Artigo de Pedro Casaldáliga
Celebramos a Romaria dos Mártires da Caminhada, em nosso Santuário de Riberão Cascalheira, por ocasião dos 30 anos do martírio do Padre João Bosco Penido Burnier. Um verdadeiro jubileu de encontros, de memória, de oração, de compromisso. A mística e a militância compenetrando-se nos símbolos, nas celebrações, nos gestos. São muitos os testemunhos emocionados que destacam essa plural convergência de valores em nossa Romaria.
Esses testemunhos, com outras muitas mensagens e cartas, têm-se acumulado nas pastas e no coração. Esta pequena circular quer ser uma preguiçosa, mas entranhável resposta pessoal, a tanto carinho e solidariedade.
A Romaria continua. Tem que continuar. Temos que fazer da “memória subversiva” do martírio uma diária militância subversiva. Por essas grandes Causas que vêm merecendo as vidas doadas de tantas testemunhas fiéis. Porque continua agindo, perverso e cínico, o império da morte, nessa macroditadura neoliberal, nas guerras da cobiça, nas migrações forçadas e proibidas, na omissão e submissão das instâncias internacionais, na distância, às vezes, das Religiões, das Igrejas. Tem que continuar, lúcida, conjugada, esperançada, a mobilização da solidariedade, a política alternativa e ecumênica desse outro mundo possível e necessário. Não podemos permitir que se sequem no esquecimento ou na indiferença o sangue dos nossos mártires e o pranto dos pobres: poderíamos ser perjuros contra esse sangue e esse pranto…
Vários países latinoamericanos estão em período eleitoral. Embora com algumas surpresas agradáveis, habitualmente nessa paralítica normalidade que são as nossas democracias formais. Pode-se votar, mas não se pode ser. Nossa Agenda Latinoamericana de 2007 está dedicada precisamente a “exigir e fazer outra democracia”.
Em Nossa América e em todo o mundo solidário as forças alternativas da sociedade civil se multiplicam e atuam. E os seus melhores sonhos, essas diferentes Causas da Vida pelas quais lutam, pretendem em última instância a urgente utopia que proclamávamos por ocasião do Premi Internacional Catalunya: “Humanizar a Humanidade praticando a proximidade”.
Para a fé religiosa estão de providencial atualidade o diálogo e a comunhão a serviço dessa utopia; porque é único o Deus de todos os nomes e porque também é d´Ele essa utopia de humanizar-nos plenamente.
Das nossas pacíficas militantes trincheiras, seguiremos unidos, unidas, na paixão e no serviço dessa outra Humanidade, desse Universo belo e vulnerado. Nem Deus se arrependeu de sua Criação, nem fracassou a História humana. A Romaria continua.
Com um abraço de ternura e esperança,
Pedro Casaldáliga