23/02/2006

Memorial presta homenagem a indígena morto pela polícia

Pela primeira vez na história de Roraima, os povos indígenas foram até a Praça Central de Boa Vista para serem homenageados. Na manhã desta quinta-feira, 23, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, ao atender a recomendação da Organização dos Estados Americanos – OEA, inaugurou o “Memorial Ovelário Tames”, com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a violência e a discriminação sofrida pelos índios da região.


 


Cerca de 200 pessoas, entre indígenas, líderes religiosos e representantes de movimentos sociais foram até a praça testemunhar o Estado Brasileiro reconhecer que foi omisso, passional e negligente diante do assassinato do jovem indígena de apenas de 17 anos, ocorrido em 1988.


 


Ovelário Tames, índio macuxi da aldeia Cachoeirinha, nem chegou a saber porque foi levado à delegacia do município de Normandia, no dia 23 de outubro de 1988, onde foi espancado e torturado, vindo a falecer por múltiplas fraturas e estrangulamento.


 


A mãe de Ovelário, Helena Tames, sequer sabia que o filho havia sido preso naquele dia. “Quando recebi a notícia fui até a delegacia e lá vi o meu filho todo ensangüentado, chutado e com o pescoço quebrado, quero dizer isso para que fique registrado o que aconteceu”, relata a mãe sobre os piores momentos da sua vida.


 


Seis policiais civis participaram da morte do índio macuxi, mas nenhum deles foi responsabilizado pelo crime. Durante seis anos, nenhum procedimento administrativo ou inquérito policial foi aberto para apurar o crime. O ex-policial Roger Afonso de Souza Cruz, apontado como o principal agressor é sobrinho do governador da época.


 


A Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA, entendeu que [no Caso Ovelário Tames], o Estado Brasileiro é o responsável pela violação do direito à vida, à liberdade, à segurança, à integridade física e o direito à Justiça, conforme a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da qual o Brasil é signatário.


 


Como medida reparadora, além da construção do Memorial, foi assinado Termo de Compromisso que estabelece indenização à família, instalação da Defensoria Pública da União em Roraima e apoio ao projeto “Balcão de Direitos”, que busca fortalecer a cidadania indígena, através da emissão de documentos civis. (ver abaixo íntegra do Termo de Compromisso).


 


O Secretário Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vannuchi, disse na solenidade que “Ovelário Tames foi mártir da causa indígena” e que a sua morte foi uma violenta agressão aos direitos humanos.


 


“Quando nascia a Constituição Cidadã e com ela o Estado de Roraima, morria Ovelário Tames. Infelizmente, ainda não morreu o Brasil do ódio, porque só o ódio justifica essa morte. Mas, esse Brasil do ódio está condenado a morrer e o Brasil da impunidade não pode viver”, disse Vannuchi.


 


O Secretário comparou a morte de Tames ao assassinato da Ir. Doroty Stang, ocorrido em Anapú no estado do Pará. Ele finalizou o seu discurso ao afirmar que a inauguração do Memorial e assinatura do Termo de Compromisso é “um ato simbólico que reconhece os erros desde a colonização”.


 


O vice-prefeito Iradilson Sampaio destacou que o “ato vai servir para que a sociedade de Boa Vista comece a pensar diferente sobre os indígenas”.


 


Conselho Indígena de Roraima


 


Íntegra do Termo de Compromisso


 


Acordo de Cumprimento de Recomendações


 


Caso 11.516, Brasil (Ovelário Tames)


 


Relatório No. 10/99


 


1. O Estado brasileiro, representado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), de um lado; e, de outro, os peticionários, representados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) e pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), e o Senhor Mário Tames, portador da cédula de identidade RG n.o 10.021.768-0 SSP/RR, inscrito no CPF/MF sob o n.o 660.992.262-49, [neste ato assistido pelo Procurador-Geral da Fundação Nacional do Índio (FUNAI)]; celebram o presente Acordo de Cumprimento de Recomendações, com vistas ao encerramento do caso nº 11.516, em tramitação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).


 


2. O caso nº 11.516 refere-se à morte de Ovelário Tames, jovem macuxi detido por policiais civis do Estado de Roraima no dia 23 de outubro de 1988 e encontrado morto no dia seguinte em uma cela da delegacia de polícia no Município de Normandia. Aos 24 de fevereiro de 1999, a CIDH publicou o relatório de mérito nº 10/99, por meio do qual responsabilizou o Estado brasileiro pela violação dos direitos à vida, à liberdade, à segurança e à integridade física (artigo 1), do direito à justiça (artigo 18), do direito à proteção contra detenção arbitrária (artigo 25) da Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem, bem como do direito à garantia e proteção judiciais (artigos 8 e 25) e da obrigação do Estado de garantir e respeitar os direitos (artigo 1.1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.


 


3. O presente Acordo de Cumprimento de Recomendações tem por finalidade estabelecer, em comum acordo e conforme as demandas da família da vítima, medidas concretas para garantir a reparação dos danos causados a Ovelário Tames, assim como prevenir eventuais novas violações, dando fim ao caso nº 11.516 após o cumprimento do disposto no presente Acordo.


