Passo Piraju: 150 dias presos
Uma semana de tensão e expectativa em Dourados, no Mato Grosso do Sul. No Fórum Estadual da Comarca de Dourados, estavam agendadas audiências para ouvir as testemunhas de defesa dos nove índios Kaiowá Guarani presos desde o início de abril, quando do conflito naquela terra indígena resultaram mortos dois policiais.
O processo corre acelerado por que os réus estão presos, e apesar dos Hábeas Corpus impetrados para sua liberação, as iniciativas neste sentido até agora foram sistematicamente negadas pela justiça. Existe um clima de ódio aos índios e a expectativa de uma condenação rápida e exemplar. Ou seja, na concepção da classe dominante, que os índios fiquem na cadeia, enquanto todos os assassinos de índios na região continuam soltos, impunes e os processos andam a passos lentos ou estão parados.
Segundo os advogados de defesa dos índios, “começou-se a desmontar os argumentos da acusação”. Os 15 depoimentos colhidos em três dias intensos (13, 14 e 15/09) foram unânimes em mostrar que se tratou de um conflito envolvendo a luta dos índios por seu direito de viver em paz em sua terra tradicional – tekoha Passo Piraju. Foram ressaltadas as inúmeras violências e ameaças sofridas por esta comunidade Kaiowá Guarani, o que originou o conflito.
A quase totalidade dos depoimentos foi em Guarani, com tradução, uma vez que os índios depoentes tem dificuldade de entender e se expressar
Nos depoimentos foram destacados abusos de autoridade cometidos por policiais, logo após o conflito, bem como o desaparecimento do índio Antonio da Silva, residente nesta comunidade. Também foram relatados fatos que indicam a falta de defesa dos índios durante o inquérito policial.
Ficou evidente também que, para os índios, Passo Piraju é um tekoha, terra sagrada Kaiowá Guarani, e que os fatos ocorridos estão diretamente relacionados com a defesa da terra.
Conforme os advogados de defesa dos índios, todos os testemunhos demonstraram muita firmeza e coragem apesar de toda a pressão. Teme-se pela integridade e vida de algumas testemunhas, pois suas revelações e afirmativas foram contundentes e consistentes. Algumas providências serão tomadas para coibir eventuais abusos.
No tekoha Passo Piraju encontramos o resto da comunidade (em torno de 10% estão nos presídios de Jateí e Rio Brilhante), apreensiva, pois teriam que enfrentar lugares estranhos (Fórum) para ir dizer a verdade sobre os acontecimentos de 1 de abril. Porém o velho Nhanderu, com seu tembetá (um palito de resina colocada no lábio inferior) ostentava orgulhoso a estrutura da Oga Pisy (casa de reza) que em breve esperam terminar.
Os nove índios presos permaneceram em sala próxima donde estavam sendo colhidos os testemunhos. Um passou o tempo todo chorando. Dizem que ele está gravemente afetado em seu equilíbrio psíquico. A indígena chorava copiosamente pedindo que a tirasse da cadeia, pois era inocente e seus filhos estavam precisando dela. Donde continuarão tendo forças para acreditar que a justiça irá prevalecer apesar de todo o sofrimento já enfrentado e o ódio alimentado contra eles.
Dourados, 16 de setembro de 2006
Cimi – Regional Mato Grosso do Sul