06/03/2006

Mãe Terra e Nhanderu Marangatu

Celebrando o caminho da retomada e da resistência


 


“Jamais sairemos daqui” (dia de carnaval no acampamento Indígena Terena – Mãe Terra)


 


“Vamos fazer um encontro dos Nhanderu (rezadores) de 15 dias, para que eles tragam toda a energia dos deuses e dos espíritos dos nossos antepassados para darmos mais um passo nesse difícil caminho” (Acampamento Indígena Kaiowá Guarani – Nhanderu Marangatu)


 


Carnaval. Para muitos é dia de ressaca ou de continuidade da folia, para outros é dia de comemoração de luta. No acampamento indígena Mãe Terra é também dia de celebração pelos 90 dias de retomada de um pedaço de sua sagrada terra. É dia de lembrar o caminho feito até aqui, agradecer pelas vitórias conseguidas e pedir mais forças para prosseguir construindo mais união e atraindo mais aliados para a luta. O dia 28 de cada mês será lembrado com muito orgulho pelo povo Terena, pois significa um marco de uma nova história na reconquista da terra.


 


No acampamento Nhanderu Marangatu inicia-se mais um  longo dia de beira de estrada. “A gente fica com muita vontade de plantar pelos menos alguns pés de mandioca ou de milho. Mas não temos nenhum palmo de chão para plantar. Ficamos o dia todo tendo que ver a soja do fazendeiro e a terra que nos foi tomada e não podemos fazer nada. Até quando?” é a desafiadora pergunta de seu Hamilton. Acabam de receber a visita de parentes de outras áreas e de aliados que vieram trazer solidariedade e fazer a reunião da Comissão de Direitos Kaiowá Guarani; relembram os 70 dias que já estão na beira da estrada.


 


Fevereiro marcou de forma diferente os corações e as mentes dos integrantes desses dois acampamentos indígenas. No Mãe Terra vai se consolidando a união e novas adesões. Alem disso o que proprietário da fazenda Vitória reconhece a terra como indígena e declara que não fará nenhum obstáculo aos índios, mas que irá brigar com o governo. Bons ventos sopram nos corações dos acampados consolidando a certeza da vitória definitiva, da terra voltar a ser respeitada e amada por eles, podendo dela retirar seus alimentos indispensáveis para viver feliz. Já no acampamento Nhanderu, na fronteira com o Paraguai, as ameaças intimidadoras continuam: “se vocês não pararem da fazer movimento, vai morrer mais gente”, exclama de forma prepotente um dos pretensos proprietários das terras. Outro fazendeiro chega com seu caminhão e carrega uma das famílias acampadas para leva-la para a periferia de Ponta Porã, alegando que faz isso por caridade. Um certo clima de desânimo começa a se espalhar pelos rudes barracos. É que depois de 70 dias nessa situação desumana, a esperança de alguns começa a fraquejar. Não são suficientes as visitas de solidariedade de inúmeras delegações nacionais e internacionais. “Até quando?” É a pergunta que martela em suas cabeças. “Até quando teremos que ficar aqui comendo poeira, fazendo o tempo passar sem poder fazer nada? Queremos trabalhar, plantar, voltar à nossa terra. Quando será?” Essa inquietação se espalha pelos barracos. Mas outros ventos de resistência e paciência histórica também dão firmeza às centenas de Kaiowá Guarani que ali foram jogados, quando da expulsão de sua terra homologada pelo presidente Lula. “Os fazendeiros continuam plantando, derrubando árvores, pulverizando veneno, matando nossa terra. Enquanto isso nós estamos aqui confinados sem nada poder fazer. Será que isso é certo? Até quando vamos ter que agüentar isso?” Pergunta indignado seu Julio.


 


Um ônibus vem cedinho buscar as crianças para ir à escola no acampamento Mãe Terra, enquanto vão batalhando para conseguir sua escola indígena ali mesmo. Já no acampamento Nhanderu as aulas foram adiadas por falta de local para realizar as aulas para as 321 crianças indígenas em idade escolar. Está sendo construído um barracão onde funcionarão provisoriamente as aulas. “O dinheiro para construção da escola já foi liberado pelo governo, porém, ainda não foi disponibilizado para iniciar a construção das salas de aula”, diz a professora Léia em tom indignado. De qualquer forma o início das aulas está previsto para o dia 2 de março próximo.


 


É tempo de celebrar o caminho, daqueles que tombaram sob a violência e prepotência da injustiça, dos que forjaram uma nova consciência de seus direitos e por eles ainda lutam, dos que acreditam na construção de uma nova sociedade onde todos tenham lugar, sejam respeitados e possam viver com dignidade, especialmente os povos primeiros desta terra, que são os indígenas.


 


No Mato Grosso do Sul os povos Kaiowá Guarani e os Terena continuam a sofrer com um dos piores índices de distribuição da terra do país, ou seja, menos de um hectare por pessoa. E essa violência institucionalizada contra esses povos parece estar longe de uma solução. Basta lembrar as recentes declarações do presidente da Funai dizendo que os índios têm terra demais. No recente documento da Comissão de Direitos Kaiowá Guarani eles perguntam ao presidente: “Será que entende ser terra demais para sermos enterrados”?


 


Aquidauana, 1 de março de 2006.


 


Egon Heck e Lúcia Rangel


 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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