Entidades e poder público discutem causas da violência contra indígenas no MS
Dados levantados pelo Conselho Indigenista Missionário revelam que entre os anos de 2003 e 2005 o estado do Mato Grosso do Sul teve os mais altos índices de violências contra os povos indígenas em quase em todos os quesitos, como assassinatos, de suicídios, de mortes por atropelamento, de morte de crianças por desnutrição, de violências sexuais.
O quadro alarmante faz parte da publicação “A Violência Contra os Povos
Indígenas no Brasil”, lançada ontem em ato público no Instituto Teológico da CNBB, com a participação de representantes de entidades da sociedade civil, poder público e movimentos sociais.
Os números chamam atenção para a necessidade urgente de medidas eficazes no enfrentamento das causas dessa violência desenfreada cometida constantemente contra esses povos.
Aqueles que mais sofrem
No Mato Grosso do Sul, unidade da federação com a segunda maior população indígena, a situação mais grave é registrada no cone sul do estado, onde vivem mais de 35 mil Kaiowá/Guarani, confinados em pequenos pedaços de terra.
Em nenhuma outra região do país, há uma proporção tão pequena de terra. Na terra indígena de Dourados, por exemplo, ocorre uma das maiores concentrações de indígena do Brasil, mais de 12 mil pessoas em 3.500 hectares de terra. Esta terra indígena é também a área onde se concentram os maiores números de violências.
Isto comprova o que muitos estudos têm concluído: o fator principal das violências contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul é resultado do confinamento e da falta de reconhecimento das terras indígenas.
“Este é um estado de latifúndios, onde 1% dos fazendeiros detém 36% das terras. Estas terras dão a estes latifundiários poder econômico, político e judicial. A violência tem haver com esta realidade, mas também com a organização e resistência dos povos indígenas”, constata o deputado estadual Pedro Kemp.
Das 102 terras indígenas no estado, 69 estão sem nenhuma providência e das 17 que estão registradas (processo administrativo concluído), a maioria está em estudo de revisão de limites. Há outras em situações absurdas, como a terra Sucuri’y (município de Maracaju), que está registrada, mas os índios não têm acesso, habitando em apenas 64 dos 530 hectares.
Para o líder Kaiowá, Anastácio Peralta, o desrespeito dos direitos indígenas, não é apenas uma violência contra as comunidades, mas contra o próprio Estado. “Com a falta da terra não é só o índio que é assassinado, é a Constituição Federal que é morta, porque é assim que os políticos percebem que não conseguem aplicar as leis que eles mesmos criaram”, analisa Peralta.
Além da questão fundiária, Marcelo de Brito, assessor político do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza, ressalta que o fim da
violência contra os povos indígenas depende também do fim do racismo na sociedade envolvente. “Nossa luta e grande desafio como apoiadores da causa indígena é ensinar a sociedade a conviver com o outro, o diferente”, afirma Brito.
A situação dos povos indígenas no estado é agravada pela morosidade do governo em demarcar as terras, pela falta de agilidade da justiça em paralisar processos de reconhecimento das terras, pela impunidade dos mandantes e assassinos das lideranças indígenas, pela falta de políticas públicas eficazes, construídas com os índios, com ações articuladas e integradas, pelo alcoolismo, pela exploração do trabalho semi-escravo nas usinas, contribuindo com a desestruturação social das famílias, pelas drogas, pela desestruturação da economia indígena e capacidade de produzir alimentos.
As lutas e esperança indígena
A revelação de um quadro tão grave e chocante, também nos remete a um outro aspecto animador que é a capacidade e disposição de luta e resistência desses povos, alimentada na sabedoria secular e no espírito de seus guerreiros e heróis que deram a vida pelo seu povo. É o caso de Marçal de Souza Tupã-i, uma das lideranças populares mais expressivas da história recente do Brasil, assassinado na luta pela terra e cuja biografia foi lançada pela editora Expressão Popular.
A filha de Marçal, Edna de Souza, lembra a memória de seu pai questionando-se “será que, assim como meu pai, morrerei sem ver a volta do meu povo a sua terra?”. A resposta para a pergunta de Edna, ela mesmo responde “acredito que sim, o importante é olharmos para o passado para inspirar nossa luta e organização”.