Comunicado dos povos do campo dos dignidade e justiça
Documento divulgado ao final do Encontro Nacional dos Povos do Campo, encerrado na manhã do dia 25 de julho, Dia do Trabalhador Rural.
O texto é assinado pelas entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA).
COMUNICADO DOS POVOS DO CAMPO POR DIGNIDADE E JUSTIÇA
O atual modelo de desenvolvimento agrícola e fundiário dominante é patrocinado por uma velha oligarquia latifundiária disfarçada de “moderna” pela assimilação de tecnologia, que promove o agronegócio articulado aos interesses de empresas transnacionais que controlam a produção e comercialização de commodities agrícola. Esse modelo perpetua a dominação econômica e política, reproduz a desigualdade social e promove a destruição ambiental porque é baseado na produção monocultora, na concentração da propriedade fundiária e na expropriação das populações rurais, inclusive com o uso do trabalho escravo.
Esse modelo continua se expandindo, abrindo novas e velhas fronteiras agrícolas. Este modelo, além da degradação ambiental, da concentração da renda, terra e riqueza, gera uma imensa desigualdade no acesso ao trabalho e à renda no campo brasileiro. Cerca de cinco milhões de famílias vivem com menos de dois salários mínimos mensais e os maiores índices de mortalidade infantil e de analfabetismo também estão no meio rural brasileiro.
As precárias condições de vida se tornam ainda mais agudas quando associadas à violência e a impunidade que imperam no campo. Esta violência atinge, por exemplo, a população indígena, pois 40 pessoas perderam a vida em 2005. No caderno Conflitos no Campo – Brasil 2005, a Comissão Pastoral da Terra revela ainda que ocorreram 1.304 conflitos agrários, com 38 assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras, 437 ocupações e 90 acampamentos. Esses conflitos envolveram mais de 803 mil pessoas. A chaga do trabalho escravo, submetendo milhares de trabalhadoras e trabalhadores a condições subumanas de vida, não só se mantém, mas avança com as fronteiras agrícolas.
Apesar da violência e das condições de vida no campo a agricultura familiar e camponesa é responsável pela produção dos alimentos e pelo abastecimento do mercado interno, apontando na direção da soberania alimentar. Produz 67% da produção nacional de feijão, 84% da mandioca, 31% do arroz, 49% do milho, 52% do leite, 59% de suínos, 40% de aves e ovos, 32% da soja. Este setor ocupa apenas 30% da área total cadastrada e recebe menos de 24% do financiamento público destinado à agricultura, mas emprega mais de 85% da mão-de-obra ocupada no campo.
Estes índices de produção e ocupação se mantêm apesar dos processos recentes de liberalização, abertura comercial, globalização e da falta de políticas públicas capazes de assegurar condições dignas de vida e trabalho no campo. Os acordos agrícolas na OMC vão afetar a renda dos produtores e produtoras familiares e camponesas. A produção familiar vai ser afetada profundamente pela importação indiscriminada de produtos agrícolas e expulsar da terra e excluir milhões de pequenos produtores do acesso e garantia de seus direitos.
Como um conjunto de políticas para atacar a concentração da propriedade da terra, garantir a soberania alimentar, valorizar e multiplicar a agricultura familiar e camponesa, a reforma agrária está abaixo dos objetivos do próprio II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA). Algumas ações e programas do atual governo representam avanços, mas não são suficientes para atender às necessidades e provocar profundas mudanças no atual modelo agropecuário. Ademais, é injustificável que o Poder Executivo não tenha atualizado os índices de produtividade, um ponto prioritário em todas as pautas dos movimentos sociais, por ser fator impeditivo às desapropriações para a reforma agrária.
Cabe grande parcela de responsabilidade ao Poder Legislativo que aprova leis contra a reforma agrária ou não aprova leis como a que trata da expropriação de imóveis onde foi constatado trabalho escravo (PEC 438-A/2001). Assistimos, ainda, a um novo avanço da Bancada Ruralista, utilizando o espaço do Legislativo para criminalizar os movimentos sociais do campo.
Os entraves e bloqueios à reforma agrária e a implementação de qualquer programa voltado para as populações rurais são patrocinados pela Bancada Ruralista, pela violência das milícias privadas e pelos muitos entraves burocráticos e legais. Há impedimentos patrocinados por setores do Poder Judiciário e de Governos Estaduais, comprometidos com a oligarquia e com o atual modelo agropecuário. A celeridade do Judiciário só acontece para negar direitos aos mais pobres, reafirmando o direito de propriedade e negando o princípio constitucional de sua função social.
