Palavra do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Sobre a situação conflitiva em São Paulo e noutros Estados brasileiros
“O ímpio sente dores de iniqüidade, concebe o mal e dá à luz mentira… mas Deus é justo juiz, Deus que sente indignação todos os dias” (Sl 7.14 e 11).
O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC – novamente pronuncia-se sobre a violência, aspirando por «Solidariedade e Paz» (Campanha da Fraternidade Ecumênica – 2005). Após ter-se empenhado na Campanha pelo Desarmamento, o CONIC mantém firme compromisso com «a promoção da dignidade, dos direitos e deveres da pessoa humana…em busca e a serviço do amor, da justiça e da paz» (Estatutos do CONIC, Art.3°, ítem IV).
A sociedade brasileira, atônita, acompanhou os atos de violência ocorridos do dia 13 maio de 2006 em diante, em São Paulo e noutros estados brasileiros: mais de uma centena de mortos – presidiários, policiais e civis – rebeliões e destruição nas cadeias e penitenciárias, incêndios de coletivos e ataques a instituições públicas e residências civis.
Muitos são os componentes desta situação explosiva. Na base, o “tráfico de drogas”, seu sujo e mortífero lucro, que arregimenta e devora pessoas, destruindo vidas, famílias, instituições e a dignidade humana. Trata-se de “poder paralelo”, « crime organizado », com um pé dentro e outro fora dos presídios, enraizado nas diversas classes sociais, trazendo consigo outros crimes : tráfico de armas, contrabando, lavagem de dinheiro. Aliam-se a esse poder policiais e efetivos do Judiciário que, distanciados da justiça justa, do direito e da lei, reproduzem a injustiça por amor ao dinheiro e seu poder sedutor.
Recursos estatais destinados à segurança cada vez mais restritos inviabilizam os processos de re-educação das pessoas que cometeram crimes, submetendo-as à desumanidade da superlotação dos presídios, da má alimentação e tratamento inadequados, da falta de oportunidades para o trabalho e socialização.
Vítimas de tudo isso são todas as pessoas que vivem sob o medo, o sofrimento e a morte. Entre os pobres é maior a dor e mais pesada a perda. Esses, quase sem perspectivas de vida digna e acesso aos bens sociais (Relatório Dignidade e Paz – 2005, CONIC), são atraídos ao crime pelo “dinheiro fácil” oferecido, cujo fim é a morte prematura. Os aprisionados, maioria filhos e filhas dessa classe, os mais pobres dentre os pobres, são os que mais morrem. Os líderes dos crimes, financeiramente bem aquinhoados, pouco são vistos nas prisões, conseguindo, por descaminhos da Justiça e do Direito, impunidade, alívio de penas e fugas.
O poder do crime organiza-se sobre a incompetência dum Estado não gerador do bem-estar social; direito à terra, trabalho, salário e alimentação dignos, educação, moradia, saúde e lazer. Estado pouco afeito a amenizar as desigualdades sociais – veja-se a vexatória distribuição de renda existente no Brasil – compromissado em pagar dívidas externas, quase eternas, à custa do sofrimento de sua população. Estado que, responsável pelo processo de educação e re-educação, produz justiça cara, ineficiente, corrompida em alguns momentos, complacente com os ricos e desprezadora dos pobres. Onde estão as condições de trabalho e as condições humanas de tratamento para os re-educandos? É intenso o “sentimento de impunidade” que transparece nos processos, principalmente aqueles que envolvem pessoas de grande poder político e econômico.
Nesse ambiente ”o ímpio concebe e dá à luz o mal”. Parte da sociedade clama por penas mais duras, maior violência policial, mais presídios, mas silencia-se sobre as impiedades sócio-econômicas e a perversa distribuição dos bens e oportunidades que perpetua.
O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, CONIC, à vista desta “espiral de violência” alerta as autoridades Legislativas, Executivas e Judiciárias brasileiras para o grave problema da injustiça presente no país. Segurança se faz com justiça. A violência vista nesses dias está relacionada com a injustiça, a impunidade e a corrupção. Urge combater firmemente as desigualdades e a corrupção, e oportunidades de vida digna, sadia, pacífica e produtiva se abrirão para o nosso povo. Com ações de justiça alcançamos a consciência de que “o crime não compensa”. Sem justiça, não há paz social.
É urgente a reorientação das prioridades do Estado brasileiro para a reforma agrária, educação, profissionalização, saúde, moradia, e segurança publica com repressão firme e competente dos crimes, legal e educativa punição dos culpados pelos atos de violência.
O CONIC conclama toda a população: a envidar esforços e meios de pressão sobre os poderes do Estado, para que estes realizem completa e correta revisão das leis e trâmites judiciais, provendo justiça ágil, incorrupta, acessível e igual para todos; a fazer-se presente nos centros de detenção, humanizando os ambientes, como o fazem os agentes de Pastoral Carcerária, reivindicando processos re-educativos conseqüentes e eficazes, coibindo a violência policial e entre os detentos ; a “juntar forças com pessoas, religiões e instituições do bem para a construção de uma sociedade nova, fundada em justiça, liberdade, verdade e amor.” (Carta dos presos de Minas Gerais e Espírito Santo ao XI Intereclesial das CEBs).
Insta com os poderes estatais, principalmente o policial, a « não pagar mal com mal » os seus mortos em atitudes de vingança planejada. Que as leis sejam cumpridas, principalmente pelos responsáveis por suas aplicações. Que condições de dignidade humana – trabalho, educação, higiene, alimentação, espaço de convivência e privacidade – sejam os moldes dos ambientes prisionais. Tortura e sofrimento não educam para a paz. Penas alternativas e serviços comunitários efetivamente aplicados são caminhos mais seguros de re-educação para a vida cidadã.
Solidarizamo-nos com todas as famílias que perderam seus parentes, civis, presidiários, policiais. Choramos solidários a dor da morte, do medo e da insegurança. A dor é social e dela queremos todos nos livrar, com a graça de Deus, “o justo juiz, que sente conosco indignação todos os dias”.
Não concordamos com qualquer crime ou injustiça. Culpas devem ser sanadas. Nossa oração maior suplica: “perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. O amor e a justiça são saneadores das ofensas. “É em paz que se semeia a justiça, para os que promovem a paz” (Tiago 3.18).
A sociedade de paz é o nosso sonho, mensagem e compromisso. Esforçamo-nos para propiciar que em todo lugar “encontrem-se a misericórdia e a verdade, justiça e paz se beijem, da terra brote a verdade, e dos céus a justiça baixe o seu olhar” (Salmo 85.10-11).
Brasília, 17 de maio de 2006.
Bispo Adriel de Souza Maia
Presidente do CONIC
Pr. Western Clay Peixoto
Secretário Executivo