24/03/2006

Povo Tapirapé está de luto

 


No dia 18 de março faleceu Marcos Xako’iapari, um grande líder do povo Tapirapé. Pessoas de todas as aldeias vieram em grande número para entoar o choro ritual e dançar conforme o rito funerário do povo Tapirapé. Certa vez, ele havia dito que quando chegasse a sua hora, queria morrer ouvindo o canto fúnebre. E assim aconteceu. Mais uma vez, Marcos reuniu o seu povo com a força espiritual do canto e da dança de seus ritos.


 


De Majtyri, Santa Terezinha, veio o sr. Awarao, especialista nos cantos para os mortos. Impressionou a força do canto e da dança, a presença de muitos jovens, homens e mulheres, de todas as aldeias. Por quatro dias e quatro noites, ouviram-se os lamentos de tristeza do povo que se despedia desse grande chefe. Tinha chegado a hora da partida. Ele a tinha preparado e seu povo veio para cantar e dançar e ajudar o seu espírito a encontrar o caminho da nova morada.


 


Afetado por um derrame desde janeiro de 2005, ele não podia mais andar e ficou com a saúde abalada. Ultimamente já não conseguia mais se alimentar e veio a falecer na aldeia Tapi’itãwa, Área Indígena Urubu Branco, na terra de seus antepassados, que os Tapirapé conseguiram retomar em 1993.


 


Marcos Xako’iapari contava aproximadamente 85 anos de idade. Ele havia recebido as Irmãzinhas de Jesus em 1952 na aldeia da Barra do Rio Tapirapé e se tornou um grande amigo da Irmãzinha Genoveva. Naquele tempo, ele tinha dois filhos pequenos com a segunda esposa, pois a primeira havia sido morta pelos Kaiapó. Marcos tinha visto seu povo fugir, se espalhar, começar a desaparecer após o ataque Kaiapó de 1947 e em decorrência de numerosas doenças antes desconhecidas. Ele foi do grupo que se estabeleceu na Barra do Rio Tapirapé, perto do posto do então SPI (Serviço de Proteção ao Índio), na década de 50. Viu também seu povo renascer e lentamente aumentar em número até que um dia Marcos pode exclamar, ao ver várias crianças brincando nos terreiros: _ “Agora Tapirapé não vai morrer mais!”


 


Ele se preocupou em dar a seus filhos e aos Tapirapé os conhecimentos da língua e dos costumes, as regras do modo de ser Tapirapé. A nova situação exigia relações com os não-índios, cada vez mais numerosos e cada vez mais ocupando espaços que antes eram só dos índios. Ele soube agir com sabedoria e serenidade frente a essa realidade, mantendo-se fiel às suas tradições e, ao mesmo tempo, contribuindo para a garantia dos direitos de seu povo, sobretudo na questão da terra. Muitos não-índios da região são testemunhos de sua cordialidade e de seu sorriso acolhedor.


 


Ele viu a escola nascer em 1973, recebendo Luiz e Eunice que vieram para serem os professores. Escolheu um nome de sua família para o filho do casal, como se fosse para um seu neto, demonstrando assim a sua acolhida.


 


Conhecedor das regras cerimoniais, deu força e resistência ao povo através dos rituais: construção da Takãra (casa cerimonial), diversas festas e danças, transmissão dos mitos e da história do povo, as iniciações da juventude marcando o ritmo de crescimento de sua gente.  Ele era grande cantador e contador de histórias. Formou outros homens para levarem adiante os rituais e em 2002 foi com grande alegria que presenciou dois homens jovens assumirem uma das cerimônias mais importantes dos Tapirapé. Alegria grande! A vida continua com sua força cultural própria.


 


            Irmãzinha Genoveva fala assim a respeito de Marcos Xako’iapari:


 


“Ele sustentou o povo dele no momento em que os Tapirapé se sentiam mais fracos por causa de nossas doenças e da relação com a nossa sociedade que não os aceitava diferentes. Ele foi a força desse povo e por isso reconhecido por eles como seu grande cacique”.


 


Na hora de sua partida, o sentimento de perda nos leva a pensar que Marcos se vai e com ele desaparece muito do conhecimento e da cultura Tapirapé. Porém, é mais justo dizer que Marcos partiu, mas fica todo um povo com suas tradições, sua língua, sua cultura e muito consciente de sua dignidade e de sua identidade.  Certamente, ele, com seu exemplo de vida, ajudou a forjar esse povo.


 


 

Fonte: Cimi
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