02/02/2006

Sepé Tiaraju reivindica antes de tudo e sobretudo, a terra

Próximo às celebrações dos 250 anos da morte de Sepé Tiaraju e dos 1.500 guerreiros Guarani que resistiram em suas Missões contra os exércitos de Espanha e Portugal, Dom Pedro Casaldáliga, ex-bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, militante das causas populares, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário e autor da “Missa da Terra Sem Males” — inspirada na epopéia Guarani –, fala em entrevista exclusiva sobre o significado de Sepé para os movimentos sociais e a necessidade de pensar formas de luta continental contra o império.


 


O que significa Sepé Tiaraju para a luta dos movimentos sociais no Brasil?


Em primeiro lugar Sepé Tiaraju é um dos patriarcas, líder máximo da causa indígena do Brasil e de toda a Ameríndia. Segundo lugar, Sepé Tiaraju reivindica, antes de tudo e sobretudo, a terra… Mártir da terra indígena, mártir da terra do povo: “esta terra tem dono” e o dono desta terra é o povo. Uma terra partilhada e respeitada ecologicamente, inclusive. Em terceiro lugar, Sepé Tiaraju evocado o direito da terra como dom de Deus. Foi Deus quem nos a deu. Em quarto lugar, a luta de Sepé Tiaraju é uma luta contra o império. Contra os impérios de Portugal e Espanha, evidentemente contra todos os impérios. Causa e motivações sumamente e totalmente atuais: a continentalidade das causas. Essa integração verdadeira da Ameríndia, da Abya Yala, da Pátria Grande da Nossa América.


 


Então a luta de Sepé Tiaraju é a mesma dos movimentos sociais hoje?


A luta pela terra contra o latifúndio, contra o agronegócio exclusivista e predador, é a luta contra o neo-imperialismo, que hoje é neoliberalismo, que é império econômico, cultural, militar, social e político. Assim, o aniversário de um jubileu é de suma atualidade; que São Sepé Tiaraju ponha na testa de cada um de nós a sua estrela de consciência luminosa e em nossos corações o seu fogo a sua esperança a sua militância.



 


Paralela às celebrações de Sepé Tiaraju temos o encontro Continental Guarani, com representantes da Bolívia, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil, um momento histórico para este povo que encontra as mesmas dificuldades em países diferentes. O que podemos esperar deste encontro?


A união sempre fez a força. Além do mais, essa continentalidade que todos nós pregamos deve se fazer a partir das respectivas identidades, e o povo Guarani tem ao longo de muitos países do continente uma identidade específica. Identidade Guarani. Com esta mística da busca pela “Terra Sem Males”. Acredito que é hora dos vários povos Guarani, desta família imensa Guarani, do continente todo, se unirem. Sobretudo, para irem ao encontro dos irmãos Guarani que vivem mais ameaçados, mais prejudicados, mais condenados à morte, como acontece em nossas regiões do Mato Grosso do Sul. Hora da união Guarani. Hora de combatividade Guarani. Hora da solidariedade Guarani.


 


Logo depois de um ano com tanta violência contra os povos indígenas, o martírio de Sepé. O que podemos aprender com estas mortes e com o martírio?


Nós entendemos o martírio em seu aspecto mais positivo. As últimas consígnias da Romaria dos Mártires, que realizamos em nossa Prelazia, tem sido: vida pela vida; vida pelo reino; vidas pelo reino da vida. Por que são vidas doadas não são mortes simplesmente morridas ou matadas. São mortes vividas. São aqueles gestos extremos como o de Jesus: de doar a vida pela vida; pelas pessoas que amamos. Eu insisto também que esquecer o martírio é se entregar ao futuro. Somos herdeiros do sangue mártir. Herdeiros de testemunhos ricos que devemos fazer frutificar com nossa luta. Com nossa união. Com a nossa esperança.


 


Por Cristiano Navarro (Cimi)


 

Fonte: Cimi
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