12/04/2007

Seminário discute anulação do leilão da Vale e grandes projetos na Amazônia

Cinco lideranças indígenas, sendo três Guajajara do Maranhão e dois Tembé do Pará, participaram, durante os dias 30 e 31 de março no Centro Integrado de Necessidades Especiais (CISNE) de Belém, de seminário promovido pela Cáritas Regional Norte II e organizado por várias entidades, pastorais e movimentos populares. O principal objetivo do seminário foi preparar lideranças e definir estratégias para o Plebiscito Nacional pela Anulação do Leilão de Privatização da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD.


Já no primeiro dia, com a explanação do Procurador da República, Felício Pontes, foi possível perceber como estão orquestradas as ações para a implantação dos grandes negócios na Amazônia. De acordo com a visão do representante do Ministério Público Federal, vivemos um momento em que teremos que escolher entre dois modelos de desenvolvimento para a Amazônia.


O primeiro, que está avançando a todo vapor, ele define como um Modelo de Desenvolvimento Predatório. Este modelo começou com a ditadura Militar, que para levá-lo dizia que perderíamos a Amazônia caso ela não fosse ocupada. De lá para cá, este modelo vem se intensificando. Negócios como a exploração madeireira, pecuária extensiva, soja e todas as atividades ligadas à exploração mineral representam esse modelo de desenvolvimento predatório que teve no poder público seu maior financiador através de instituições como o Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).


O outro modelo ao qual o Procurador se refere é definido por ele como o Modelo de Desenvolvimento Sócio Ambiental. Segundo Pontes, este modelo está calcado na relação histórica do homem com a floresta e é muito mais antigo e experimentado que o modelo anterior. Além das populações tradicionais que há séculos vêm praticando esse modelo na Amazônia outras formas, como as Reservas agro-extrativistas, os Projetos de Assentamento agro-extrativista e o Programa de Assentamento Sustentável, são exemplos deste modelo que é o único possível na Amazônia se a quisermos para as próximas gerações.


Pontes ainda fez questão de destacar a importância dos movimentos sociais e de alguns setores da igreja no processo de conquista e implantação destes projetos que possibilitam um desenvolvimento sócio ambiental. Em especial, lembrou o líder seringueiro Chico Mendes, como uma figura essencial para a criação das reservas agro-extrativistas, e a Irmã Dorothy Stang e sua importância para a implantação do Programa de Assentamento Sustentável.


Um outro exemplo pontuado por Felício Pontes é o caráter combativo dos quilombolas no reconhecimento de seu território. O Pará hoje é o estado com o maior número de áreas reconhecidas. A definição jurídica possibilita acesso ao crédito e à assistência técnica, tudo com pouco custo para o Estado. Isso inverte uma lógica que norteou a ação do Estado, como o ocorrido com a experiência da Sudam, que gastou rios de dinheiro público financiando projetos que destruíram a natureza e outros que nem mesmo saíram do papel.


Crime contra a soberania


“A privatização da Companhia Vale do Rio Doce foi um crime contra a soberania do País”. Assim começou, na manhã do dia 30, a exposição do Professor e economista Aloísio Leal, da Universidade Federal do Pará. Ele falou de sua visão referente às estratégias da Vale e do grande capital para a Amazônia. Utilizando números e dados oficiais o professor explicou por que considera a privatização da CVRD um crime contra a soberania do País. A empresa foi repassada para a iniciativa privada por 3,3 bilhões de dólares sendo que na época seu valor estimado era de mais de 92 bilhões de dólares. Em 2006, a Vale obteve um faturamento de 46,7 bilhões de reais. Ou seja, lucrou em apenas um ano muito mais do que pagou por ela. Esses e outros números apresentados pelo professor deixaram os participantes do seminário indignados e decididos a levar o plebiscito adiante. Um dos representantes indígenas dizia: “precisamos recuperar o que é nosso por direito”.


Na parte da tarde, uma mesa formada por representantes de comunidades tradicionais tratou da relação da CVRD com suas comunidades. Entre ribeirinhos, quilombolas e indígenas estava João Guajajara, vice-cacique da aldeia Tabocal, da terra indígena Pindaré, no município de Bom Jardim, no Maranhão. João destacou três pontos de um convênio firmado entre a CVRD e a Fundação Nacional do Índio (Funai) para atender as comunidades indígenas e que demonstram de forma bem emblemática como se dá essa relação.


Para começar, em momento algum durante o estabelecimento deste convênio as lideranças indígenas puderam participar das discussões. Tudo foi tratado apenas entre a Funai e a Vale. Outro ponto polêmico destacado pela liderança é que o convênio determina que 20% dos recursos serão destinados à Funai. Este recurso seria utilizado pelo órgão indigenista oficial para dar atendimento às comunidades afetadas pela CVRD. Entretanto, a Funai tem o dever legal de atender as comunidades indígenas e, por isso, tem direito a uma parcela de recursos federais para efetuar esse trabalho. Desse modo, a iniciativa privada substitui o papel do Estado que cada vez mais se exime de suas responsabilidades constitucionais.


A terceira preocupação levantada por João Guajajara diz respeito a uma cláusula no convênio que determina a suspensão do mesmo caso os indígenas façam alguma manifestação que atrapalhe as atividades da CVRD. Ele afirma: “dessa forma a Vale consegue amarrar nosso movimento. Por diversas vezes somos obrigados a nos manifestar para denunciar a situação que estamos vivendo e chamar a atenção das autoridades. O problema é que se fizermos isso agora, não teremos mais atendimento, já que a Funai utiliza os recursos da Vale para nos atender.” Ou seja, o que antes era dever do Estado e um direito das comunidades passou a ser encarado como um favor concedido por uma empresa privada.


Depois de dois dias de exposições de diversas realidades e debates, a plenária definiu alguns encaminhamentos. Entre eles estão: formação de comitês nas principais regiões dos Estados; realização de jornada de luta contra o modelo econômico no mês de maio; realização de ato no dia do trabalhador e uma grande ação de formação de base.


A idéia é que em cada estado do Brasil seja realizado um curso de formação para mil pessoas que terão a responsabilidade de animar o plebiscito na sua região. As lideranças indígenas presentes se comprometeram em levar a discussão para suas comunidades e se envolver nas atividades do plebiscito.

Fonte: Humberto Rezende Capucci - Cimi - Regional Maranhão
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