Os Jesuítas no Brasil
Em meados do século XVI, quando o nome Brasil começou a prevalecer sobre o de Terra de Santa Cruz, o cronista João de Barros considerou essa “mudança inspirada pelo demônio, pois a vil madeira que tinge o pano de vermelho não vale o sangue vertido para a nossa salvação”. A familiaridade, da época, com demônios e santos permitiu projetar o bem e o mal na direção certa. Para expulsar demônios e trazer santos padroeiros, enfim, para salvar almas, os jesuítas vieram de Portugal ao Brasil.
Os inacianos não foram os primeiros missionários na Terra de Santa Cruz. Os franciscanos já vieram antes e trouxeram a experiência missionária de 250 anos da Europa e Ásia; para os jesuítas, que chegaram ao Brasil, não só o país, também a missão como tal era terra incógnita. Mas, que a cultura dos índios era demoníaca, Nóbrega e Anchieta já sabiam pelos seus manuais teológicos, antes de chegar ao Brasil. Pelo sim e pelo não, deixaram sinais indeléveis de sua presença no continente e no país.
1. Três épocas, três prioridades
Podem-se distinguir três épocas da Companhia de Jesus, respectivamente marcadas pelo viés da missão (1549-1759/1760), da educação (1841/42) e da libertação (a partir de 1965). Todas repercutiram sobre seu projeto de evangelização no Brasil.
A primeira época começa em 1540, com a Bula de fundação da Companhia, Regimini Militantis Ecclesiae, de Paulo III, e termina com o Breve de Clemente XIV, Dominus ac Redemptor Noster, de 1773, que extinguiu a Companhia de Jesus. No Brasil, essa época corresponde à chegada de Manuel da Nóbrega, como provincial dos jesuítas, e seus companheiros e à expulsão da Companhia com mais de 600 inacianos, por Pombal, da Amazônia e do Brasil, em 1759/1760, deixando aldeias, colégios e paróquias desamparados.
A segunda época começa em 1814, com a Bula de restauração da Companhia, Sollicitudo Omnium Ecclesiarum, de Pio VII. No Brasil, a restauração inaciana começa a partir de 1841/42, com jesuítas alemães, e também espanhóis vindos da Argentina, no Sul; italianos, no Sudeste; portugueses, a partir de 1910, no Nordeste. É um tempo marcado pela educação nos colégios. Em 1867, é fundado em Itu/SP o colégio São Luís, que hoje funciona no centro de São Paulo. Em Porto Alegre, em 1890, foi fundado o colégio Anchieta. Outros seguiram nas principais capitais. Desde 1940, os inacianos atuam também no campo do ensino superior com a PUC do Rio de Janeiro, a Faculdade São Luís, em São Paulo, a UNICAP, em Recife/PE, e a UNISINOS, em São Leopoldo (RS). Em 1929, assumiram a recém-criada Prelazia de Diamantino (MT), com um vasto território de 107.495 Km2. Recomeçaram desde então um trabalho indigenista que, a partir dos anos 60, sofreu profundas transformações.
O início da terceira época está marcado pela eleição, em maio de 1965, do basco Pedro Arrupe (1907-1991) para superior geral da Companhia de Jesus. Depois de sua eleição, Arrupe aproveitou a última sessão do Concílio Vaticano II (1962-1965) para intervir nos debates sobre a justiça no mundo e os desafios da inculturação. No Brasil, corresponde essa época à reformulação profunda do trabalho missionário junto aos povos indígenas, que envolveu, na época, muitos jovens jesuítas, não só na definição dos rumos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), fundado, em 1972, mas já antes, na reorganização de sua própria missão indígena de Utiariti, no interior da Prelazia de Diamantino (MT). Muitos dos primeiros membros do Cimi, sobretudo leigos, vieram desta efervescência indigenista de jovens inacianos no centro e no sul do país.
Um destes jovens indigenistas era Vicente Cañas, Irmão jesuíta de origem espanhola. Em 1974, Cañas participou dos primeiros contatos com os Enawene-Nawe, no rio Juruena. Nos últimos 10 anos de sua vida, viveu profundamente inserido na vida desse povo. No processo que levaria, em 1996, à demarcação do território dos Enawene-Nawe, foi assassinado e encontrado morto só um mês depois, em 16 de maio de 1987, ao lado do seu barraco na margem esquerda do rio Juruena. Contrariando com sua presença a cobiça por terra e madeira, Vicente sabia que estava jurado de morte. Os próprios índios o haviam alertado: “Te cuida. As picadas dos jagunços já estão perto do teu barraco”.
