05/09/2006

Projeto de Lei nº 5684/2005: Inconstitucional e contrário aos direitos

Trata-se de proposição legislativa do Deputado Federal Fernando Lopes, que visa acrescentar ao inciso II do art. 5º da Lei nº 8.131, de 11 de abril de 1991, “que dispõe sobre a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional e dá outras providências”, de forma a vedar, na Faixa de Fronteira: “a demarcação de terras indígenas que venham a alcançar, em qualquer caso, distância da fronteira inferior à metade da largura estabelecida para a faixa de fronteira”.


 


A Faixa de Fronteira consiste, nos termos do § 2º do art. 20 da Constituição Federal em trecho de terra de 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres do Brasil.


 


Dessa forma, pretende-se impossibilitar a demarcação das terras indígenas que se situem nos 75 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres dos Brasil.


 


Ocorre que a Constituição Federal, em seu art. 231, ao reconhecer aos índios seus usos, costumes, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, determina competir à União demarcar estas terras, proteger e fazer respeitar seus bens.


 


Pouco importa onde as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios localizem.


 


Reunidos os elementos que comprovam a ocupação das terras tradicionalmente ocupadas por um determinado povo indígena, compete à União demarcá-las e protegê-las.


 


Observe-se que a Constituição Federal reconheceu aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, garantindo-lhes, nos termos do que estabelece o § 2º do art. 231 da CF, a “posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”, independente de estarem demarcadas ou não.


 


Porém, a relevância da demarcação consiste na explicitação dos limites, para efeito de proporcionar segurança jurídica aos cidadãos, índios ou não, quanto à localização precisa das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, mas também assume relevância jurídico-patrimonial para a União, tendo em vista serem, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, nos termos previstos no inciso XI do art. 20 da CF, bens da União.


 


Após a demarcação ter sido homologada pelo Presidente da República, estas terras são registradas no Cartório de Registro de Imóveis onde a terra se localize e no Serviço de Patrimônio da União – SPU, conforme estabelece o art. 19 da Lei nº 6.001/73, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, recepcionado nesta parte e em outros dispositivos pelo texto constitucional de 1988, bem como pelo que determina o Decreto nº 1.775/96, que regula o procedimento administrativo para a demarcação das terras indígenas.


 


A proposição legislativa, portanto:


 


1.    fere direito subjetivo dos índios que tradicionalmente ocupam terras que se localizam na fronteira do Brasil com outros países, a ter estas terras demarcadas;


2.    atenta contra o patrimônio público federal, na medida em que impede seres as terras indígenas localizadas nos 75 km de largura da fronteira do Brasil com outros países venha a ser administrativamente demarcada e registrada em cartório e no SPU como patrimônio público federal;


3.    prejudica ainda, vários povos que tradicionalmente ocupam terras na faixa de fronteira e se relacionam com parentes seus nos países limítrofes. Esta situação exige, ao contrário da vedação pretendida pelo Projeto de Lei, a aplicação da Convenção nº 169 da OIT, já aprovada pelo Congresso Nacional e já promulgada pelo Presidente da República, de forma a que o Brasil firme com os países limítrofes acordos internacionais destinados à regular a presença dos índios nas fronteiras destes países.


 


Cabe ainda destacar, que a presença indígena na Faixa de Fronteira, jamais impediu ou dificultou, como não impede e nem dificulta o regular desempenho das atividades do poder público, em especial das Forças Armadas e da polícia federal. No caso a única exigência que decorre de imperativo constitucional, consiste no respeito à diversidade étnica e cultural dos povos indígenas, para que seus usos, costumes, línguas, crenças e tradições sejam respeitados.


 


No que se refere à eventual manifestação do Conselho de Defesa Nacional, importa considerar, que a redação proposta no Projeto de Lei torna qualquer manifestação desnecessária, na medida em que consigna vir a ser “vedada” “a demarcação de terras indígenas que venham a alcançar, em qualquer caso, distância inferior à metade da largura estabelecida para a faixa de fronteira”.


 


Por outro lado, também não procede projetar a possibilidade de manifestação do Conselho de Defesa Nacional sobre a demarcação ou mesmo, como alguns pretendem, sobre a homologação da demarcação das terras indígenas. O alegado fundamento constitucional inscrito no inciso III do art. 91 da CF, não se aplica às terras indígenas, na medida em que as condições de utilização, ou o efetivo uso das Terras Indígenas localizadas na Faixa de Fronteira já estão fixadas no art. 231 e seus §§ 1º à 7º da Constituição Federal.


 


Do exposto, conclui-se que além de graves vícios de inconstitucionalidade, o Projeto de Lei atenta contra os direitos dos povos indígenas a terem suas terras administrativamente demarcadas nos 75 km de faixa de fronteira, razões pelas quais a proposição legislativa em questão deva ser rejeitada.


 


Brasília, 05 de outubro de 2005.


 


Paulo Machado Guimarães


Advogado inscrito na OAB-DF sob o nº 5.358 e Assessor Jurídico do Cimi


[email protected]


 

Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica
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