Casaldáliga: disputa entre xavante e posseiros por Marãiwatsede (MT) está longe de terminar
“A justiça tem sido muito lenta”. A frase é do bispo aposentado de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, que comemorou a decisão da Justiça Federal em devolver a terra indígena de Suiá Missú aos xavante, mas reconhece que essa disputa, iniciada na década de 60, ainda está muito longe de terminar.
Casaldáliga lembra que entre 1963 e 1966, os xavante que moravam na região do município de Alto Boa Vista foram transferidos das terras em que viviam, chamada Marãiwatsede, com 165 mil hectares. Segundo os xavante, a terra foi vendida naquela época pelo governo de Mato Grosso a um grupo de usineiros do interior de São Paulo.
Desde que foram obrigados a deixar Marãiwatsede, os índios travam uma batalha pela posse da terra e ainda sonham com o retorno à região. Como conseqüência disso, vários conflitos foram registrados envolvendo a população indígena e famílias de posseiros e fazendeiros que passaram a ocupar o local. Até mesmo madeireiras clandestinas já se instalaram naquela área.
A decisão
No início deste mês, o juiz José Pires da Cunha, da 5a Vara Federal de Mato Grosso, em decisão de mérito, determinou que os posseiros desocupassem a área. Com isso, os xavante poderiam retornar à terra de origem deles.
Casaldáliga ressalta que a decisão do magistrado é louvável, mas ele revela estar pessimista quanto à devolução das terras aos índios. “A decisão do juiz foi totalmente constitucional e corajosa, defende as terras dos xavante e os ocupantes vão ter que sair”, frisa o bispo, que durante décadas acompanhou a luta dos indígenas. No entanto, Casaldáliga afirma que os xavante estão desconfiados. “Como já tenho ouvido muitas vezes promessas, os índios estão, como diz o povo, ‘cabreados'”.
Os xavante aguardam a devolução das terras de Suiá Missú e esperam que não haja mais reviravoltas. “Agora vamos aguardar porque os outros apelaram a instâncias superiores. Quando chega nesse nível de pingue-pongue, pode durar anos”, disse Casaldáliga ao RMT Online.
Desmatamento
Dom Pedro Casaldáliga prevê mais disputas judiciais entre índios e posseiros e lamenta que a natureza, nesse ínterim, esteja sendo destruída. “Na década de 60, entre 1963 e 1966, os índios xavantes que moravam naquela região foram transferidos. E eles têm continuado insistindo na terra Marãiwatsede. Começaram a entrar lavradores, comerciantes e fazendeiros, que esses anos todos estão ocupando a terra, desmatando a região. E a justiça tem sido muito lenta porque implica em roubo de terra, implica em agronegócio e povos indígenas”.
Segundo o bispo, há centenas de famílias recenseadas, cadastradas, e que têm direito à terra. “Há também vários grupos flutuantes de famílias. E muitos outros já se cansaram e foram embora”, completou.
Questionado se acredita em uma solução rápida para o conflito, a resposta é pessimista. “Acho que, infelizmente, não. Apelação vira um jogo de pingue-pongue. Apelam em uma instância, apelam de novo”, argumenta Casaldáliga. Ele reconhece, porém, que a vantagem é que esse problema todo tem se oficializado. “Nenhuma das instâncias políticas ou jurídicas pode dizer que não conhece e que não sabe [do conflito], porque se tem falado bastante sobre isso”.
Casaldáliga conta que não há registros recentes de confronto entre índios e posseiros ou fazendeiros, mas que a tensão ainda sobrevive na região. “Ameaças. Houve algum tipo de confronto localizado. Por exemplo, um grupo dessas famílias, que estava em uma área do Incra, dentro do município de Bom Jesus [do Araguaia] viu seus barracos destruídos pela polícia”.