O GRITO DOS POVOS DE ABYA YALA – Por uma integração solidária e justa
Manifesto dos povos indígenas
“Integração de e para os povos.
Defesa e impulso à diversidade cultural.
A maior riqueza da humanidade é a diversidade cultural.
A uniformização e mercantilização com finalidades de lucro ou de dominação é um atentado à humanidade”
(Evo Morales-Presidente da Bolívia – “Bem Viver”)
Bolívia estará sendo o centro de atenções da América do Sul nestes dias. Cochabamba, uma cidade central do território Quechua, na cordilheira dos Andes, estará sendo sentida no pulsar do coração de quase quatrocentos milhões de pessoas de doze países, em que se encontram centenas de povos indígenas, nações originárias.
As fortes cores e gritos estarão ganhando o continente e o mundo. O principal grito é contra o neoliberalismo que está causando sofrimento, mortes e destruição da Pachamama (mãe Terra) negando aos povos indígenas, nações originárias, o direito a seus territórios e sua sobrevivência enquanto povos. Estão sendo denunciados verdadeiros genocídios envolvendo transnacionais, com a conivência dos Estados nacionais.
O show de abertura, no dia 6 à noite, começou com um ritual indígena pedindo forças e inspiração aos antepassados, aos deuses para que iluminem às autoridades e todos os presentes. A folha sagrada da coca, foi o símbolo da partilha e união dos povos. As falas e palavras de ordem foram em Quéchua, Aymara e espanhol. Os maiores aplausos foram para as corajosas ações de enfrentamento do império, por parte de Evo Morales, na Bolívia, Hugo Chaves, na Venezuela e Fidel Castro, em Cuba.
O grito unânime é por uma integração solidária dos povos contra a integração neoliberal a partir do capital transnacional.
Bolívia: um momento bonito e delicado.
Um momento de transformação profunda, na perspectiva da descolonização e construção de um verdadeiro país plural e justo, solidário, valorizando as diferenças dos povos e buscando a justiça e igualdade social. Evo Morales, um indígena Aymara no poder, tem o difícil desafio de construir essa nova Bolívia.
Depois de quase um ano de governo, as forças conservadoras e reacionárias, as elites colonialistas que sempre se locupletaram às custas dos recursos naturais e do trabalho dos indígenas, estão investindo pesadamente na derrubada do governo. Estão aproveitando esse momento em que estarão presentes a maioria dos presidentes da América do Sul, para gerar uma situação de intranqüilidade e violência. São inúmeras greves de fome em que estão participando até governadores e prefeitos. Estão usando o pretexto do quorum de aprovação na Constituinte para atacar o presidente da república.
Por isso em vários momentos os movimentos sociais se manifestaram a favor do governo de Evo Morales. “Vivemos um momento delicado,”dizia uma das lideranças explicando que as elites que saquearam, oprimiram, exploraram e exterminaram as populações indígenas, agora estão rugindo procurando voltar ao poder.
Existe um clima de intenso debate na sociedade, especialmente entre as populações historicamente excluídas, como os povos indígenas. É possível encontrar grupos nas praças e esquinas debatendo o momento atual, as conturbações, a constituinte, a questão da reforma agrária, a questão dos povos indígenas, da democracia, da soberania e autonomia. São temos que invadem todos os ambientes. Em algumas ruas se vê grupos com faixas conclamando para a construção da “Pátria Grande”.
O país anfitrião do Fórum dos Povos Indígenas, da Cumbre Social pela integração dos povos, e do II Cumbre dos Paises da América do Sul
Cochabamba onde o coaração do continente pulsa mais forte
Ela é uma das cidades da Bolívia, com a maioria da população, de 750 mil habitantes, indígena. Numa altitude de 2.600 metros, ela é uma cidade marcada pelo mistura do avanço tecnológico com o sistema tradicional de vida dos povos nativos, o conservador das elites dominantes com o apoio a transformações propostas pelo atual presidente Evo Morales. Nas ruas pode-se ver grandes murais com a figura de Che, e os dizeres “Che Vive” e nos muros “Evo Presidente, Somos Pueblo, somos MAS”. Mas Cochabamba também tem suas feridas expostas, pelo processo colonial e o neoliberalismo. São filas infindáveis para acesso a benefícios, documentos e outras necessidades básicas. Suas ruas centrais estreitas ostentam inúmeros mendigos, quase todos indígenas, buscando sua sobrevivência em meio à marginalização a que estão submetidos.
