26/01/2006

Informe nº 699: Reintegração de posse realizada com apoio da Aracruz Celulose deixa feridos

REINTEGRAÇÃO DE POSSE REALIZADA COM APOIO DA ARACRUZ CELULOSE DEIXA FERIDOS


 


Uma ação de reintegração de posse realizada por 120 policiais retirou 50 indígenas dos povos Guarani e Tupinikim de suas terras localizadas no município de Aracruz, no Espírito Santo, na sexta-feira, 20. O município leva o nome da empresa Aracruz Celulose, que solicitou judicialmente o despejo dos indígenas. A decisão que levou ao despejo foi dada pelo juiz federal Rogério Moreira Alves, da vara de Linhares, em 7 de dezembro de 2005. Após o despejo, no mesmo dia ela foi suspensa por uma liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, atendendo à petição do Ministério Público federal. Hoje, 26 de janeiro, a suspensão foi cassada pelo mesmo tribunal, restabelecendo a liminar de reintegração de posse em favor da empresa.


 


Os indígenas denunciaram também o fato de a Polícia Federal ter utilizado apoio da Aracruz na reintegracão de posse, através do fornecimento de hospedagem para os 130 agentes da Polícia Federal que participaram da operação. De acordo com o jornal Correio Braziliense, a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos  Deputados, Iriny Lopes (PT-ES), vai acionar o Ministério Público Federal. “Isso é ilegal. Ficou clara a relação promíscua entre a PF e a Aracruz”, disse Lopes ao Correio.


 


Dois indígenas teriam também sido interrogados em uma casa pertencente à empresa. “Tivemos ainda a Polícia Civil de Aracruz se negando a fazer exames de lesões corporais em alguns indígenas”, afirmaram em nota lançada esta semana.


 


Os indígenas aguardavam o final de fevereiro de 2006 para a publicação da portaria do Ministério da Justiça que declara os limites da terra. “O que deixa a todos perplexos é que havia uma longa negociação em pauta, envolvendo todos os atores do conflito, Estado, empresa, índios e sociedade civil”.


 


As disputas entre Aracruz e indígenas se arrastam há quatro décadas. A terra dos Tupinikim e Guarani foi identificada com 18.000 hectares, mas foi demarcada com apenas 7.061 hectares. Em 1998, eles realizaram a auto-demarcação de suas terras. No entanto, após oito dias, a Polícia Federal impediu a mobilização. De acordo com os indígenas, em carta enviada ao Ministro da Justiça, naquele momento a polícia fechou o acesso às aldeias e trouxe lideranças para Brasília “onde, sem o direito a assessoria e isolados das nossas comunidades, fomos obrigados a assinar um acordo com a empresa Aracruz Celulose, sob a ameaça de perder todas as terras, se não aceitássemos esta proposta”.


 


POVOS INDÍGENAS DEBATEM PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS


 


Indígenas do Brasil, Bolívia, Venezuela, Equador, Chile, México, Colômbia e Peru estiveram reunidos na manhã desta quinta-feira, 26, no VI Fórum Social Mundial (FSM) que acontece em Caracas, na Venezuela. As discussões passaram pela exploração dos recursos naturais em terras indígenas e pela relação dos Estados nacionais com os povos, que inclui o reconhecimento dos direitos desses povos a terra, a políticas públicas voltadas a eles e a participação indígena nos governos.


 


O tema da participação política ganha força depois da chegada de Evo Morales, do povo Aymara, à Presidência da Bolívia, mas este debate já está presente há anos nas pautas dos movimentos indígenas latino-americanos, especialmente em países como o Equador, onde o ex-presidente Lucio Gutiérrez foi eleito com apoio massivo dos indígenas e depois foi retirado do cargo também pela articulação de indígenas e de outras forças populares, que se sentiram traídas pela manutenção de políticas sociais e econômicas neoliberais. “Ainda que hoje existam governos progressistas, as estruturas e modelos de Estado são coloniais, ignoram a presença da diversidade de povos. Até agora, os Estados não fizeram um esforço real para conhecer os povos e menos ainda para implementar políticas públicas contra a exclusão política e econômica que ainda existe”, avalia Umberto Cholando, da Ecuarunari, organização indígena equatoriana.


 


Novas perspectivas para mudar este quadro se abrem com o governo de Evo Morales na Bolívia, onde o projeto político que sustenta o governo foi feito com a participação dos indígenas e dos movimentos populares, que criaram o partido do qual Morales faz parte, o Movimiento al Socialismo (MAS), como um braço político dos movimentos. “Conseguimos que a política deixe de ser privada, deixe de ser assunto apenas dos partidos políticos, e a levamos para as ruas e para os caminhos. A política não é só a arte de governar, mas a forma de convivência das pessoas”, afirmou Oscar Oliveira, do MAS.


 


Na Venezuela, a discussão passa pelo desafio de manter a independência do movimento indígena quando este ocupa espaços que se abrem dentro do governo de Hugo Chávez, mas que nem sempre conseguem atender às formas de representação próprias dos povos indígenas. No Chile, o povo Mapuche vê como positiva a presença indígena em algumas prefeituras, mas avalia que esta participação não foi suficiente para evitar que o Estado chileno incluísse as terras indígenas entre os territórios que foram entregues para exploração de empresas estrangeiras no forte processo de privatizações vivido por este país desde os anos 1990.


 


Recursos Naturais


 


Marinaldo Trajano, do povo Makuxi, coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), ressaltou que as terras indígenas são especialmente visadas para exploração econômica porque concentram grande parte dos recursos naturais preservados, além dos conhecimentos que os povos guardam sobre plantas e animais. “Sem consultar os povos, os governos falam de patenteamento dos saberes indígenas, de privatização em terras indígenas. Precisamos estar unidos e construir uma agenda internacional que se coloque contra isso”, afirmou.


 


A experiência apresentada pelos indígenas do povo Mapuche que vivem no Chile é exemplo de como os interesses privados – sobretudo dos grandes grupos econômicos internacionais – têm tomado espaço nas terras indígenas. Segundo Vladimir Mapuche, a produção de eucaliptos ocupa 11.500 hectares de terras de seu povo no Chile. O presidente Ricardo Lagos, que deixou o governo do país há menos de um mês, permitiu também o aumento de exploração madeireira em terras indígenas. A presença de centrais hidrelétricas é outro dos desafios encontrados pelos indígenas chilenos. “Mais da metade das centrais hidrelétricas do Chile estão concentradas em terras indígenas no sul do país. Não respeitam as leis ambientalistas e indígenas”, afirma o Mapuche.


 


No Equador, um dos problemas mais graves é a exploração de petróleo sem autorização das comunidades. “Não nos consultaram e não queremos as petroleiras. Elas vão obrigar o povo a sair de suas terras, trazem doenças, contaminam os rios e o habitat principal de um povo vai acabar. Isso condena este povo ao fim”, afirmou Humberto Cholango. Já os indígenas do povo Pemon, da Venezuela, afirmaram que a exploração de carvão em suas terras cresce de oito mil para 32 mil toneladas nos últimos anos, e que este é um dos problemas entre a administração do presidente Hugo Chávez e os 32 povos que vivem neste país.


 


O Fórum Social Mundial ocorre desde terça-feira e segue até o dia 30 de janeiro em Caracas. Em sua sexta edição, o encontro é realizado também na África e na Ásia.


 


Brasília, 26 de janeiro de 2006.


 


Cimi – Conselho Indigenista Missionário


 

Fonte: Cimi - Assessoria de Imprensa
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