23/08/2006

Propaganda da Aracruz mente sobre preocupação com crianças brasileiras


As crianças quilombolas e indígenas do Espírito Santo não estão satisfeitas com a nova propaganda vinculada na televisão pela Aracruz Celulose. Depois de chamar a atenção na Copa do Mundo ao mostrar celebridades, a transnacional agora apelou, como considerou as comunidades tradicionais do Estado. Em sua nova propaganda, a Aracruz Celulose afirma se preocupar com o futuro das crianças.

O comercial deixou lideranças indígenas e quilombolas indignadas. “Só se for o futuro das crianças da Europa, porque aqui ela não se preocupa com nada, muito menos com as crianças. Se ela mudou algo na realidade destas crianças foi para pior, ao destruir a mata, ao poluir os rios, onde elas brincavam e bebiam água. Estas crianças cresceram longe de tudo aquilo que é vital, por causa destes eucaliptos”, ressaltou o cacique da aldeia de Caieras Velha, Jaguareté.

Para a professora da escola da comunidade quilombola de Linharinho, em Conceição da Barra, Maria Aparecida Marciano, a propaganda é completamente enganosa. “Como ela pode falar isso, as crianças quilombolas já nascem ilhadas pelos eucaliptos, não têm espaço nem para brincar e ainda estudam em uma escola que está sendo devorada pelos cupins provenientes destas plantações. Até o campo de futebol está ilhado pelos eucaliptos da empresa” ressaltou.

Na propaganda, enquanto uma pipa passeia pelo céu, um narrador com voz serena e acolhedora explica que a “empresa produz celulose, matéria prima básica para as fraldas, papel que vira desenho, gibi e pipas, e que por isso, não poderia deixar de se preocupar com o futuro das crianças”. No entanto, a transnacional esquece de dizer que sua celulose é, em sua maioria, exportada para a Europa para a confecção de guardanapos, papeis higiênicos, lenços de papeis, entre outros, e acima de tudo, é produzida graças aos eucaliptos plantados dentro de terras tradicionais, de quilombolas e indígenas no norte do Estado.

“A empresa devia se preocupar menos em gastar uma fortuna para encobrir tudo isso em comerciais, e se preocupar de verdade com estas crianças. Devia se preocupar em devolver as terras quilombolas, isso sim é proporcionar um futuro mais digno para estas crianças”, ressaltou Maria Aparecida.

O cacique Jaguareté lembrou, que ele mesmo, durante sua infância, já não conheceu o que sua mãe viveu na região. Ele alerta ainda que há um grande receio de que as crianças cresçam como uma geração sem raízes, sem a natureza, considerados os alicerces da cultura indígena.

“As crianças estão crescendo sem conhecer a natureza. Eu mesmo não andei pelas matas que minha mãe andou, não bebi a água que ela bebeu, essa realidade que a empresa passa não é a realidade das comunidades indígenas impactadas. Os problemas sociais que ela causa aqui são imensos e ela sabe disso”, desabafou.

Para ele, se a empresa se importasse realmente com o futuro das crianças brasileiras, principalmente as indígenas, começaria devolvendo as terras tradicionais usadas por ela. “Nós lutamos por nossas terras justamente para garantir o futuro de nossas crianças, porque até a empresa devolver e as comunidades recuperarem todo esse estrago, já estamos velhos. Isso é para os nossos filhos e netos. Ainda assim, essas crianças vão ter que ter muita força e fé para reconstruir tudo que a empresa destruiu”, disse.

A propaganda intitulada “Pipa” estreiou no programa Fantástico, na mesma época em que se decide o futuro dos 11.009 hectares indígenas usados pela transnacional, e quando cada vez mais se intensifica a luta dos quilombolas pela devolução dos 50 mil hectares de terras quilombolas que também são usadas pela empresa no norte do Estado.

Nela, a empresa dá suporte à sua preocupação, afirmando que são de sua responsabilidade os 261 mil hectares de área plantada e os 139 mil hectares de área preservada. A área plantada que aparece no comercial é área preservada pela empresa na Bahia, a título de compensação pelo o que já foi destruído com o plantio de eucalipto. No Estado, a empresa destruiu mais de 50 mil hectares de mata atlântica, quando se instalou no norte do Espírito Santo.

As lideranças indígenas e quilombolas finalizaram suas opiniões lembrando que a situação vivida pelas crianças das comunidades é triste e pode ser observada por qualquer pessoa disposta a visitá-las.

A campanha, de responsabilidade da agência publicitária W/Brasil, deve circular nos principais canais até dezembro deste ano.


 


 

Fonte: Seculo Diário
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