27/07/2006

Comunicado dos povos do campo dos dignidade e justiça


Documento divulgado ao final do Encontro Nacional dos Povos do Campo, encerrado na manhã do dia 25 de julho, Dia do Trabalhador Rural.



O texto é assinado pelas entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA).


COMUNICADO DOS POVOS DO CAMPO POR DIGNIDADE E JUSTIÇA


O atual modelo de desenvolvimento agrícola e fundiário dominante é patrocinado por uma velha oligarquia latifundiária disfarçada de “moderna” pela assimilação de tecnologia, que promove o agronegócio articulado aos interesses de empresas transnacionais que controlam a produção e comercialização de commodities agrícola. Esse modelo perpetua a dominação econômica e política, reproduz a desigualdade social e promove a destruição ambiental porque é baseado na produção monocultora, na concentração da propriedade fundiária e na expropriação das populações rurais, inclusive com o uso do trabalho escravo.


Esse modelo continua se expandindo, abrindo novas e velhas fronteiras agrícolas. Este modelo, além da degradação ambiental, da concentração da renda, terra e riqueza, gera uma imensa desigualdade no acesso ao trabalho e à renda no campo brasileiro. Cerca de cinco milhões de famílias vivem com menos de dois salários mínimos mensais e os maiores índices de mortalidade infantil e de analfabetismo também estão no meio rural brasileiro.


As precárias condições de vida se tornam ainda mais agudas quando associadas à violência e a impunidade que imperam no campo. Esta violência atinge, por exemplo, a população indígena, pois 40 pessoas perderam a vida em 2005. No caderno Conflitos no Campo – Brasil 2005, a Comissão Pastoral da Terra revela ainda que ocorreram 1.304 conflitos agrários, com 38 assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras, 437 ocupações e 90 acampamentos. Esses conflitos envolveram mais de 803 mil pessoas. A chaga do trabalho escravo, submetendo milhares de trabalhadoras e trabalhadores a condições subumanas de vida, não só se mantém, mas avança com as fronteiras agrícolas.


Apesar da violência e das condições de vida no campo a agricultura familiar e camponesa é responsável pela produção dos alimentos e pelo abastecimento do mercado interno, apontando na direção da soberania alimentar. Produz 67% da produção nacional de feijão, 84% da mandioca, 31% do arroz, 49% do milho, 52% do leite, 59% de suínos, 40% de aves e ovos, 32% da soja. Este setor ocupa apenas 30% da área total cadastrada e recebe menos de 24% do financiamento público destinado à agricultura, mas emprega mais de 85% da mão-de-obra ocupada no campo.


Estes índices de produção e ocupação se mantêm apesar dos processos recentes de liberalização, abertura comercial, globalização e da falta de políticas públicas capazes de assegurar condições dignas de vida e trabalho no campo. Os acordos agrícolas na OMC vão afetar a renda dos produtores e produtoras familiares e camponesas. A produção familiar vai ser afetada profundamente pela importação indiscriminada de produtos agrícolas e expulsar da terra e excluir milhões de pequenos produtores do acesso e garantia de seus direitos.


Como um conjunto de políticas para atacar a concentração da propriedade da terra, garantir a soberania alimentar, valorizar e multiplicar a agricultura familiar e camponesa, a reforma agrária está abaixo dos objetivos do próprio II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA). Algumas ações e programas do atual governo representam avanços, mas não são suficientes para atender às necessidades e provocar profundas mudanças no atual modelo agropecuário. Ademais, é injustificável que o Poder Executivo não tenha atualizado os índices de produtividade, um ponto prioritário em todas as pautas dos movimentos sociais, por ser fator impeditivo às desapropriações para a reforma agrária.


Cabe grande parcela de responsabilidade ao Poder Legislativo que aprova leis contra a reforma agrária ou não aprova leis como a que trata da expropriação de imóveis onde foi constatado trabalho escravo (PEC 438-A/2001). Assistimos, ainda, a um novo avanço da Bancada Ruralista, utilizando o espaço do Legislativo para criminalizar os movimentos sociais do campo.


Os entraves e bloqueios à reforma agrária e a implementação de qualquer programa voltado para as populações rurais são patrocinados pela Bancada Ruralista, pela violência das milícias privadas e pelos muitos entraves burocráticos e legais. Há impedimentos patrocinados por setores do Poder Judiciário e de Governos Estaduais, comprometidos com a oligarquia e com o atual modelo agropecuário. A celeridade do Judiciário só acontece para negar direitos aos mais pobres, reafirmando o direito de propriedade e negando o princípio constitucional de sua função social.


