05/07/2006

Carta Aberta ao FSC, Aracruz Celulose e Imaflora/Smartwood

 


A dureza do capital contra a vida


mas a Aracruz Celulose perdeu o selo FSC!


 


No dia 1º. de junho deste ano, aconteceu o Seminário “Os Direitos dos Povos Indígenas e o Avanço do Agronegócio: questões e desafios” na cidade de Vitória, Espírito Santo, Brasil. O Seminário convocou as comunidades indígenas Tupinikim e Guarani e outras impactadas pelo avanço das grandes monoculturas no campo, além da sociedade civil, para uma reflexão profunda sobre o tema. Contamos com palestrantes e debatedores de diversas partes do país e do Espírito Santo.


 


A primeira Mesa de debate, que discutiu a demarcação das terras Tupinikim e Guarani no Espírito Santo, destacou que as comunidades indígenas aguardam uma decisão definitiva sobre o conflito da terra com a empresa Aracruz Celulose há quase 40 anos. Esta empresa mantém a  invasão de 11.009 hectares de terras da União, terras que se destinam à posse exclusiva e permanente dos povos indígenas, conforme determina a legislação brasileira. Mas ‘a dureza do capital contra a vida’, conforme disse o palestrante Dom Tomás Balduíno, faz com que este conflito permaneça.


 


O governo brasileiro, que sempre atuou como associado ao capital da Aracruz Celulose, tem agora a chance para encerrar o conflito e pagar a dívida social com os povos indígenas do Espírito Santo. O governo federal tem até setembro de 2006 para emitir a portaria de delimitação das terras, obedecendo assim a Constituição Brasileira e a Convenção 169 da OIT. O representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o procurador  Fernando Luis Villares e Silva, reafirmou a disposição do governo federal em demarcar as terras Tupinikim/Guarani.


 


A Carta de Vitória, apresentada ao final do encontro, reivindica que  “a FUNAI emita um parecer bem fundamentado sobre as contestações oferecidas pela Aracruz Celulose e num prazo de até 30 dias’ e que ‘o Ministro da Justiça assine a Portaria de Delimitação no prazo estabelecido de 30 dias, sem solicitar novos estudos’.


 


A segunda Mesa do Seminário, formada por representantes de índios, quilombolas, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), do Movimento Sem Terra (MST) e outros, debateu a total inadequação do modelo de desenvolvimento baseado nas grandes monoculturas no campo brasileiro como o eucalipto, pinus, soja, pastagens e cana-de-açucar. A reforma deste modelo é urgente, e o  financiamento de atividades produtivas no Brasil devem seguir outros parâmetros, com prioridade para a defesa da vida, da diversidade agrícola e o  resgate e valorização das comunidades atualmente impactadas pelas grandes monoculturas, além da valorização de aspectos de gênero, por exemplo, pois as mulheres sofrem ainda mais os seus impactos.


 


A empresa Aracruz Celulose foi convidada a participar do Seminário,  mas preferiu fugir deste debate público. Em carta, ela comunicou aos organizadores que ‘decidiu resguardar seu direito(…)no âmbito do judiciário, o que a impede de se expor em debate público’. Uma cadeira ficou vazia durante todo o debate, retratando explicitamente a arrogância e covardia da empresa. Além disso, foi denunciado mais uma vez o objetivo da Aracruz Celulose de, ao acionar a justiça contra uma decisão do governo favorável aos direitos indígenas, tentar desqualificar o procedimento administrativo de demarcação das terras em curso, sendo um frontal desrespeito à Constituição Brasileira e à Convenção 169 da OIT.


 


Ao negar-se ao debate público, a Aracruz não assume a postura de uma empresa certificada. E, de fato, nos foi informado durante o  Seminário que a Aracruz Celulose não é mais uma empresa certificada pelo FSC (Forest Stewardship Council – Conselho de Manejo Florestal), hoje o selo com mais respeitabilidade na área de certificação de unidades de manejo ‘florestal’, inclusive monoculturas de eucalipto. É importante esclarecer que a Aracruz tinha ‘comprado’ este selo quando ela, em 2003, adquiriu em torno de 40.000 mil hectares de terras da empresa Riocell no Rio Grande do Sul, empresa que já tinha conseguido certificar seus plantios pelo FSC em 2001.


