20/02/2006

Dois meses intensos: apreensão, organização e vitória

Acampamento Terena – Mãe Terra


 


Os guerreiros se abraçam, cruzam-se os olhares, lágrimas de alegria e emoção escorrem lentas pelos rostos bronzeados. É a comemoração da vitória na justiça, suspendendo a reintegração de posse. Era tarde de véspera dos dois meses do retorno a parte do território tradicional, que os invasores passaram a chamar fazenda Vitória, no município de Miranda, no Pantanal sul mato-grossense. Vitória da resistência, vitória da liberdade, vitória da união e organização. “Terena unido jamais será vencido!”.


 


Amanhece o dia 28 de janeiro. No céu nuvens pesadas anunciam que a água virá em forma de benção da vitória e da esperança. Alegria contagiante. Celebrar e agradecer é preciso. Aos poucos o acampamento, com mais de duzentas famílias em seus barracos cuidadosamente erguidos com palha e fé, começa se agitar. É dia especial. Amigos do Cimi, aliados desde a primeira hora, virão trazer seu abraço alegre e solidário.


 


A chuva cai intensa. A terra absorve rapidamente a água. As árvores se inclinam e acenam ao ritmo do vento. As palhas dos ranchos fazem escorrer a água, mantendo secos os corações ardentes. É a homenagem da natureza.


 


Após o almoço guerreiros, mulheres, crianças, jovens, idosos pintados, com suas vestimentas de ritual, arcos e flexas, bordunas dirigem-se ao centro do acampamento da aldeia, que fica em frente ao símbolo da invasão e destruição, a sede da fazenda.


 


O ritual do bate pau e as falas emocionadas


 


Além da arte expressa nas pinturas os Terena acampados vão também se tornando exímios apresentadores de seus rituais tradicionais, como o bate pau. Depois da apresentação dos homens, também as mulheres fazem uma bonita apresentação de dança ritual. E a terra do terreiro Terena do acampamento aldeia vai se tornando compactado com o deslizar ritmado dos pés. Além de muito bonito, o ritual é carregado de emoção. No final, um gesto de gratidão a pessoas e entidades aliadas. Entrar na dança ritual e depois ser erguido pelos guerreiros com suas as varas do bate pau, é um gesto de profundo simbolismo e emoção que jamais se esquecerá. É tornar-se profundamente comprometido com essa luta, em que se constrói um novo momento na história do povo Terena: a recuperação da terra, da vida, da esperança, de um novo projeto de futuro.


 


As falas das lideranças expressam toda a alegria do momento de comemoração dos dois anos de retomada com a vitória de uma batalha, nesta longa e árdua guerra pela recuperação da mãe terra. E todos falam com muito orgulho e altivez. “Jamais vamos sair daqui, nunca mais confinados… Estamos aqui com orgulho, pois estamos brigando por nossos direitos, em cima de nossa terra… Estamos numa luta, não estamos num acampamento. Nossos guerreiros estão dispostos a derramar o sangue, se preciso for, por esta terra. Não estamos lutando por coisa pequena. Aqui no Mato Grosso do Sul, 36 mil hectares é muita luta”.


 


Seria possível desfilar um grande número de falas com cheiro de chão molhado, regado com suor, alegria, certeza e muita convicção da vitória. Chamo atenção para a crescente e importante participação das mulheres, que talvez tenha menos oratória, mas cada palavra por elas expressa cala fundo no caminhar do acampamento.


 


Vencendo o medo e celebrando  vitórias – “e o sonho tornou-se realidade”


 


Depois de dois meses, o acampamento Mãe Terra Terena já escreveu uma bonita página na história recente deste povo. Após o gesto corajoso inicial, de apenas 28 famílias, agora já estão no local em torno de duzentas famílias, com aproximadamente setecentas pessoas. Isso demonstra que a cada dia que passa, se está mais próximo da reconquista definitiva deste pedaço do território tradicional Terena. Houve momentos muito difíceis, com capangas dos fazendeiros ameaçando, dando tiros em direção do acampamento, até a liminar de despejo, que hora está afastado por nova decisão judicial. Não foram poucos os momentos de indecisão e medo, de dúvidas e incertezas. Mas aos poucos todos esses fantasmas estão sendo vencidos.


 


É bonito ver a criançada correndo e brincado com a liberdade e alegria expressa nos olhares. É contagiante perceber os barracos brotando como cogumelos por entre algumas árvores e um lindo horizonte. É gratificante sentir que uma nova vida e esperança brotam dos rostos e corações reanimados pelo cheiro novo da terra.


 


É momento de celebrar, agradecer ao Deus da vida e a todos os espíritos que animam a luta, o caminho já feito, os passos dados com firmeza e garra, o horizonte livre que desperta a cada amanhecer.


 


Campo Grande, janeiro de 2006.


 


Egon Heck e Izaura Vieira


 


Cimi – Regional Mato Grosso do Sul


 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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