09/04/2007

56% da população indígena do Vale do Javari portam vírus da hepatite B

Aos Excelentíssimos Senhores Ministros:


da Justiça;


da Saúde;


do Meio Ambiente;


da Educação.


A sua Excelência o Senhor Procurador Geral do Ministério Público Federal.


Ao Senhor Presidente da FUNAI.


Ao Senhor Presidente da FUNASA.


 


 


Diante da grave situação de saúde da população indígena no interior da Terra Indígena Vale do Javari, sobretudo, com relação a grande incidência de portadores de hepatite B e D, inclusive de recém nascidos; o aumento expressivo de casos de malária, que tem atingido toda a população indígena, reuniram-se nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2007, na Frente de Proteção Etno-Ambiental do Vale do Javari, representantes do Conselho Indígena do Vale do Javari – CIVAJA, do Centro de Trabalho Indigenísta – CTI, do Conselho Distrital de Saúde Indígena – CONDISI, da Associação de Apoio a Saúde e Educação no Vale do Javari – ASASEVAJA, do Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari – DSEI-FUNASA, da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Vale do Javari – FPEVJ/FUNAI, da Coordenação Geral de Índios Isolados-CGII/FUNAI, da Administração Executiva Regional de Tabatinga AER-Tabatinga/FUNAI, da Administração Executiva Regional de Atalaia do Norte AER-Atalaia do Norte/FUNAI, do Escritório Regional do IBAMA de Tabatinga.


 


A T.I. Vale do Javari está localizada no extremo ocidente do Estado do Amazonas e foi homologada pelo Governo Federal em 2001. Possui 8,5 milhões de hectares e uma população de mais de 4000 indígenas das 6 etnias contatadas e 16 referências de grupos isolados, considerada a segunda maior reserva indígena do país.


 


Na referida reunião, concluí-se que as ações de saúde executadas para os povos indígenas do Vale do Javarí, não têm alcançado os objetivos desejados, de modo que os resultados alcançados, até então, foram de pouco impacto no quadro geral das patologias prevalentes. O que se tem verificado é um acréscimo no número de portadores de hepatite B, no número de casos de malária e inclusive a constatação de outras patologias como: hepatite C, hanseníase e tuberculose. Essa afirmação pode ser confirmada nos resultados obtidos a partir do inquérito sorológico realizado em dezembro de 2006 pelo DSEI-Javarí/FUNASA e Hospital de Medicina Tropical do Amazonas. No referido inquérito, realizou-se pesquisas no material coletado de 309 índios do Vale do Javari, constatando que 56% dos índios pesquisados são portadores do vírus de hepatite B, enquanto que a Organização Mundial de Saúde – OMS preconiza como “aceitável” apenas 2 %. Foi diagnosticado ainda, que dos 263 indígenas, ou seja, 85,1% dos 309 pesquisados, já tiveram contato com o vírus de hepatite A; além da constatação de 4 casos de hepatite C, vírus esse anteriormente não encontrado na população indígena do Vale do Javari.


 


Nas duas últimas décadas, 2% da população geral foi a óbito pela hepatite B, nessa proporção, somada às outras patologias de alta infectividade e transmissibilidade, bem como os casos não diagnosticados. O prognóstico e a expectativa de vida desses povos são bastante precários. Mesmo não tendo um inquérito sorológico para toda a área, é sabido da existência de mais de dez indígenas com hepatite B em estágio avançado e irreversível. Diante desses fatos os povos do Vale do Javari vivem em estado de desespero.


Com relação ao alto índice das ocorrências de malária, verifica-se que apesar de três ações de combate ao vetor de transmissão, realizada nesse ano, a situação continua fora de controle, sendo que a cada dia são diagnosticados novos casos. Até mesmos os Agentes de Endemias que realizam as ações de combate à malária na região, regressam infectados. Devido à recorrência de casos de malária e suas seqüelas (especialmente em crianças), as condições gerais de saúde têm se agravado, requerendo urgência no controle do vetor. Todavia, constata-se a falta de medicamentos de malária e a ineficácia nos procedimentos de intervenção ambiental; este de responsabilidade da Fundação de Vigilância Sanitária – FVS/AM.


 


Há mais de 15 anos, lideranças indígenas da região, através da Organização representativa CIVAJA, têm denunciado essa alarmante situação de saúde da população indígena no interior do Vale do Javarí. Porém, essas denúncias ainda não surtiram os resultados desejados pelos indígenas. Até então, nenhuma providência têm sido tomada para a formulação de Políticas Públicas de acordo com a urgência que a realidade demanda. Ressalta-se que a iniciativa para minimizar a situação, como o Inquérito Sorológico realizado nas regiões do Médio Rio Javarí e baixo Rio Curuçá, atingiu somente 10 % da população indígena do Vale do Javarí.


 


A situação dos Índios Isolados nessa região não é menos grave, apesar da política da CGII/FUNAI de implementar ações que visem a proteção de suas áreas, visando inibir o contato desordenado e deletério aos grupos isolados.