 


Placa em Homenagem à Vítima


 


4. O Estado Brasileiro, por meio da Prefeitura de Boa Vista, na data de hoje, inaugura o espaço verde “Ovelário Tames” no Centro Cívico da cidade de Boa Vista, RR, e fixa uma placa, de tamanho visível, com uma referência à vida da vítima, com o seguinte texto:


 


“Em cumprimento às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, dedica-se este espaço a Ovelário Tames, indígena Macuxi, da Comunidade Indígena Cachoeirinha (Canaã), Raposa Serra do Sol. Com apenas 17 anos de idade, faleceu na delegacia de Normandia – RR, em razão das agressões praticadas por agentes policiais, em 1988. Tal fato barbarizou todo o povo indígena, que está em constante luta pelo reconhecimento de seus direitos. Que esta homenagem sirva para o combate à discriminação, à intolerância e à impunidade, e para a construção de uma relação de respeito aos povos indígenas”.


 


Defensoria Pública da União


 


5. O Estado Brasileiro firmou, por meio do Decreto Presidencial de 15 de dezembro de 2004, pela Presidência da República, o Supremo Tribunal Federal, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, Pacto de Estado por um Poder Judiciário mais Democrático e Republicano”, dentre o qual se inserem o compromisso e o estudo de metas para a implantação efetiva e universal da Defensoria Pública da União no Estado Brasileiro, de forma a atender a população necessitada. Por outro lado, visando a atender a liminar concedida na ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal contra a União Federal, objetivando a lotação de dois Defensores Públicos da União no Estado de Roraima (processo n. 20044200001137-2), foi nomeado o Defensor Público Afonso Carlos Roberto do Prado, que está à disposição da população hipossuficiente desde o mês de julho de 2005. O segundo Defensor Público será nomeado tão logo haja disponibilidade de pessoal.


 


Projeto “Balcão de Direitos”


 


6. O Estado brasileiro, com o intuito de apoiar o projeto “Balcão de Direitos” no Estado de Roraima, firmou convênio no valor de R$    90.000,00 (noventa mil reais) com o CIR, com três principais vertentes: capacitação de indígenas quanto aos direitos de cidadania dessa população; orientação jurídica; e facilitação para a obtenção de documentação civil básica. O projeto em referência foi elaborado e vem sendo implementado, desde 05 de outubro de 2005, pelo CIR em parceria com a SEDH e já se encontra na segunda fase de implantação. A previsão é que o Balcão de Direitos funcione até a data de 30 de outubro de 2006.


 


Indenização Pecuniária


 


7. O Estado brasileiro, com o intuito de indenizar os familiares da vítima pelas violações comprovadas, efetuou, em 22 de dezembro de 2005, o pagamento da importância de R$    90.000,00 (noventa mil reais), ao Sr. Mário Tames, pai de Ovelário Tames, mediante transferência bancária à conta corrente nº 21.768-9, da agência 2617-4 (Monte Caburai), do Banco do Brasil.


 


Reconhecimento Público da Responsabilidade Internacional do Estado


 


8. O Estado brasileiro reconhece sua responsabilidade internacional com relação ao caso nº 11.516 e celebra o presente Acordo de Cumprimento de Recomendações, em cerimônia pública, realizada na cidade de Boa Vista, RR, por ocasião da inauguração da placa em homenagem à vítima mencionada na cláusula 4 acima, com a presença de autoridades federais, estaduais e municipais, dos peticionários e de familiares de Ovelário Tames.


 


Mecanismo de Seguimento


 


9. O Estado brasileiro e os peticionários comprometem-se a encaminhar à CIDH, a partir da data de assinatura do presente Acordo, relatórios anuais sobre o cumprimento dos termos do Acordo.


 


10. As partes solicitam à CIDH a homologação do presente Acordo de Cumprimento de Recomendações e o arquivamento do caso, quando cumpridas todas as cláusulas deste Acordo.


 


Boa Vista, 23 de fevereiro de 2006.


 


PAULO DE TARSO VANNUCHI


Secretário Especial dos Direitos Humanos


 


BEATRIZ STELLA DE AZEVEDO AFFONSO


Diretora do CEJIL


 


MARINALDO JUSTINO TRAJANO


Coordenador-Geral do CIR


 


MARIO TAMES


Pai da Vítima


 


Testemunhas:


Iradilson Sampaoio


Vice-prefeito do Município de Boa Vista


 


LUIZ FERNANDO VILLARES E SILVA


Procurador-Geral da FUNAI


 


ELLA WIECKO WOLKMER DE CASTILHO


Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão


 


AFONSO CARLOS ROBERTO DO PRADO


Defensoria Pública da União


 


ALAN COÊLHO DE SÉLLOS


Ministério das Relações Exteriores


 

Fonte: CIR - Conselho Indígena de Roraima
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