Acampamento em marcha
“Nossos velhos líderes nos ensinaram a lutar. Por isso nós temos a responsabilidade de continuar essa luta. O acampamento Terra Livre é nossa expressão de revolta e protesto”. (Gecinaldo – Coiab)
As aldeias olham para Brasília. É para ali que marcham guerreiros, líderes espirituais, mulheres lutadoras, a esperança criança. É o Abril Indígena, o Brasil da diversidade, que vai acampar na Esplanada dos Ministérios. A aldeia plural será o símbolo do novo, dos povos em busca da liberdade, da construção da autonomia, dos direitos conquistados.
Aos poucos a tranqüilidade do Centro de Formação Vicente Canhas vai dando lugar à agitação de fortes abraços, de saudações e sorrisos alegres em muitas línguas e formas. Com as mochilas multicores, chegam as fechas, o artesanato, os cocares, os corpos pintados.
Aos poucos os espaços vão se transformando em varais, os colchonetes vão sendo espalhados às sombras dos pequenos arbustos do cerrado ou das frondosas mangueiras, os galhos mais fortes vão servindo para amarrar redes. Tudo muito simples e intenso.
No campo de futebol rola a bola descontraída, nos pés e corpos bronzeados, entre risos, defesas e ataques inusitados. É uma espécie de torneio das nações nativas, numa espontânea improvisação de técnicos e técnicas, na alegre arte de enfeitar a trave de gols.
É o pré-acampamento. Tempo de dar alento ao corpo e espírito, afinar a viola, tomar fôlego, acertar os passos, depois de longas e cansativas viagens de milhares de quilômetros. Agora já mais perto da terra do acampamento livre e plural.
A sede de diálogo e cobranças
Chega ao local o novo presidente da Funai, Marcio Meira. Aos poucos é rodeado. Começam as cobranças. Cada qual tenta entregar seu documento, denúncia e exigência ao novo presidente. Este se esmera em afabilidades, procurando pacientemente ouvir e dar atenção a todos. Muitos já realizam uma de suas missões, que é de entregar o documento de sua comunidade às autoridades. É sinal de que algo talvez esteja mudando.
Todos seguem a um salão onde é feita a primeira rodada de diálogo entre o Marcio e seu grupo mais próximo e as lideranças indígenas e aliados articulados no Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas. Gecinaldo, coordenador da Coiab, abre o encontro fala desse momento de reunião, união e preparação da mobilização pela defesa dos direitos das nações indígenas. Apresenta o presidente da Funai, dizendo que este tem manifestado o desejo de ter esse momento de diálogo com o movimento indígena.
Em sua fala Marcio Meira reafirma a sua convicção e disposição de basear seu trabalho à frente do órgão indigenista, no diálogo permanente com as organizações indígenas e suas lideranças, tendo como principal interlocutor o Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas-FDDI. Isso deverá se dar respeitado o espaço e a autonomia de cada um. Depois destacou a importância da “semana de afirmação dos direitos indígenas”, de acumular forças, para o embate tão desigual. “Precisamos chegar ao final com mais forças.”
Com relação ao recente acórdão do Tribunal de Contas da União-TCU, afirmou que se trata de um documento juridicamente fraco de cujo conteúdo a Funai discorda e que ele irá se pronunciar neste sentido amanhã.
Foi solicitado a ele que intermediasse a confirmação do encontro dos indígenas com o presidente Lula e a instalação da Comissão Nacional de Direitos Indígenas “que esperamos seja o inicio de uma nova política indigenista no Brasil”, afirmou Gecinaldo.
À tarde houve a primeira plenária para organizar o acampamento, quando a coordenação fez um histórico de como iniciou esse espaço de luta e visibilização dos povos indígenas no Brasil.
A esperança se acampará na esplanada
Estão sendo esperados em torno de mil indígenas de todo o país no Acampamento Terra Livre. Será um importante momento de colocar na pauta nacional a questão indígena e dar visibilidade às lutas enfrentadas pelos povos e comunidades indígenas em todo país. As principais questões estão relacionadas à questão das terras, do impacto do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, com dezenas de grandes projetos afetando diretamente os territórios indígenas, o acórdão (indecente) do TCU, acenando para um retrocesso lembrando as políticas da década de 70 (emancipação, esbulho dos recursos naturais, dentre outros).
No rosto, na disposição e expressões dos representantes de dezenas de povos indígenas que vão chegando, é notário o clima de indignação, preocupação, mas especialmente de esperança. Todo o sofrimento e cansaço da viagem são compensados pelo fato poder levar um pouco de alento, e acalentar o sonho de dias melhores para suas aldeias, comunidades, povos.
Brasilia, 15 de abril de 2007.
Egon Heck
Cimi – Regional Mato Grosso do Sul