 


Em muitas regiões do Vale do Javari, sobretudo, nos perímetros de fronteira entre o Brasil e o Peru, as invasões ilegais e predatórias de madeireiros, pescadores, caçadores, contrabandistas estrangeiros e por outras atividades de exploração ambiental, agravam ainda mais o quadro nosológico e vulnerabilizam, ainda mais, esses povos. Tais fatores ameaçam a sua sobrevivência física e cultural, ferindo assim, o Artigo 231 da Constituição Federal, que determina a proteção do Estado para a permanência de hábitos, costumes, línguas e dos territórios tradicionalmente ocupados.


 


A precariedade da estrutura física e a escassez de Recursos Humanos inviabilizam a atenção à saúde minimamente adequada. A má gestão dos Recursos Orçamentários e Financeiros, a falta de acompanhamento e supervisão das ações realizadas pelas equipes de profissionais de saúde e as descontinuidades das ações, assim como as constantes interferências políticas na gestão do DSEI/Javarí e das demandas da saúde indígena, constituem um quadro que requer intervenções sérias e imediatas pelo Estado brasileiro.


 


Por outro lado, a Educação Indígena na T. I. Vale do Javarí necessita de uma urgente avaliação por parte do Ministério da Educação. Não por acaso, é considerada como uma das mais atrasadas do país, apesar dos incentivos e o repasse de consideráveis somas de recursos financeiros para a Prefeitura Municipal local, pelo MEC. Das poucas escolas existentes nas aldeias, vêm funcionando de forma precária e ineficiente. A formação dos Professores indígenas, realizada pela SEDUC-AM, em parceria com a Prefeitura Municipal, não tem ocorrido de forma regular, apresentando grandes deficiências. Tais lacunas são mitigadas por iniciativas de organizações não-governamentais, em parceria com os povos indígenas, a Coordenação de Educação Indígena do MEC e a Coordenação Geral de Educação da FUNAI.


 


No tocante a fiscalização desse extenso Território Indígena, a que se reverem às condições para a execução dessas ações, sobretudo, no âmbito da AER-ATN, que requer um investimento em Recursos Materiais e a locação de Profissionais Capacitados, comprometidos com a defesa dos povos indígenas e do Vale do Javarí.  Este eco-sistema tem de ser preservado como condição da sobrevivência dos povos que nele habitam, além dos inúmeros benefícios vegetais e ecológicos ao país, principalmente diante do atual contexto (nacional e internacional) de extrema necessidade da Proteção ao Meio Ambiente.


 


Cabe registrar, que apesar da determinação legal para que o IBAMA realize junto com a FUNAI a proteção ambiental dos territórios indígenas, isto ocorre muito descontinuamente no Vale do Javari, em função das poucas condições do Escritório Regional daquele órgão, pois o mesmo conta com apenas cinco funcionários e, com quase nenhuma estrutura. No entanto, são responsáveis por um território que totaliza 270 mil km2, que engloba 7 municípios e 22 áreas indígenas, localizados na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru.


 


Face ao exposto, levamos a consideração dos distintos representantes das instituições executoras de Políticas Públicas do Estado Brasileiro, o seguinte pleito:


 


1.                 Replanejar as ações de prevenção de doenças imunopreveníveis e ampliar a cobertura geral das ações de saúde;


 


2.                 Realizar estudo minucioso dos fatores que oferecem riscos a saúde nas aldeias;


 


3.                 Melhorar a capacitação dos Agentes Indígenas de Saúde e demais profissionais, para diagnóstico precoce e intervenções mais efetivas;


 


4.                 Ampliar as ações de Vigilância Sanitária em todos os municípios da região;


 


5.                 Implantação imediata de ações de saúde da mulher e da criança;


 


6.                 Realizar ações de saneamento básico e disponibilizar água potável, como ação preventiva das doenças de veiculação hídricas;


 


7. Reivindicamos que o DSEI/Javarí seja a Unidade Gestora dos recursos orçamentários e financeiros, como uma forma efetiva de reverter o quadro atual dos problemas de saúde do Vale do Javari;


 


8.             Maior investimento para as ações de educação e meio ambiente.


 


 


                            Terra Indígena Vale do Javari-AM, 25 de fevereiro de 2007.


 



















 


 


Eriverto da Silva Vargas


Representante da FUNAI/ATN


 


 


Clóvis Rufino Reis


Coordenador Geral do CIVAJA


 


 


Zoraneide Ramos dos Santos


Chefe do DSEI/FUNASA


 


 


Antenor Vaz


Chefe da FPEVJ-FUNAI


 


 


Elias dos Santos Bígio


Representante da CGGI/FUNAI


 


 


Hilton Silva do Nascimento


Representante do CTI


 


 


Jorge Oliveira Duarte


Presidente do CONDISI/Javarí


 


 


 


Davi Feliz Cecílio


Administrador da FUNAI-Tabatinga


 


Hermes Nunes Borges


Gerente regional do IBAMA


 


José Neves Salvador


Presidente da ASASEVAJA


 


 

Fonte: Cimi
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