09/11/2006

Caso Cañas: segundo júri também inocenta réu


Os sete jurados do segundo julgamento relacionado ao assassinato Vicente Cañas Costa definiram por seis votos a um que o missionário jesuíta foi assassinado e que foram utilizados porretes ou arma branca (como faca) para causar sua morte. No entanto, por cinco votos a dois, o mesmo júri inocentou o réu José Vicente da Silva, acusado de ser um dos executores do crime. O resultado saiu na noite desta quarta-feira, 8, depois de três dias de julgamento, realizado no auditório da Justiça Federal, em Cuiabá, Mato Grosso, com a presidência do juiz Dr. Jéferson Schneider.


 


O Ministério Público Federal anunciou que vai recorrer, da mesma maneira como fez em relação ao julgamento realizado entre 24 e 29 de outubro, quando foi inocentado Ronaldo Antonio Osmar, da acusação de ser um dos intermediadores do crime.


 


“A justiça tardia não se efetiva”, afirmou o procurador Mario Lucio Avelar, que coordenou a acusação, ao final do julgamento. “O inquérito teve a participação de um dos acusados, veio depois de anos para a Polícia Federal e esta não tive a rapidez necessária. Ele demonstra a incompetência das polícias Judiciária e Federal. E demonstra que, quando há interesses políticos e econômicos, eles são mais fortes que as forcas locais”, afirmou.


 


A assistente de acusação, Dra. Michael Nolan, concorda com a dificuldade de trabalhar em um processo com problemas de condução desde as primeiras investigações. “Não há uma única prova nos autos feita pela polícia. Eles não produziram provas”, disse. As provas vieram apenas anos mais tarde, através de investigações paralelas conduzidas por entidades indigenistas.


 


O juiz que presidiu os trabalhos, Jeferson Schneider, avaliou que o processo teve pontos positivos e negativos. “Negativo foi o tempo que durou. É senso comum que os órgãos responsáveis pela justiça no Brasil são lentos. Isso faz com que valores protegidos pela Constituição Federal, entre eles a vida, sejam desrespeitados. Um processo desses não leva a lugar nenhum. Não constrói uma sociedade e gera sensação de impunidade. O lado positivo é que finalmente se chegou ao fim do processo. Meu compromisso era terminar o processo, levar a júri. E isto a Justiça conseguiu.”


 


O julgamento


 


Durante os debates que encerram o julgamento, Mario Lucio Avelar procurou provar a materialidade do crime, conectando as provas de que houve assassinato. Também localizou o crime no contexto conflituoso da cidade de Juína na época e, a partir daí, argumentou sobre a motivação do crime, ligado aos interesses de fazendeiros como Pedro Chiquetti e Camilo Carlos Óbice nas terras indígenas. Acusados, ambos os fazendeiros estão mortos.


 


Dra. Michael Nolan falou das estranhezas deste processo, entre elas o sumiço do crânio da vítima, que tinha sido levado a Belo Horizonte para perícia, foi extraviado e depois encontrado em uma praça da cidade. Ela também apontou, ao longo de documentos anexados ao processo durante 19 anos, os trechos que citavam o réu José Vicente da Silva.


 


Nos três dias de julgamento, foram ouvidas quatro testemunhas de acusação, uma de defesa e uma outra testemunha convocada pelo juiz. A defesa desistiu de quatro de suas testemunhas e a acusação abriu mão de duas.


 


As provas indiciárias vieram de depoimentos dos indígenas Gelson, Adalberto Pito, Paulo Tompeba, todos do povo Rikbaktsa.


 


Gelson afirmou que trabalhou “em roçada” na Fazenda Londrina e que ali ouviu, da pessoa que o chamara para o trabalho, que o gerente da fazenda, José Vicente da Silva, teria contado que participou do crime, descrevendo uma cena semelhante àquela que já tinha sido contada, em situações distintas, aos dois outros indígenas.


 


Tese da acusação


O réu José Vicente da Silva trabalhava na fazenda Londrina, contratado para desmatar a terra que começava a ser colonizada, de acordo com o que afirmou no depoimento de segunda-feira. A fazenda Londrina é a propriedade rural que aparece citada pelos indígenas Paulo Tompeba e Adalberto Pito, que contam sobre os relatos do assassinato que ouviram em duas situações diferentes, ambas em 1989. José Vicente é acusado de ter participado do grupo que executou Cañas, a mando do homem que depois se tornaria seu patrão, Pedro Chiquetti. O nome de José Vicente foi apontado em 1996. Na época, Gilney Viana era deputado federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Como a investigação sobre a morte de Cañas não caminhava, entidades indigensitas como o Cimi, a Opan e os padres jesuítas solicitaram a presença de Viana. Durante a visita, ele tomou depoimentos. Entre eles o do indígena Gelson, que trouxe informações sobre a participação de José Vicente no assassinato.


 


A tese da acusação é de que o grupo do qual José Vicente da Silva fez parte teria chegado ao barraco do missionário através de uma picada que partia da fazenda Londrina. Esta picada só foi identificada em 1990 por indígenas.


 


“Os depoimentos coincidem com a cena do crime, na forma de acesso ao barraco, realizada através da picada”, declarou Cláudio Comte, que no final da década de 1980 foi contratado pela organização indigenista Opan para tentar levantar informações sobre o assassinato, pois as investigações policiais não caminhavam, fato que Comte segue atribuindo à relação do ex-delegado de Juína, Ronaldo Osmar, com o assassinato. Na época, Cláudio analisou os diários do missionário Vicente Cañas e neles identificou diversos relatos de tentativas de invasão de terras, muitos deles realizados por outro fazendeiro que depois seria indiciado, Camilo Carlos Óbice.


 

A única testemunha de defesa ouvida foi o médico legista da cidade de Juína Joaquim Delfino Neto, que participou de uma das perícias realizadas no corpo de Cañas.

Fonte: Cimi
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