Carta às comunidades
“Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra os seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel…” (Ex 3, 7-8).
Dos quatro cantos deste chão missioneiro, convocados pelo Deus Pai e Mãe, reunimo-nos no 11º encontro de Comunidades Eclesiais de Base. Éramos cerca de mil pessoas, vindas de 16 dioceses do Rio Grande do Sul. Juntamente com representantes do povo Charrua, Guarani e Kaingang – nossos irmãos de fé – procuramos desvelar as raízes da nossa espiritualidade. Sob a inspiração do Deus de Abraão, Sara e Moisés, dos profetas e profetizas, de Jesus Cristo e de todos nós, procuramos beber das experiências de espiritualidade das comunidades indígenas e afro-descendentes.
O encontro foi profundamente marcado pela vivência alegre e amorosa. Fomos acolhidos com muito carinho e fraternura pelas comunidades e famílias do Vicariato de Canoas, Arquidiocese de Porto Alegre, que nos hospedaram e fortaleceram a certeza de que é possível vivermos como irmãos e irmãs. A importância da vida em comunidade foi ressaltada pelo Arcebispo Dom Dadeus Grings, que marcou presença assídua nos vários momentos do evento.
Junto ao Santuário São Cristóvão, entre cantos e danças, na noite de 01 de junho de 2006, reacendemos nossa esperança de um mundo mais justo e solidário. O escritor e romancista Alcy Cheuiche resgatou a memória de Sepé Tiaraju, que ressuscita de novo nas lutas do povo. A celebração de abertura foi marcada pela fogueira dos povos indígenas, na qual todos acendemos nossas velas; pela colcha de retalhos, símbolo de uma Igreja Rede de Comunidades e pelo pão partilhado como sinal e desejo de comunhão. Assim abrimos o encontro, que se prolongou até o dia 04 de junho, num clima de muita reflexão e celebração, sempre ligando fé e vida, respeito e compromisso, numa expressão genuína do jeito de ser das CEBs.
A exemplo de Sepé Tiaraju, martirizado há 250 anos na luta em defesa da terra e da vida de seu povo, manifestamos nossas angústias e sofrimentos. Distribuídos em cinco plenárias, na manhã do segundo dia, partilhamos gritos de dor e de alerta. Ouvimos atentos os gritos dos índios e negros, dos desempregados e catadores, dos trabalhadores do campo e da cidade, dos jovens e mulheres, das pessoas com deficiências e outros. Também foram expressos diversos gritos que se levantam da “mãe natureza”, traduzidos no desmatamento e na expansão do deserto verde, na poluição e destruição da biodiversidade, na privatização e mercantilização da água e de outros bens do patrimônio doado por Deus para toda a humanidade.
À tarde, biblistas do CEBI iluminaram, com a Palavra de Deus, a sofrida realidade retratada pelos gritos e nos chamaram a atenção para os compromissos decorrentes da fé no Deus que quer vida em abundância para todos (Jô 10,10). Nessa reflexão percebemos uma vez mais que a Terra Sem Males só será possível através de uma espiritualidade que emana da fé e da vida; espiritualidade da inclusão libertadora e respeitadora da diversidade cultural e religiosa de todos os povos.
No terceiro dia, afirmamos o compromisso de construirmos o projeto de uma nova sociedade, a “Terra Sem Males”, o “Paraíso Terrestre”, superando a lógica do projeto capitalista e depredador. Comprometemo-nos também com a construção de uma nova Igreja: comunidade profética, de fé, serviço e celebração. Nesse sentido, o primeiro passo foi assumirmos a defesa das causas indígenas, expressa na moção de apoio. Os participantes das CEBs de cada diocese assumiram dois compromissos, os quais foram proclamados na Romaria das Comunidades – uma nova experiência de Pentecostes fortalecedora da fé e da caminhada.
Canoas, Festa de Pentecostes, 2006.