20/02/2006

Sucuri’y: o símbolo do absurdo

“Porque para ter nosso direito à terra temos que morrer?”


(Liderança Kaiowá Guarani da TI. Sucuri’y)


 


Girando os olhos o que se vê é apenas soja começando amarelar. Uma cerca separa as pequenas plantações de mandioca dos Kaiowá Guarani, do mar de soja. Confinados há quase 10 anos, os quase 200 Kaiowá Guarani que ali vivem em seu tekoha, expressam sua crescente revolta diante do absurdo: aprisionados em sua própria terra de 535 hectares, dos quais as cercas dos fazendeiros apenas lhes permitem permanecer em 64,4 hectares. Não se trata de um dos quase 200 tekoha reivindicados pelos Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Sucuri’y é um dos exemplos mais absurdos de como são tratados os direitos constitucionais desse povo à sua terra. Essa terra indígena teve seu procedimento administrativo de regularização totalmente concluído em 2001, quando a terra, demarcada e homologada pelo presidente FHC, foi registrada no Departamento de Patrimônio da União e no livro de registro de imóveis no município de Maracajú.


 


Razões da revolta


 


“Eu soube que os fazendeiros, através de seus advogados,  estão querendo tirar o registro da nossa terra do livro aí em Maracaju”, diz indignada uma das lideranças presentes a mais uma das reuniões da comunidade. “Já estamos aqui fechados nesse pedacinho da nossa terra há quase dez anos. Estamos como num chiqueiro. Será que vamos ter que agüentar isso até quando?”, pergunta indignado outro Kaiowá Guarani. “Agora vão fazer nova perícia. Quantos estudos e provas vão ter que arrumar ainda para reconhecer essa terra que é nossa? Eu nasci na beira aí do rio, meus pais estão enterrados aí. Será que eu sou um fantasma?”, exclama outro revoltado. “Aqui não temos mais lugar nem pra fazer uma rocinha. Estamos em quarenta famílias aqui e tem muitas que são da nossa gente e não podem vir porque não tem lugar nem para plantar umas mandiocas, milho, amendoim,batata, banana, feijão ou arroz. E o fazendeiro continua todo ano enchendo quase quinhentos hectares da nossa terra com soja, jogando veneno em nós. Será que isso é certo? Até quando vamos ter que agüentar isso?”, pergunta com voz cansada e revolta contida, um dos líderes da comunidade.


 


Esperar agindo


 


“Estamos no início de mais um ano. Vamos ver se em 2006 nossa terra vai ficar liberta para nós. Não é possível que vamos ter que ficar aqui olhando nossa terra ser cada vez mais encharcada com venenos, nossas águas poluídas e nossas crianças sofrendo com os venenos e passando necessidade. Vamos ainda esperar um pouco os prazos que o procurador Charles falou que ainda tem para o processo ser julgado e nós podermos tomar conta da nossa terra. Mas a gente vai ficar acompanhando bem esses prazos da perícia e depois queremos logo que o juiz de Dourados dê a decisão sobre essa ação que estão deixando a gente confinado nesse cantinho da nossa terra”.  Essa espera ativa e vigilante é o resultado das discussões da comunidade Kaiowá Guarani de Sucuri’y, após mais um dia de estudo, debate e decisões sobre seus direitos.


 


Esperançosos estão começando mais um ano de luta pela sobrevivência e dignidade. Algumas pequenas melhoras já conseguiram. Acaba de estar sendo construído um posto de saúde, e a bomba de água para abastecer a caixa d’água já está funcionando porque a energia já chegou até aí, depois de muita briga. “Agora queremos também luz nas nossas casas”, exigem. O projeto para levar a energia elétrica através do programa Luz para Todos, já está aprovado. Só estão estranhando a demora para executar os serviços.


 


E assim vai iniciando mais um ano de luta e esperança nesse exemplo absurdo do que está se passando com as terras Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul.


 


Terra Indígena Sucuri’y, 19 de fevereiro de 2006.


 


Egon Heck


Cimi – Regional Mato Grosso do Sul


 

Fonte: Cimi – Regional Mato Grosso do Sul
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