15/08/2006

Tem aldeia Terena na Política


Sete meses após a decisão coletiva de enfrentar os latifundiários para retomar a sua terra tradicional e levantar o acampamento Mãe Terra, os Terena vêem os primeiros feijões prontos para serem colhidos. Com orgulho, este povo reconhecido como exímios agricultores mostra os frutos de sua decisão de levar adiante sua escolha política de lutar pela terra. Antes da retomada, ocorrida em fevereiro, as 200 famílias que hoje estão no acampamento, viviam com muita dificuldade entre as cinco mil pessoas que continuam morando na terra indígena Cachoeirinha de apenas 2.600 hectares, no município de Miranda.


 


“O nosso acampamento é uma organização de longo prazo que caminha com a força de todo mundo trabalhando e discutindo o que é melhor para todos”, explica o cacique Zacarias Rodrigues. Assim, dando mais um passo no rumo desta organização, mais de cem pessoas do acampamento Mãe Terra e representantes do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza e do Conselho Indigenista Missionário participaram, neste sábado, 12, de um dia inteiro dedicado ao estudo sobre a política institucional e o jeito Terena de fazer política.

Em seu jeito próprio de fazer política, três vezes por semana toda a comunidade Mãe Terra – homens, mulheres e crianças — se reúne para planejar o futuro do acampamento. Uma forma de fazer política que até certo ponto se assemelha a do Estado brasileiro, como prevê o artigo 1º, da Constituição Federal que diz: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, mas na prática é diferente.

E se boa parte da população brasileira não se sente representada ou com espaço para participar das decisões políticas do país para um povo como os Terena essa participação é ainda mais restrita.

Sem muitas possibilidades de eleger representantes para os poderes legislativos e executivos, os Terena são freqüentemente abordados por políticos que se apresentam como representantes de seus interesses. Alguns declaradamente de postura antiindígena procuram as lideranças Terena com intuito de cooptá-las. “Há muito tempo os povos indígenas do nosso estado têm sido usados de forma eleitoreira. A gente sabe que já tem candidato querendo oferecer dois mil reais para as lideranças convencerem a comunidade a votar em políticos que são contra o nosso povo”, denuncia o cacique Ramão Vieira de Souza.

A prática criminosa de compra de votos foi uma das principais preocupações apresentadas pelos participantes do estudo. “É preciso estar atento. Fazer este debate com participação de todos é como se a gente estivesse vacinando nossa comunidade, o acampamento, que é apenas uma criança com apenas sete meses de idade, contra as doenças da corrupção e da compra de votos”, valoriza o agente de saúde Agnaldo Rayol.

O sucesso do dia de estudo, que teve como instrumento de trabalho a cartilha produzida pelo Cimi “Tem Aldeia na Política”, fez com que fossem combinados novos encontros para reforçar o trabalho de conscientização política dentro do Acampamento.  “Queremos aproveitar para reforçar a importância de não nos deixarmos ser enganados pelos políticos principalmente nesse período eleitoral” declara o cacique Ramão.

Participar e se organizar
A rezadora, dona Marina, de mais de oitenta anos, que veio para a área retomada e ali fez sua roça e seu barraco, participou atentamente do dia de estudos. A anciã afirma ter se mudado para o acampamento “para viver e se sentir em paz”. Vista por todos no acampamento como um símbolo do desejo de participar da vida da comunidade e da transformação da realidade, a dedicação de dona Marina é compreendida como a maior força política do acampamento. “Temos enfrentado muitas dificuldades, incêndio, ameaças e tempestade, mas temos certeza que com participação de todos e a nossa organização somos capazes de mudar a nossa história e de ser referência para luta do movimento indígena”, afirma Ramão.

Para as próximas eleições, a comunidade do acampamento elaborou um documento onde apresenta suas propostas e reivindicações. Os candidatos que concordarem com elas, devem assinar o documento e registrar em cartório o compromisso firmado. Caso os compromissos não sejam cumpridos, a organização do acampamento promete cobrar. Um dos pontos a serem cobrados pela comunidade de Mãe Terra, tem haver com participação política. “Dentro das propostas apresentadas, pedimos para que os mandatos parlamentares, que assumam esse compromisso, tenham espaço reservado para colocarmos nossas necessidades, por que só os Terena é que podem dizer o que é bom para os Terena” argumenta Ramão.

Concordando com Ramão, Agnaldo considera que mesmo sem representantes na política institucional, é possível pressionar o poder público para que se cumpram os direitos indígenas previstos na Constituição por meio da organização. “Quem faz a política somos nós, não só os candidatos que se elegem”, conclui o agente de saúde.

Fonte: Cimi - MS
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