19/10/2006

Informe n. 737: Fome, tensão e morte em Porto Cambira, Mato Grosso do Sul


– Fome, tensão e morte em Porto Cambira, Mato Grosso do Sul 
 Tupinikim e Guarani em Brasília para cobrar decisão do MJ

– Cimi pede solidariedade de pessoas e entidades no julgamento do caso Vicente Cañas



 


 


Fome, tensão e morte em Passo Piraju, Mato Grosso do Sul


 


Na manhã de quarta-feira, último dia 11 de outubro, Plácida de Oliveira e Teresa Murilha seguiram de sua aldeia, Paso Piraju, em Porto Cambira, ao município de Dourados, para pedir assistência jurídica à Funai na obtenção do auxílio reclusão – benefício concedido aos dependentes de pessoas presas que não recebam qualquer remuneração da Previdência Social.


 


Os esposos de ambas, e mais outros sete Kaiowá Guarani de Passo Piraju foram presos de forma arbitrária, no último dia 4 de abril, depois da reação a um ataque a comunidade feito por polícias vestidos à paisana no dia primeiro de abril, sem um mandado judicial. O fato ocorreu apesar de, em fevereiro deste ano, um grupo de Trabalho de Segurança Pública composto por representantes dos órgãos de Segurança Pública do Estado, Funai, Funasa, prefeitura de Dourados e do Ministério Público Federal, terem definido que quaisquer diligências policiais que tivessem de ser realizadas dentro de áreas de conflito ocupadas por indígenas deveriam ser acompanhadas pela Funai, por meio da Operação Sucuri. A comunidade do Passo Piraju vive em 60 hectares e, apesar de anos de reivindicação e violência, ainda não foi iniciado o processo de identificação da terra.


 


Neste dia em que Teresa e Plácida foram à cidade, foram entregues as cestas básicas do programa de combate à fome. Como só quem pode receber a cesta básica é o próprio beneficiário, mediante a assinatura de um recibo, Plácida e Teresa ficaram sem os mantimentos distribuídos. Conhecendo a necessidade pela qual passam as duas, a comunidade pediu aos agentes do governo que entregassem os alimentos ou esperassem a chegada delas. No entanto, fiscais da Justiça Eleitoral que acompanham a distribuição durante o período eleitoral impediram a entrega. Parecia um absurdo para todos deixar aquelas duas mulheres sem o que comer. Mas assim está na lei, essas são as normas para evitar desvio, campanha eleitoral ou compra de voto.


 


As duas mulheres entraram em desespero quando voltaram da cidade e receberam a notícia de que durante a sua ausência haviam sido distribuídas as cestas básicas.


 


A situação está muito difícil em Passo Piraju. Depois das prisões, a comunidade ficou acuada e amedrontada com a forma como foi abordada pelos jornais da região. Muitos moradores deixaram a aldeia, cansados das ameaças constantes e após terem sido  discriminados pelos moradores da cidade.


 


As pessoas que compravam o pouco de excedente da comunidade não freqüentam mais a aldeia. Sem dinheiro, não há como comprar os produtos de higiene básica que não acompanham a cesta básica.


 


Sem homens na aldeia para fazer reparos, os barracos que estão se desfazendo devido às fortes chuvas não são mais reerguidos, pelo menos um terço está no chão. 


 


Plácida, uma senhora com cerca de 50 anos, mais acostumada com tanto sofrimento, resignou-se com a situação. Teresa, uma jovem de 22 anos, mãe de quatro filhos, o mais velho de sete, e a mais nova de seis meses, não. Com a notícia Teresa ficou sem saber o que fazer. Pediu conselho aos mais velhos. Os conselhos vieram, mas não iluminaram um horizonte.


 


Sem ter o que dar de comer aos filhos, com um barraco sem cobertura, disse a dona Plácida que havia tomado a decisão de ir embora. Dona Plácida pediu que ela ficasse, mas a já jovem já havia decidido.


 


Na manhã da última sexta-feira, o filho mais velho Teresa correu pela comunidade pedindo socorro. Teresa foi encontrada por seus parentes dentro do que restava do seu barraco, com os pés a pouco mais de um metro do chão, pendurada pelo pescoço em uma corda amarrada na madeira que sustentava um teto destelhado.


 


Segundo o relatório “A violência contra os povos indígenas no Brasil”, entre os anos de 2003 e 2005, no estado do Mato Grosso do Sul, 68 pessoas do povo Guarani Kaiowá cometeram suicídio. A principal causa apontada destas mortes está na falta de terra. Segundo os estudos da Fundação Nacional do Índio, ainda existem mais de 100 terras tradicionais Guarani Kaiowá aguardando o início do processo de demarcação. (Cimi MS)


 


TUPINIKIM E GUARANI EM BRASÍLIA PARA COBRAR DECISÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA


 


Quatro lideranças dos povos Tupinikim e Gurani chegaram nesta quinta-feira, 19, a Brasília, para reuniões no Ministério da Justiça e no Ministério Público Federal.


 


No Ministério da Justiça, os indígenas foram informados pela consultoria jurídica do órgão que o parecer técnico que tem que ser realizado pela consultoria ainda não foi finalizado e, portanto, ainda não chegou às mãos do ministro da Justiça. A responsável pelos pareceres no ministério, Luciana Schettini, afirmou que este trabalho é uma das prioridades do MJ. O prazo legal para a decisão do ministro da Justiça em relação ao relatório de identificação da terra expirou em 12 de outubro.


 


O Ministério Público Federal, através do Subprocurador responsável pelo Espírito Santo, Dr. Eugênio Aragão, concorda com a posição dos indígenas de que as ações publicitárias da Aracruz têm conteúdo discriminatório e racista e que as denuncias contra elas deveriam resultar em direitos de resposta para os indígenas.


 


Cimi pede solidariedade de pessoas e entidades no julgamento do caso Vicente Cañas


 


Está marcado para a próxima terça-feira, 24, o julgamento de três dos seis acusados pelo assassinato do missionário jesuíta Vicente Cañas. O júri popular acontece em Cuiabá, MT. Nesta semana, o Cimi enviou a pessoas e entidades solidárias um pedido para que enviem cartas ao Ministério Público e a veículos de comunicação, apontando para a importância do caso na luta contra a impunidade, que já dura 19 anos. O crime pode prescrever em menos de um ano.


 


Vicente Cañas foi assassinado em 1987 porque lutava pela demarcação da terra Enawenê-Nawê e trabalhava pela saúde deste povo. Para o Cimi, o resultado do julgamento pode significar um grande avanço na luta contra a impunidade. 


 


Ele fez parte do grupo pioneiro de missionários que realizou uma forte mudança na linha de ação missionária indigenista, ao optar por uma prática de convivência com um povo distinto com atitudes de escuta, participação nas atividades do dia-a-dia, solidariedade, respeito e liberdade religiosa, o que é chamado de pela inculturação. 


 


Para contribuir com a campanha, veja aqui o modelo de carta e endereços sugeridos


 


Brasília, 20 de outubro de 2006

Fonte: Cimi
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