Informe n° 757
Comunidades ribeirinhas em Brasília pela revitalização do rio São Francisco
A frase “Não à transposição, conviver com o semi-árido é a solução” está escrita na faixa que é levada pelos manifestantes do acampamento “Pela vida do Rio São Francisco e do Nordeste, contra a transposição” nas caminhadas que fazem desde o lugar onde estão reunidos – logo abaixo da torre de TV de Brasília – até as audiências, reuniões e manifestações, realizadas, em geral, em órgãos públicos na Esplanada dos Ministérios. Os acampados insistem na necessidade de revitalização do rio a partir das experiências de convivência com o velho Chico.
A mobilização reúne, desde o dia 12 de março, cerca de 600 pessoas. São indígenas – dos povos Truká, Tingui-Botó, Pankararu, Kiriri, Atikum e Tuxá -, quase uma centena quilombolas, além de pescadores, ribeirinhos, trabalhadores membros de sindicatos e estudantes. Pessoas que convivem diariamente com o rio São Francisco e que afirmam não estarem sendo levadas em conta nos planos da obra de transposição. Durante a coletiva à imprensa realizada na segunda-feira, após a pergunta de um jornalista sobre a extensão do rio, Marcos Sabaru, do povo Tingui-Botó, respondeu: “O rio não é a sua extensão, a água. O rio é o próprio pescador, o indígena. As caras do rio são pretas, tem penas, são de pescadores, de lavadeiras”.
Na terça-feira, 13, o Ministério da Integração Nacional publicou, no Diário Oficial da União, um aviso de licitação pública da primeira etapa do projeto de transposição do rio São Francisco, que prevê obras em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. “Ganham as empreiteiras. Não tem mais açude para fazer, descobriram a mina de ouro que é a transposição”, questionou Dom Tomás Balduíno, durante a abertura da manifestação.
A publicação do edital levou os manifestantes a realizarem ato em frente ao prédio do Ministério da Integração Nacional, nesta quinta-feira. Durante uma manifestação, houve um vidro quebrado. O manifestante que havia sido acusado pelo ato já foi liberado pela polícia.
Na manhã desta quinta-feira, os manifestantes participam de audiência Pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. A procuradora Luciana Khoury, coordenadora interestadual de Promotorias do São Francisco, apontou falhas jurídicas no processo da transposição, reiterou a falta de diálogo entre o governo e a população ribeirinha e questionou: “A população está cansada de ter direitos sem ter a efetividade de direitos”, disse.
Às 17 horas, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, recebe uma comissão.
Alternativas mais baratas
O discurso dos acampados enfatiza as alternativas à transposição e ressalta as experiências de convivência com o semi-árido. Também destaca um recente estudo da Agência Nacional de Águas (ANA), que apont,a como solução possível para o problema de abastecimento de água no Nordeste, um projeto com 530 obras, descentralizadas em 1112 municípios do São Francisco, que gastaria metade dos recursos previstos para a transposição.
“A transposição só poderá oferecer uma água cara. E os custos altos serão cobertos pela própria população sedenta. É um projeto nefasto, contrário aos interesses nacionais”, questionou Rubem Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “O objetivo dela é levar água para setores empresariais, de grandes projetos de irrigação. Ela não vem para resolver a falta de água do nordeste. Na região, há água suficiente para o desenvolvimento regional. O que falta é um programa de gestão, gerenciamento e distribuição da água. A solução é conviver com o que há de água lá”, afirmou Alexandre Gonçalves, da CPT, durante audiência com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski.
Audiências
Na tarde de terça-feira, representantes do acampamento foram recebidos pelos ministros Ricardo Lewandowski e César Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram solicitados encontros com os 11 ministros do STF porque cabe a eles confirmar ou refutar a decisão do ministro Sepúlveda Pertence, que derrubou, em dezembro do ano passado, as liminares que impediam o licenciamento ambiental da obra de transposição.
Entre os aspectos jurídicos destacados aos ministros pelos manifestantes, estão: a falta de autorização do Congresso Nacional para aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas; a falta de identificação de impactos sobre o patrimônio histórico, arqueológico, artístico, cultural e arquitetônico, bem como das populações tradicionais da Bacia do São Francisco da bacia do rio no relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA); e o uso da água para irrigação, contrariando a decisão do Comitê da Bacia do São Francisco, aprovou o uso da água apenas para consumo humano e animal.
Não há previsão de data para o julgamento do Supremo. Se a decisão dos ministros acatar as críticas jurídicas ao processo, as licitações lançadas esta semana pelo ministério da Integração Nacional podem ser suspensas.
Em audiência no ministério do Meio Ambiente, a Marina Silva, afirmou que as licenças ambientais são emitidas de acordo com o parecer técnico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Se os técnicos avaliam que, do ponto de vista ambiental, o projeto é viável, concedemos a licença”, afirmou, ressaltando que não vai discutir politicamente o projeto de transposição. “É uma decisão técnica”, enfatizou.
Em relação ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Ibama, os movimentos questionam que só foram considerados os impactos sobre a bacia receptora (Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte). Mesmo assim, “dos 36 impactos apontados no EIA/RIMA, 24 foram negativos”, destacou Rubem Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da coordenação do acampamento. A ministra não respondeu.
O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, também recebeu comissão do acampamento na tarde de quarta-feira. Ele afirmou não ter elementos suficientes para se posicionar em relação à transposição, mas disse ser favorável à revitalização do rio. Ele reconhece que é um projeto que divide a Câmara, e a necessidade de ampliar o debate. Chinaglia se comprometeu em aprofundar essa discussão na Casa.
A audiência que aconteceu no Ministério Púbico Federal (MPF) teve a participação de pelo menos 400 pessoas. Participaram representantes da Agência Nacional de Água (ANA), SBPC, Tribunal de Contas da União, Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco. Os representantes dos ministérios do Meio Ambiente (MA) e do MIN afirmaram ao MPF que o convite não teria chegado a tempo.
Com exceção da fala dos representantes da ANA, foi consenso entre os debatedores a existência de documentos que atestam a inviabilidade do projeto e a necessidade de rever as estratégias adotadas pelo governo. “Atender a 12 milhões de pessoas só seria possível se toda a infra-estrutura dos estados estivesse envolvida na obra”, argumentou Marcelo Chaves, do Tribunal de Contas da União (TCU).
Brasília, 15 de março de 2007
Cimi – Conselho Indigenista Missionário