18/04/2007

Geddel e a Transposição

Roberto Malvezzi, Gogó*


 


O Ministro Geddel Vieira Lima agora é um defensor da transposição, ele que foi sempre contra. Afirmou que era contra porque não conhecia. Portanto, ou era superficial antes, ou é superficial agora. Esse não é o problema da sociedade civil que há quase 15 anos debate esse projeto e praticamente o conhece até em seus pontos e vírgulas.


 


Geddel diz que vai fazer o projeto, embora queira debater antes com a sociedade opositora. Diz também que haverá uma compensação para o São Francisco, abastecendo as comunidades a uma distância de dois kms que até hoje não têm água. O programa vai chamar-se “Água para Todos”.


 


É importante, mas é mais uma saída pela tangente do governo federal. O governo gira em torno do rabo para não enfrentar o problema. A questão não é mais uma compensação, mas arquivar esse projeto que já consumiu mais de 500 milhões de reais em elaborações de projetos, consultorias, reuniões, salários, o diabo a quatro, mas nunca saiu do papel. Tem gente vivendo profissionalmente desse projeto, quase a se aposentar. Portanto, virou forma de vida. E o Ministério da Integração virou esse ninho de cobras da transposição há mais de 15 anos, desde Itamar. Entra ministro, sai ministro e esse projeto é praticamente pauta única desse Ministério.


 


Quanto mais debate, mais o governo perde aliados. O problema não é de conhecimento, é de convencimento. Hoje a lista de entidades nacionais contra o projeto quase não tem fim: OAB, SBPC, ASA, Comitê de Bacia do São Francisco, CPT, MST, Via Campesina, Frente Cearense pela Nova Cultura da Água, etc. A CUT vai decidir agora.


 


Para complicar a vida do ministro Geddel e do governador Wagner, o mito da água para sede humana na transposição está totalmente descartada. Sem combinar com o governo – parece que foi por acaso – a Agência Nacional de Águas lançou ao final do ano passado o Atlas do Nordeste. Simplesmente propõe 530 obras que atingem 1.112 núcleos urbanos acima de cinco mil pessoas e mais 244 abaixo desse número. O Atlas contempla todos os nove estados do Nordeste e mais o Norte de Minas. Pode beneficiar 34 milhões de nordestinos, porque vai além do semi-árido e pensa os grandes centros urbanos do Nordeste, inclusive Salvador. Finalmente, custa apenas 3,6 bilhões de reais, metade do que será gasto para iniciar a transposição.


 


Tem um detalhe baiano no Atlas. Ele alcança 312 municípios da Bahia, beneficiado mais de seis milhões de baianos. Só a obra complementar para Salvador custaria aproximadamente 99 milhões de reais. Deixa o ACM saber disso. Geddel e Wagner, ao optarem pela transposição e desprezarem a Bahia, não estarão apenas entregando as próprias cabeças para ACM, estarão devolvendo a Bahia para esse grupo que é tudo, menos burro.


 


Portanto, se Gedel quer mesmo resolver os problemas hídricos do Nordeste, inclusive os de 312 municípios da Bahia, já tem as alternativas nas mãos. Somadas com as obras da ASA para o meio rural – 1 milhão de cisternas para beber e mais 1 milhão de cisternas de 50 mil litros para irrigação sustentável, sem falar na terra – o Nordeste poderia mesmo ser outro. E nem adianta vir dizer que transposição e obras da ANA e ASA são complementares. Tornou-se definitiva a palavra do presidente da ANA, José Machado: “a transposição tem finalidade econômica, o Atlas de abastecimento humano”. Portanto, a prioridade é humana.


 


Diante das propostas da ASA e da ANA, a proposta da transposição parece ridícula, já que não tem sequer a metade dos benefícios e possui todos os malefícios possíveis, inclusive o de dividir o Nordeste. Diante dos benefícios do Atlas do Nordeste para a Bahia, o “Água para Todos” vai parecer piada.


 


É bom Geddel saber o quanto antes que não existe mais saída honrosa para o governo federal e estadual. É tarefa do governador e do ministro prepararem a Bahia para o pior que virá. O mal menor é arquivar a transposição e a saída é implementar as obras da ASA e da ANA, realmente preparar o Nordeste para a mudança climática e escassez de água que se agravarão até 2015, inclusive na Bahia.


 


* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)


 

Fonte: Roberto Malvezzi, Gogó
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