Nhanderu Marangatu: vitrine das terras indígenas no Mato Grosso do Sul
Incômoda, sem dúvida. Indesejável, para muitos. Abominável para outros. Essa talvez seja a realidade que espelham as dezenas de precários barracos na beira da MS-384, que abrigam algumas centenas de crianças, jovens, adultos e velhos Guarani Kaiowá, desde o dia 15 de dezembro, quando foram despejados, com aparato de guerra. Por esta razão já foram feitas inúmeras propostas para remover, esconder, acabar com essa vitrine reveladora de uma das situações mais dramáticas de negação de terras indígenas no país.
Por ali transitam diariamente centenas de carros donde partem curiosos olhares sobre aquele amontoado de improvisadas lonas pretas e gente. Por ali passam diariamente centenas e talvez milhares de bois rumo aos abatedouros ou outras fazendas. Por ali fluem grandes caminhões ostentando progresso da fronteira sul mato-grossense, expondo a cruel contradição entre a acumulação da riqueza em poucas mãos e a miséria da maioria.
A vitrine certamente será cuidadosamente evitada pelo juiz Roberto Bolini, que concedeu a liminar do despejo dos Kaiowá Guarani.
Ela estará, com certeza, longe do roteiro de viagens dos desembargadores do Tribunal Regional Federal, que mantiveram a decisão da reintegração de posse em favor dos fazendeiros.
O então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, com certeza fugirá de qualquer possibilidade de aproximação da estrada onde está o acampamento indígena de Nhanderu Marangatu.
Para muitos é a vitrine de uma vergonha nacional. É o local que lembra a assinatura de homologação da terra indígena pelo presidente da República e a sua anulação por decisão de um juiz do STF.
É mais um dentre as dezenas de acampamentos indígenas e não indígenas prensados entre a soja e o asfalto ou entre as cercas e as estradas no Mato Grosso do Sul.
Mas ela é também o símbolo da luta heróica de um povo pelos seus direitos, pelo seu tekohá, pelo seu pedaço de chão para viver. Ali pelo menos cinco indígenas foram assassinados na luta pela terra. Ali tombaram Marçal de Souza e há poucas semanas, Dorvalino da Rocha. Ali está uma escola de guerreiros e lutadores do direito, com alunos e professores profundamente comprometidos na luta presente e futura.
Ela é a ferida exposta de uma negação sistemática da terra aos Kaiowá Guarani, visibilizada no site da organização do agronegócio e dos fazendeiros, onde consta uma listagem em que estão já previstas colunas para entrada na terra (que eles chamam de invasão, os sem terra falam de ocupação e para os índios é retomada de suas terras tradicionais) e data da expulsão. Ela é reveladora das centenas de ações tramitando na justiça que visam impedir aos índios o direito a seu pedaço de chão. Ela é indicadora de um processo que alguns analistas tem caracterizado como “situação de etnocídio”.
Para terça-feira, dia 17 de janeiro, está anunciado o despejo dos índios Terena de Cachoeirinha, do Acampamento Mãe Terra. Até quando? Em fevereiro invocaremos São Sepé Tiaraju e seus mártires guerreiros para voltar ao chão sagrado e converter a vitrine em memorial da resistência, da esperança e do futuro.
Campo Grande (MS), 15 de janeiro de 2005.
Egon Heck – Cimi Mato Grosso do Sul