terror e das armas. Depois de uma vida ali, foram obrigadas a sair. E não foi
A saída
Segundo o MST, essa terra usada pelo exército não tem se prestado só a manobras do exército. Ela é seguidamente arrendada para fazendeiros da região, o que se constitui uma irregularidade no entender do movimento. Tanto que eles já estão com uma ação na justiça para colocar tudo em pratos limpos. A ocupação aconteceu ali justamente para chamar a atenção do governo sobre isso. A proposta dos camponeses era de sair, desde que fosse agendada uma reunião com o ministro da Justiça para discutir esse assunto do uso das terras pelo agro-negócio, enquanto as famílias de sem-terra seguem não tendo um lugar para reproduzir suas vidas.
Para apertar a pressão, quando o dia amanheceu, a água, que vinha de uma bica instalada no local, tinha sido cortada. A segunda-feira passou em meio ao terror e a negociação. Dentro do acampamento, sem permissão para sair, cercados pelos tanques e caminhões do exército, estavam as famílias camponesas, estudantes, sindicalistas, enfim, centenas de pessoas. Lá fora, seguiam as conversas. Mas, no fim do dia, aparentemente, venceu o terror. As famílias iniciaram o processo de retirada, desmontando os barracos, recolhendo as tralhas. Os milicos não permitiram a entrada dos caminhões e tudo teve de ser levado no braço. A trilha de gente carregando coisas seguiu pela estrada, ladeada por soldados, em mais uma tentativa de humilhação.
Mas, para quem está na luta desde sempre, essa foi só uma aparente derrota. A ocupação cumprira seu objetivo: fazer com que o governo voltasse os olhos para a área de Papanduva. As coisas vão ter de mudar por ali, dizem as lideranças do MST. Passar pelos milicos, à pé, com o barraco nas costas, não é humilhação para este povo trabalhador que, de fato, constrói o país. Eles sabem que, sem luta, os filhos da pobreza nunca vão conseguir nada. Tudo o que é conquistado vem assim, porque eles se arriscam, porque se comprometem, porque tomam direção, porque enfrentam a força. Hoje, os soldados armados impõem a retirada. Mas, o que são eles sem as armas? Que força têm? Já os camponeses têm a memória. A coletiva memória das lutas de sempre. E essa é uma força que ninguém pode menosprezar.
Não foi à toa que quando os soldados voltaram ao quartel, àquela mesma gente, no silêncio, na organização, barraco nas costas, ocupou outra área no Estado. Porque esta luta só vai ter fim quando a terra e a riqueza forem repartidas. A reforma agrária virá, ora se não!…