Duas jovens Oro Wari morrem por falta de pré-natal em Guajará-Mirim (RO) em menos de três meses
Problemas no coração. Isto teria levado à morte, em menos de três meses, duas mulheres de 21 anos de idade, do povo Oro Wari´, do Pólo-Base de Guajará-Mirim, em Rondônia. No entanto, o histórico de saúde das jovens indica que a morte das duas mulheres foi conseqüência direta da falta de atendimento pré-natal, que não tem sido oferecido regularmente por este Pólo-Base às indígenas grávidas.
As duas jovens faleceram na Unidade de Tratamento Intensivo de Porto Velho, capital de Rondônia com diagnóstico de insuficiência cardíaca. As duas tinham uma gravidez de alto risco. Madalena Oro Mon, da aldeia Lage Velho, Terra indígena Lage, faleceu em 30 de novembro de 2006, nove dias depois do parto normal. Miriam Oro Mon, da aldeia Ribeirão, terra indígena Ribeirão, faleceu em 27 de fevereiro de 2007, grávida de aproximadamente cinco meses. As duas não receberam o acompanhamento pré-natal.
Segundo o Agente Indígena de Saúde da aldeia Ribeirão, Miriam foi encaminhada para Casa de Saúde Indígena (CASAI), em Guajará-Mirim no início de janeiro para realizar exames de pré-natal. Após aguardar alguns dias sem receber atendimento, resolveu voltar para aldeia. Em fevereiro, retornou à cidade apresentando dor abdominal, vômito e dor de cabeça. Faleceu em menos de uma semana. No atestado de óbito consta que a insuficiência cardíaca foi causada por cardiopatia valvular, doença que o médico descobre com a simples ausculta do coração. Portanto, essa doença teria sido descoberta se houvesse consulta médica no pré-natal.
Até 2004, no Pólo-Base de Guajará-Mirim, somente as gestantes que buscavam o atendimento por conta própria realizavam em parte o pré-natal. As demais passavam toda gestação sem atendimento. Isto contribuiu para a ocorrência de partos prematuros e nascimentos de crianças com doenças congênitas como toxoplasmose. Naquela época, a justificativa dada pela chefia da CASAI é que não era possível trazer as gestantes para a casa por falta de espaço nas enfermarias.
Das 11 mulheres da aldeia Lage Novo que deram a luz em 2004, nenhuma teve acompanhamento pré-natal. E a aldeia fica a apenas 50 km de Guajará-Mirim. Uma das mulheres, Dueli Oro Waram, perdeu o seu filho com um dia de vida, com forte presunção de toxoplasmose congênita. Na época, dois irmãos de Dueli estavam em tratamento de toxoplasmose.
Grávidas não têm acompanhamento pré-natal completo
No Plano Distrital do DSEI de Porto Velho, aprovado pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena, consta a realização do pré-natal de acordo com as normas do Ministério da Saúde, com no mínimo seis consultas, sendo duas feitas por médico. Com isto, pretende-se reduzir a mortalidade materno-infantil.
No Pólo-Base de Guajará-Mirim essa meta ainda está longe de ser alcançada. No melhor dos casos, acontece uma consulta de enfermagem, exames de laboratório e uma ultrassonografia. Os resultados são avaliados pelo enfermeiro. Em caso de alteração, os exames são apresentados ao médico da CASAI que, em geral, não vê a paciente.
Desde 2000, a comunidade solicita melhorias nos recursos materiais (transporte, equipamento, leitos…) e humanos (consultas médicas, auxiliares de enfermagem nas aldeias…) que atendem às aldeias do Pólo-Base de Guajará Mirim. Essas reivindicações (detalhes abaixo) constam em atas de reuniões do Conselho de Saúde Indígena e em diversas denúncias e ofícios encaminhados ao Ministério Público Federal. Apesar da recente realização de uma Audiência Pública sobre atendimento à saúde indígena de Guajará-Mirim a convite do Procurador da república, Dr. Ricardo Martins Batista, o descaso e as mortes continuam acontecendo.
A equipe do Cimi em Rondônia, que convive diariamente com esta realidade, aponta como responsável por esta situação o coordenador regional da Funasa do Estado de Rondônia, que atua no cargo desde o ano de 2003.
—-
Alguns fatores responsáveis pela não realização do Pré-Natal:
- Equipes de área não cumprem a sua programação devido à falta de transporte, combustível e medicamentos. Há mais de cinco meses não há viagens de atendimento nas aldeias (Programa de Saúde da Família – PSF). É nessas viagens que a equipe de enfermagem realiza as consultas de pré-natal.
- Há aldeias como Ribeirão, com grande população, onde não há presença do auxiliar de enfermagem 20 dias por mês, como é previsto.
- No Polo-Base, tem cinco auxiliares de enfermagem indígenas dos quais apenas três foram contratados. Os demais moram na aldeia e há dois anos aguardam a contratação.
- A falta de transporte dificulta o deslocamento das gestantes entre a aldeia e a cidade.
- Falta contratar mais AIS pela FUNASA. Nas aldeias Ribeirão e Lage Novo, por exemplo, há apenas um AIS contratado para uma população acima de 200 pessoas. Uma das atribuições dos AIS é o acompanhamento das gestantes.
- Há quatro anos que os cursos de formação de Agentes Indígenas de Saúde não são realizados, apesar de ser uma prioridade que consta no Plano Distrital que prevê dois cursos por ano.
- Falta material básico nas aldeias, como aparelho de pressão. O Cimi doou um aparelho de pressão para algumas aldeias, mesmo assim, em uma delas, a equipe do PSF que atende a referida área recolheu o aparelho doado, a revelia do AIS.
- Falta acomodação para gestantes na CASAI. A unidade de saúde tem apenas quatro enfermarias com 6 a 8 leitos em cada. Desde fevereiro, a lotação passa de 170 pessoas. Quem não tem leito está acomodado em colchões ou lençóis forrados no chão. Outros armam a sua rede em uma das casas de palha abertas ao redor das enfermarias. Essa estrutura, com um banheiro por enfermaria, é insuficiente para atender toda a demanda. Nessas condições, a falta de higiene, por um lado, contribui para transmissão de doenças entre pacientes e acompanhantes, e por outro, não atrai as gestantes para essa unidade de “saúde”.
- A ampliação da CASAI com a construção de novas enfermarias é solicitada todo ano, mas ainda não foi feita. Por outro lado, em 2005, foi construído um refeitório espaçoso, que, devido à necessidade, é utilizado como enfermaria onde os pacientes são acomodados em colchões no chão.
- Há demora para ser atendida, mesmo em caso de gravidez de alto risco e de emergência.
- Falta garantir consultas médicas a todas as gestantes e, em gravidez de risco, garantir acompanhamento por obstetra.