18/04/2007

II Assembléia Continental do Povo Guarani

Porto Alegre, 11 a 14 de Abril de 2007.


 


Documento Final


 


Reunidos no Parque Harmonia em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, de 11 a 14 de Abril de 2007, nós, povo Guarani presentes no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, com mais de 800 pessoas, queremos tornar pública a história contada por nossos velhos e apresentar nossas propostas para um mundo melhor. Apesar de toda a violência praticada ao longo dos últimos 500 anos, nós resistimos. Hoje somos mais de 225 mil pessoas, um dos maiores povos da América. Através de nossos encontros continentais fazemos a memória da luta de nossos antepassados e anunciamos a esperança no futuro que construiremos com nossas próprias mãos.


 


A falta de terra é o principal problema que atinge nosso povo. Não vivemos sem a terra e a terra não vive sem o nosso povo, formamos um único corpo. A falta de terra não permite que vivamos de acordo com nossa cultuara. Nossos jovens são obrigados a buscar trabalho em outros locais não sobrando tempo para aprender com nossos velhos.


 


Nosso povo sempre viveu com muito respeito em relação à natureza. O mato verdadeiro é nosso local principal para construirmos nossas aldeias e vivermos nossa cultura. Sem o mato, a água, os rios e todos os seres que nela habitam, não podemos viver. Durante milhares de anos vivemos nesta natureza, respeitando e vivendo com ela. Hoje percebemos, com profunda tristeza, que restam poucas matas verdadeiras, que os rios foram poluídos e os animais foram extintos. Além disso, o que resta de matas verdadeiras, foram transformadas em reservas e parques ambientais, estes para nós são lugares sagrados, mas os não-indígenas nos impedem de os ocupar. Isto se deve à ganância do não-indígena que precisa destruir tudo para dizer que está trazendo progresso. Hoje até os não-indígenas estão percebendo que a própria terra está esquentando e pode desaparecer. Isso nossos anciões sempre alertaram que poderia acontecer se a natureza não fosse respeitada. Por isso afirmamos que a demarcação de nossas terras é um bem para toda humanidade, por que jamais a destruiremos.


 


Nosso território, Ywy Rupá, foi cortado, várias vezes, por fronteiras entre países e estados. Fizeram guerras para roubar nossas terras. Por isso, hoje, nosso povo ficou dividido entre Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Para nós não existem fronteiras. Continuamos visitando nossos parentes e tentando andar livremente, como fazíamos em tempos passados.  No entanto, percebemos que cada vez mais estes países desenvolvem políticas que nos impedem de viver ao nosso modo. Em alguns países, nos chamam de estrangeiros, de forasteiros, e dizem que não podem reconhecer o direito a nossas terras por que elas não nos pertencem. Mesmo assim, nós continuamos lutando por nosso território e pelo fim de todo tipo de fronteira que impede de vivermos livremente. 


 


Nossa cultura é milenar. Possuímos uma educação tradicional, com base nos valores e ensinamentos repassados por nossos avós e nosso lugar de transmissão de conhecimentos é a Casa de Rezas. Hoje temos escolas em quase todas as aldeias e muitas dessas escolas não respeitam nosso jeito de ser e de ensinar as crianças, querem que os professores ensinem as nossas crianças do mesmo jeito que fazem os não-indígenas. Apesar de termos conquistado leis que garantam a implantação de escolas diferenciadas em nossas aldeias, com nossas próprias pedagogias, em nossa própria língua, percebemos que em alguns países e estados os Governos não assumem o compromisso político de desenvolver uma educação escolar diferenciada, e não seguem as leis de diretrizes e bases, no caso do Brasil. A escola deve ser feita do nosso jeito, com pedagogias tradicionais Guarani, por nossos próprios professores, que são pesquisadores de nossa própria cultura, que contam com a ajuda de nossos sábios e velhos, os verdadeiros detentores de nossa sabedoria ancestral. A educação escolar deve contribuir para o fortalecimento de nossa cultura, nossa língua e nossa luta para garantir nossos direitos, como o reconhecimento e demarcação de nossas terras. A escola dos não-índios já destruiu muito de nossa cultura, não admitimos mais isso. Exigimos dos países e estados, secretarias de educação com profissionais qualificados e políticas claras para atender as escolas Guarani e os Programas de Formação de Professores Guarani devem ser adequados a esse tipo de escola e de educação escolar que queremos. Da mesma forma, queremos que o atendimento à Saúde ocorra respeitando nossos conhecimentos tradicionais.


 


A partir deste II Encontro Continental demos início a uma grande Campanha Internacional “POVO GUARANI: GRANDE POVO. VIDA, TERRA E FUTURO. Convidamos a todos para somar esforços a fim de construir uma nova história que reconheça os valores e direitos de nosso povo.


 


Por fim, afirmamos que continuaremos vivendo e lutando por nossa terra que é o suporte de toda natureza, de toda vida e de toda cultura. Fomos criados pela natureza e por isso ela está sempre a nosso favor, nos ama e nos alimenta. Reafirmamos nosso compromisso de continuarmos lutando pela terra e por toda natureza e nos unimos a todos os que também lutam por um mundo justo, onde as culturas sejam respeitadas, para que juntos, em mutirão, construamos esta grande casa que chamamos Terra sem Males.


 


A natureza é vida e futuro.


 


Porto Alegre, 14 de Abril de 2007.


 

Fonte: Cimi - Regional Sul
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