Apesar de todos estes entraves e da violência, a produção familiar, camponesa, indígena, quilombola, extrativa é mais do que uma alternativa de produção econômica para o País. Fortalecida por suas organizações e movimentos, representa um modo de vida que assegura a reprodução dos grupos sociais, preserva as culturas locais, produz alimento e preserva a biodiversidade. Merecem especial referência as organizações de mulheres e jovens que defendem que o direito à terra, ao território e aos recursos naturais são fundamentais na luta contra o expansionismo do agronegócio.
Reafirmando o seu protagonismo na luta pela terra e pelo território, justiça e condições dignas de vida das populações do campo, os movimentos e entidades do Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo, reunidas no Encontro Nacional dos Povos do Campo por Dignidade e Justiça, dirigem-se à sociedade brasileira, exigindo a realização da reforma agrária, iniciando pelo assentamento de todas as 230 mil famílias acampadas. Para tanto, devem ser destinados recursos financeiros e humanos suficientes para assentar, nos próximos quatro anos, um milhão de famílias sem terra, dando início a um processo de reforma agrária integral e massiva no Brasil.
É fundamental ampliar e implementar políticas públicas que assegurem a autodeterminação e o controle dos territórios pelas populações indígenas e tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, quebradeiras, geraizeiros, pescadores artesanais), inclusive garantir o acesso das mulheres à documentação, terra, crédito, renda, tecnologias apropriadas, assistência técnica, à saúde, à educação.
Em vez de privatizar o patrimônio hídrico, o governo deve intensificar os programas de revitalização e preservação da biodiversidade, alterando o atual modelo que prioriza o hidroagronegócio e a expansão dos monocultivos voltados para a produção de celulose e grãos. Esta é uma prioridade, pois garantirá a autonomia das populações dos ecossistemas nacionais, a água como um direito inalienável e fundamental, a segurança e a soberania alimentar do povo brasileiro.
Conseqüentemente, é imprescindível mudar a atual política econômica disponibilizando recursos para um desenvolvimento rural sustentável com a ampliação da reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa. Essas mudanças permitirão alocar recursos financeiros suficientes para promover todos os assentamentos com qualidade e garantir infra-estrutura, crédito, assistência técnica, recuperação de preços dos produtos, insumos, educação, saúde para toda população do meio rural.
Terra não é negócio, é espaço de biodiversidade, trabalho e produção da vida.
25 de julho de 2006 – dia das trabalhadoras e trabalhadores rurais.
FÓRUM NACIONAL PELA REFORMA AGRÁRIA E JUSTIÇA NO CAMPO
1. CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
2. MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
3. CPT – Comissão Pastoral da Terra
4. MPA – Movimento de Pequenos Agricultores
5. MMC – Movimento de Mulheres Camponesas
6. MAB – Movimento dos Atingidos pelas Barragens
7. CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros
8. CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
9. Pastorais Sociais da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)
10. PJR – Pastoral da Juventude Rural
11. CNASI – Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra
12. CONDSEF – Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais
13. Cáritas Brasileira
14. CIMI – Conselho Indigenista Missionário
15. ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Superior
16. COIABE – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
17. Centro de Justiça Global
18. CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
19. CMP – Central dos Movimentos Populares
20. CUT – Central Única dos Trabalhadores
21. DESER – Departamento de Estudos Sindicais Rurais
22. ESPLAR – Escritório de Planejamento Rural
23. FASE – Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional
24. FASER – Fed. das Assoc. e Sind. dos Trab. da Extensão Rural e do S. Público Agríc. do Brasil
25. FEAB – Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil
26. FIAN-Brasil – Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar
27. MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos
28. MTL – Movimento Terra, Trabalho e Liberdade
29. FISENGE – Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
30. IBASE – Instituto de Estudos Sociais e Econômicos
31. IBRADES – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social
32. IDACO – Instituto de Desenvolvimento e Ação comunitária
33. IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
34. IFAS – Instituto de Formação e Assessoria Sindical
35. INESC – Instituto de Estudos Sócio-Econômicos
36. MLST – Movimento de Libertação dos Sem-Terra
37. Terra de Direitos
38. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
39. Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
40. RENAP – Rede Nacional dos Advogados Populares
41. SINPAF – Sindicato Nac. dos Trabalhadores de Instituição de Pesquisa e Desenv. Agropecuário
42. ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária
43. APR – Animação Pastoral Rural
44. ASPTA – Assessoria e Serviços em Projetos de Tecnologia Alternativa