Apesar de todos estes entraves e da violência, a produção familiar, camponesa, indígena, quilombola, extrativa é mais do que uma alternativa de produção econômica para o País. Fortalecida por suas organizações e movimentos, representa um modo de vida que assegura a reprodução dos grupos sociais, preserva as culturas locais, produz alimento e preserva a biodiversidade. Merecem especial referência as organizações de mulheres e jovens que defendem que o direito à terra, ao território e aos recursos naturais são fundamentais na luta contra o expansionismo do agronegócio.


Reafirmando o seu protagonismo na luta pela terra e pelo território, justiça e condições dignas de vida das populações do campo, os movimentos e entidades do Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo, reunidas no Encontro Nacional dos Povos do Campo por Dignidade e Justiça, dirigem-se à sociedade brasileira, exigindo a realização da reforma agrária, iniciando pelo assentamento de todas as 230 mil famílias acampadas. Para tanto, devem ser destinados recursos financeiros e humanos suficientes para assentar, nos próximos quatro anos, um milhão de famílias sem terra, dando início a um processo de reforma agrária integral e massiva no Brasil.


É fundamental ampliar e implementar políticas públicas que assegurem a autodeterminação e o controle dos territórios pelas populações indígenas e tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, quebradeiras, geraizeiros, pescadores artesanais), inclusive garantir o acesso das mulheres à documentação, terra, crédito, renda, tecnologias apropriadas, assistência técnica, à saúde, à educação.


Em vez de privatizar o patrimônio hídrico, o governo deve intensificar os programas de revitalização e preservação da biodiversidade, alterando o atual modelo que prioriza o hidroagronegócio e a expansão dos monocultivos voltados para a produção de celulose e grãos. Esta é uma prioridade, pois garantirá a autonomia das populações dos ecossistemas nacionais, a água como um direito inalienável e fundamental, a segurança e a soberania alimentar do povo brasileiro.


Conseqüentemente, é imprescindível mudar a atual política econômica disponibilizando recursos para um desenvolvimento rural sustentável com a ampliação da reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa. Essas mudanças permitirão alocar recursos financeiros suficientes para promover todos os assentamentos com qualidade e garantir infra-estrutura, crédito, assistência técnica, recuperação de preços dos produtos, insumos, educação, saúde para toda população do meio rural.


Terra não é negócio, é espaço de biodiversidade, trabalho e produção da vida.


25 de julho de 2006 – dia das trabalhadoras e trabalhadores rurais.


 


FÓRUM NACIONAL PELA REFORMA AGRÁRIA E JUSTIÇA NO CAMPO


1.       CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura


2.       MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra


3.       CPT – Comissão Pastoral da Terra


4.       MPA – Movimento de Pequenos Agricultores


5.       MMC – Movimento de Mulheres Camponesas


6.       MAB – Movimento dos Atingidos pelas Barragens


7.       CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros


8.       CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil


9.       Pastorais Sociais da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)


10.   PJR – Pastoral da Juventude Rural


11.   CNASI – Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra


12.   CONDSEF – Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais


13.   Cáritas Brasileira


14.   CIMI – Conselho Indigenista Missionário


15.   ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Superior


16.   COIABE – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira


17.   Centro de Justiça Global


18.   CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço


19.   CMP – Central dos Movimentos Populares


20.   CUT – Central Única dos Trabalhadores


21.   DESER – Departamento de Estudos Sindicais Rurais


22.   ESPLAR – Escritório de Planejamento Rural


23.   FASE – Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional


24.   FASER – Fed. das Assoc. e Sind. dos Trab. da Extensão Rural e do S. Público Agríc. do Brasil


25.   FEAB – Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil


26.   FIAN-Brasil – Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar


27.   MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos


28.   MTL – Movimento Terra, Trabalho e Liberdade


29.   FISENGE – Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros


30.   IBASE – Instituto de Estudos Sociais e Econômicos


31.   IBRADES – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social


32.   IDACO – Instituto de Desenvolvimento e Ação comunitária


33.   IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil


34.   IFAS – Instituto de Formação e Assessoria Sindical


35.   INESC – Instituto de Estudos Sócio-Econômicos


36.   MLST – Movimento de Libertação dos Sem-Terra


37.   Terra de Direitos


38.   Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais


39.   Rede Social de Justiça e Direitos Humanos


40.   RENAP – Rede Nacional dos Advogados Populares


41.   SINPAF – Sindicato Nac. dos Trabalhadores de Instituição de Pesquisa e Desenv. Agropecuário


42.   ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária


43.   APR – Animação Pastoral Rural


44.   ASPTA – Assessoria e Serviços em Projetos de Tecnologia Alternativa

ABONG – Associação Brasileira das ONGs.

Fonte: FNRA
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