Por causa do assassinato de Vicente Cañas, foram indiciados mandantes e executores do crime. Até hoje, nenhuma condenação. Em 1989, durante o processo da perícia pelo IML, em Belo Horizonte, o crânio do Ir. Vicente desapareceu misteriosamente. Depois foi encontrado por um engraxate de sapatos, numa caixinha que declarava seu conteúdo, perto da rodoviária de Belo Horizonte, fato até hoje não explicado.
2. Nóbrega e Anchieta
Em 1549, Manoel da Nóbrega, um jovem jesuíta com 31 anos, aporta, na armada do primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Sousa, com mais de 1000 homens entre soldados, funcionários, 400 degredados, na Bahia. Na Europa, Nóbrega, por ter sido gago, foi duas vezes preterido em concursos acadêmicos. No Brasil, sem o dom da língua, tornou-se o missionário do aportuguesamento.
Diferentemente de Nóbrega, Anchieta tinha o dom da língua. Escreveu em espanhol, língua de sua pátria, em português para os colonos, em tupi para os índios e em latim para os eclesiásticos. Depois de três anos no Brasil, onde chegou em 1553, com 19 anos, já tinha composto uma gramática que serviu para o ensino do tupi nos colégios da Companhia.
Com a experiência de nove anos de catequese no Brasil, Nóbrega elaborou um “Plano Colonizador” para disciplinar o “mais vil e triste gentio do mundo”. Com esse plano deve-se ganhar “muitas almas” e “muito ouro e prata”. Por falta de sujeição, pouco se pode fazer na conversão do gentio. Sujeitar os índios significa “fazendo-lhes guardar a lei natural”, proibir a poligamia, a nudez e o nomadismo e retirar os feiticeiros das aldeias. Para o abastecimento do Colégio da Bahia, Nóbrega pede “duas dúzias de escravos de Guiné” e para a Igreja encomenda “sino”, “relógio” e “campas” (n. 27). A civilização transforma o tempo desordenado de ócio, em tempo cronometrado para a oração e o trabalho.
Ao atravessar o Equador, quase 150 anos mais tarde que Nóbrega, no dia 22 de fevereiro de 1691, o jesuíta Antônio Sepp anota em seu diário: “Costuma-se mudar tudo sobre o equador. (…) A agulha magnética da bússola, porém, não se desloca. Também aqui no Paraguai ela aponta fiel e exatamente para a Estrela Polar. (…) A diferença está toda em nós mesmos, que precisamos modificar nosso conceito. Quando é meio-dia na Europa, é meia-noite aqui entre nós. (…) Em dezembro e janeiro, quando na Europa tudo gela, comemos figos e colhemos lírios. Numa palavra, tudo aqui é diferente, e está a cunhar a expressão, chamando a América de ‘mundo às avessas’. (…) No dia 28 de fevereiro entramos para o jejum quaresmal, aliás de acordo com o calendário, e não com a realidade”.
Como organizar calendários supostamente universais de acordo com a realidade, ao mesmo tempo cosmológica e local? Como aprender que o “mundo às avessas” é apenas um mundo culturalmente diferente? Como transformar o imaginário do visitante para que caiba nele o “bárbaro” como outro e o outro como irmão? Essas pergunta surgirão, provavelmente, só mais tarde, na cabeça de um Vicente Cañas, cujo crânio foi encontrado pelo engraxate de Belo Horizonte, numa caixa que parecia ser de sapatos.
3. O mito do jesuíta “língua”
Em sua “Breve informação do Brasil”, de 1584, Anchieta caracteriza a situação lingüística que os missionários enfrentam, como unidade atravessada por uma grande diversidade: “Todo este gentio desta costa, que também se derrama mais de 200 léguas pelo sertão, e os mesmos Carijós que pelo sertão chegam até às serras do Peru, têm uma mesma língua que é grandíssimo bem para a sua conversão”. Além da gramática tupi, Anchieta elaborou também um vocabulário em tupi, uma Doutrina Cristã e um Catecismo. Mas, no Brasil indígena se falava ainda muitas outras línguas. A maioria dos missionários não falavam nenhuma dessas línguas.
Uma solução para a questão das línguas veio de alguns civis que passaram um bom tempo no meio dos índios e ofereceram seus conhecimentos dos costumes e da língua aos missionários. Neste grupo teve particular importância o náufrago Diogo Álvares Correia, o Caramuru, que, por volta de 1510, chegou às costas da Bahia. Viveu por muito tempo no mundo indígena e se tornou o tradutor das primeiras orações.