Em vários lugares estão pessoas em greve de fome. Feirantes e condutores de vãs estão fazendo manifestações. Parece um cenário conturbado. Mas pessoas com as quais se conversa dizem que está tudo normal.
No início da noite de ontem, um forte temporal , com chuva de pedras, deixou boa parte das ruas alagadas, fazendo vítimas fatais. Mas hoje Cochabamba, de cara lavada, está engalantada para receber com protocolo oficial e diplomacia indígena, as delegações dos diversos países, inclusive o presidente Lula.
Os ventos, os eventos e o futuro
Os fortes ventos, ora frios, ora quentes sopram na direção de transformações profundas no continente, num movimento de descolonização, contra o neoliberalismo. Já na pauta oficial dos presidentes estará a revisão e implementação das grandes obras de integração regional, em curso há cinco anos, que constituem o polêmico programa de Iniciativas de Integração Regional Sul Americana – IIRSA.
Os eventos iniciaram com o Cumbre e Taller Internacional de Integracion de América de Sur, desde la mirada de los pueblos Indígenas”, nos dias 4 e 5..
Dela participaram mais de cinqüenta representantes das mais importantes organizações regionais e nacionais e os coordenadores da articulação dos povos indígenas da Amazônia – Coica e da região Andina COAI (Coordenadora Andina de Organizaciones Indígenas).
Nele houve muitas informações e debates sobre os projetos oficiais de integração em curso e a dura realidade em que vivem os povos indígenas nos diversos países. O objetivo foi reunir elementos para construção de uma proposta de integração a partir dos povos indígenas e não a partir do mercado, do capital e dos países. Uma verdadeira integração solidária e justa a partir dos povos. No final dos dois dias de trabalho foram tiradas propostas que serviram como referencia para o manifesto dos Povos Indígenas que foi aprovado dia 7. Os principais problemas enfrentados e aprofundados no taller foram: terra e território, cultura e conhecimentos coletivos, fronteiras e segurança nacional, recursos naturais, energia e meio ambiente, soberania alimentar, monocultura, desmatamento e exportação, divida externa e corrupção, águas e bacias hidrográficas, criminalizaão dos movimentos sociais e suas lideranças, dentre outros.
A partir do dia 6 começou a “Cumbre Social por la Integracion de los Pueblos”. São milhares de pessoas, especialmente dos movimentos sociais de todos os países da América do Sul, que estão buscando caminhos e projetos alternativos de integração, não a partir do mercado, mas a partir da pluralidade e riqueza cultural e social dos Povos. Nos encontros e debates estão sendo privilegiados 13 temas: energia, infraestrutura, institucionalidade,assimetrias e comércio, migrações e cidadania, meio ambiente e biodiversidade, água, justiça e impunidade, financiamento, agricultura e soberania alimentar, defesa e militarização, direitos sociais e trabalho, populações indígenas e despenalização da folha de coca.
Neste dia 8 estão começando a chegar as delegações oficiais dos 12 países. Ainda não se tem por certo quantos presidentes dos países virão. As notícias são de que serão dez ou onze presidentes que estarão aqui em Cochabamba.
Serão três eventos interligados por interesses, sonhos e lutas por mudanças e transformações profundas.
Pela pluralidade e manifestações, especialmente das populações nativas e excluídas, o Fórum Social que está se realizando em Cochabamba tem conotação similar ao Fórum Social Mundial realizado em Mumbai, na Índia, em 2004.
Serão três eventos interligados por interesses, sonhos e lutas por mudanças e transformações profundas. Uma outro integração, uma outra América e um outro mundo são possíveis.
Os povos indígenas expressaram em vários momentos a importância desse momento histórico em que lembram a frase de Tupac Katari, antes de ser assassinado: “Voltarei e seremos milhões”
Egon Heck
Cimi MS
Cochabamba, 8 de dezembro de 2006