 


A Aracruz tentou conseguir o selo FSC em 1999 para suas plantações de eucalipto na Bahia. Mas uma forte  mobilização de entidades, comunidades, movimentos e cidadãos naquele momento impediu-a de conseguir o selo. Esta e outras articulações, na época, deram início a Rede Alerta contra o Deserto Verde. 


 


Para compensar essa perda, a empresa começou a investir no selo CERFLOR (Programa Brasileiro de Certificação Florestal), um selo empresarial/governamental que não merece credibilidade, pois seus princípios e critérios de certificação não são públicos pois são comprados na Internet, e seus procedimentos não contam com a participação significativa da sociedade civil.


 


Ao comprar a Riocell, a Aracruz Celulose conseguiu o que tanto queria: o selo FSC. Porém, as constantes denúncias das violações dos direitos indígenas, quilombolas e de camponeses, de crimes ambientais, aliada à visita, em maio deste ano, de dois representantes Tupinikim e Guarani ao Secretariado Internacional do FSC, levou o FSC, finalmente, a comprometer-se com a investigação do caso.


 


O resultado positivo do compromisso assumido pelo FSC foi, de fato, a perda do selo pela Aracruz Celulose, apesar da empresa divulgar que foi ela mesma quem ‘solicitou o cancelamento da certificação FSC’.


Pena que o FSC e a certificadora Imaflora/Smartwood pactuaram uma saída honrosa para a empresa, sem nenhuma punição pelo fato de, durante três anos, a mesma ter conseguido manter,  numa determinada região de sua atuação, um selo que exige respeito aos direitos dos povos indígenas e a suas terras, enquanto em outra região ela desrespeitava esses mesmos direitos.


 


Finalizamos reafirmando nossas denúncias e exigindo uma explicação sobre estes fatos, por parte dos envolvidos:


 


1.         FSC – Por quê o FSC permitiu que a Aracruz desde 2003 mantivesse o selo FSC enquanto estava ocupando terras indígenas? Por quê o FSC não agiu depois que os índios auto-demarcaram suas terras em maio de 2005, e depois que foram violentamente expulsos de duas aldeias em janeiro de 2006, tendo a casa de hóspedes da empresa se transformado no quartel-general da Polícia Federal e como delegacia de polícia onde dois índios foram mantidos presos durante horas? O FSC acha que uma empresa dessa mereceu um dia ter este selo?


 


2.         Aracruz Celulose – Se a empresa garante que nunca houveram índios nas suas terras, se afirma com tanta convicção que comprou legalmente suas terras no Espírito Santo, inclusive aquelas que são indígenas, por quê resolveu abrir mão do selo FSC?


 


3.            Imaflora/Smartwood – Por quê a Imaflora/Smartwood não pesquisou a empresa Aracruz Celulose quando ela comprou a empresa Riocell? Por quê permitiu durante cerca de dois anos que a Aracruz Celulose ficasse com o selo enquanto estava ocupando terra indígena no Espírito Santo, com muitas informações públicas sobre o caso disponíveis na Internet?


 


Aguardamos as devidas explicações públicas das partes envolvidas. Esperamos que o FSC futuramente não mais permita a certificação de empresas que violem direitos humanos e/ou prejudiquem as comunidades locais, seja elas indígenas, quilombolas, pescadoras ou camponesas. Chegou a hora para o FSC, de fato, promover um bom manejo florestal’, que seja diversificado e que garanta benefícios para todos. O FSC dispõe, neste momento, de uma excelente oportunidade com o processo internacional em curso de revisão da organização da prática de  certificação de plantações de árvores.


 


REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE – BRASIL


4 DE JULHO DE 2006

Fonte: Fase
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