Outra solução veio de pessoas com experiência entre os índios, que se integraram à Companhia, como vocações adultas. Logo depois de sua chegada ao Brasil, Nóbrega mandou o padre Leonardo Nunes e o Irmão Diogo Jácome à Capitania de São Vicente. O padre Nunes teve um empenho especial no campo de vocações adultas para a Companhia. Um dos primeiros que ele recrutou foi Pero Correia, colono aventureiro, desde 1534 no Brasil. Em carta ao provincial de Portugal, Correia pede livros para poder estudar as coisas elementares da fé, “porque meu estudo neste mundo nunca foi para servir a Deus, mas para ofendê-lo”. Outra vocação adulta conquistada por Nunes foi Manuel de Chaves, com uma longa experiência no país, antes da chegada dos jesuítas. Ainda em 1550, Correia e Chaves foram aceitos na Companhia. Outros seguiram. Em geral eram excelentes “línguas”, mas tinham pouco ou nenhum preparo teológico para seu trabalho catequético.
Uma outra solução para a questão da língua foram as crianças, e, sobretudo, órfãos vindos de Portugal. Impressionaram com seus cânticos catequéticos, aprenderam tupi e ensinaram noções de português aos coleguinhas nativos. Um pouco mais tarde, os órfãos foram encarregados de servir como intérpretes nas confissões. Esses tradutores, segundo Nóbrega, produzem bons resultados sem causar “nenhum prejuízo ao sigilo da confissão”.
Na Bahia, quando o padre João de Azpilcueta Navarro estava no sertão, nenhum padre na cidade falava tupi. E Navarro faleceu cedo, em abril de 1557. Em 1560, não havia mais do que dois ou três sacerdotes jesuítas que conseguiram conversar fluentemente com os índios. A este respeito, o padre António Pires escreveu aos seus ex-colegas do Colégio de Coimbra que o novo provincial, o padre Luis da Grã, que chegou em agosto de 1560 ao Brasil, “deu ordem a que todos os Irmãos se dessem a aprender a língua, coisa que até ali ninguém havia feito”.
Ainda em 1585, Manuel Viegas que falava tupi e maromomi, lamenta a situação precária do aprendizado da língua dos colegas. Viegas agradece ao padre Geral Aquaviva, porque ordenou (…), que todos aprendam a língua da terra, e a “nenhum consente que se ordene de ordens sacras (…) sem que primeiro saibam e aprendam a língua da terra”. A língua, adverte o padre Viegas, é mais importante que a teologia. “Quem nesta terra sabe a língua dela é aqui teólogo. E muitos padres, que vêm de lá teólogos, nos dizem que, se pudesse ser, dariam metade da sua teologia pela língua. E eu digo a V. P. que não darei a minha língua por toda a sua teologia”.
Quase um século mais tarde, Antônio Vieira (1608-1687), em seu Sermão da Epifania, aponta entre as dificuldades para a catequese dos índios a questão lingüística. “Na antiga Babel houve setenta e duas línguas; na Babel do rio das Amazonas já se conhecem mais de cento e cinqüenta, tão diversas entre si como a nossa e a grega; e assim, quando lá chegamos, todos nós somos mudos e todos eles surdos”.
4. Catequese em Piratininga
As experiências iniciais da catequese mostraram que a região de beira-mar, com a presença de aventureiros e donos de escravos, e com a fragilidade da lei, não era propícia para a conversão dos índios. Nóbrega escolheu para esse objetivo a Capitania de São Vicente, e nela fundou Piratininga. Próximo ao rio Tietê, na confluência dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, instalou-se a missão no meio de 12 aldeias indígenas. Em 25 de janeiro de 1554, no dia da conversão de São Paulo, apóstolo dos gentios, foi inaugurada a “Casa de Piratininga”. As atividades missionárias nessa casa eram diversificadas. O catecismo e as primeiras letras foram ensinados para as crianças indígenas, que moravam nas casas de seus pais ou parentes. Aprenderam também como cantar e servir na missa. Os inacianos perceberam cedo o fascínio dos índios pela música e festividade litúrgica. Por isso, as entradas dos missionários nas aldeias foram precedidas por uma procissão, com canções e danças das crianças. A alegria do cenário contrastou com a severidade da mensagem. Com algumas orações elementares, com as canções e os maracás das crianças, os missionários correram de aldeia em aldeia. Em seus sermões, traduzidos pelos “língua”, falavam dos mistérios principais, da devoção da cruz, da ameaça do juízo final e de alguns episódios da vida de Jesus.
Na escola de Piratininga, os meninos índios são “bem instruídos em leitura, escrita e em bons costumes”, de maneira que já “aborrecem muito os costumes de seus pais”, relata o mestre Anchieta da altura dos seus 21 anos. Para a abolição das festas antropofágicas, profundamente enraizadas na cultura tupi, Anchieta considera a demonstração de força indispensável. Cinco anos mais tarde, relata ao Geral da Companhia como os irmãos de Piratininga batizaram dois cativos, antes de serem sacrificados pelos índios. No terreiro “chega-se o que o havia de matar, usando primeiro de suas cerimônias e ritos. Diz-lhe a palavra solene: Morrerás!” Os Irmãos intérpretes, que acompanham o padre Afonso Braz, participam do ritual. Batizam a vítima. Contracenam com o matador e seu “morrerás”, gritando, através do língua: “viverás!”, e carregam depois o morto para a Igreja de Piratininga. Os índios, escreve Anchieta, já não comem mais carne humana, como antigamente. O ritual tupi já foi transformado. A catequese de Piratininga exige dos índios abandonar sua tradição cultural. O convertido é um ex-índio, relata Anchieta satisfeito: “Está conosco um principal dos índios chamados Carijós (…). Digo-vos, caríssimos Irmãos, que é um mui bom cristão, homem mui discreto e nem parece ter coisa alguma de índio”.
Voltando um século mais tarde para a Bahia, quase na hora da expulsão dos jesuítas, encontramos a capital do Brasil numa certa prosperidade que dependia da mão-de-obra dos escravos que trabalhavam nos engenhos de açúcar. A Bahia é um retrato daquele Brasil, onde o escravo negro era considerado uma necessidade e o índio um estorvo. A Companhia não se opôs à escravidão negra. Participou dela, como outras ordens religiosas, e prosperou. Viajantes descrevem a Igreja dos inacianos pomposa, revestida de mármore da Europa.
5. Do Norte ao Sul
A presença dos jesuítas na Amazônia se dá quase um século mais tarde que na Bahia e em Piratininga. Os primeiros inacianos chegaram à Amazônia provenientes de Quito, emissários do Vice-Reinado de Peru e de El-Rei da Espanha. Pelo Tratado de Tordesilhas (1494), pertencia todo o curso do Amazonas à Espanha. Somente no século XVII, a linha divisória avançou em favor dos portugueses para além da confluência do Rio Negro. No vai e vem desta época se situa a expedição de Pedro Texeira, de Belém a Quito (1637/38) e a descida do jesuíta Samuel Fritz de Quito a Belém (1689/90). A presença jesuítica a serviço de Portugal começa em 1639, quando chegou do Ceará o padre Luis Figueira, visitando os rios Tocantins, Pacajá e Xingu. Treze anos mais tarde, no meio de um tumulto dos colonos, que se revoltaram contra uma nova lei que proibia a escravidão dos índios, chegam os padres João de Souto Maior e Gaspar Fragoso em Belém. Lá construíram uma modesta palhoça e fundaram, mais tarde, o Colégio de Sto. Alexandre. Imediatamente, o padre Souto foi obrigado a assinar um termo na Câmara de não intervir na questão dos escravos índios e nem pretender administrar os “índios livres”. Do Norte ao Sul, colonos de olho no lucro pela mão-de-obra de índios escravizados, se articularam contra os jesuítas. De Piratininga-São Paulo, os inacianos já foram expulsos em julho de 1640. Quando voltaram 13 anos mais tarde, tiveram que restringir a sua presença ao Colégio e abrir mão da assistência aos índios.
Em janeiro de 1653, Antônio Vieira chegou em São Luis, onde encontrou o mesmo clima de hostilidade como seus companheiros em Belém e São Paulo. Como superior das missões do Maranhão, fez concessões; reconheceu causas legítimas de escravidão e admitiu os “escravos do Estado”. Mesmo assim foi hostilizado. Foi obrigado a embarcar para Lisboa, de onde volta com mais poderes. Com sua tropa de 20 companheiros, organizados em redor de 11 aldeias no Maranhão, 6 no Pará, 7 no Tocantins e 28 no Amazonas, luta contra aqueles que não queriam aceitar as novas leis. Os habitantes de Gurupá, que fizeram do tráfico indígena sua principal fonte de sustento, prenderam dois jesuítas e os mandaram voltar ao Pará. “Temos contra nós o povo, as religiões, os donatários das capitanias-mores e, igualmente, todos que nesse reino e neste Estado são interessados no sangue e suor dos indígenas”, escreve Vieira, em 1655.
Mesmo com essas dificuldades, a Companhia conseguiu avançar no seu objetivo. Os missionários sobem os rios Xingu e Tapajós. Vieira reduz os Nheengaibas. À Câmara de Belém, expõe o balanço positivo dos últimos anos: mais de 3000 índios livres e 1800 cativos; pelo resto, somente escravos de Angola podiam solucionar o problema da mão-de-obra.
Em 1680, Vieira conseguiu em Lisboa novas reformas legais, favoráveis aos índios e à Companhia. Mas, os novos decretos produziram insatisfação geral. O fazendeiro Manuel Beckmann, do Maranhão, soube articular um levante contra os jesuítas. A esperança de conseguir índios escravos mobilizou os colonos: prenderam autoridades civis e militares, expulsaram os jesuítas novamente, destituíram o governador e selaram a vitória com um Te-Deum na Matriz (1684). Punidos os responsáveis do levante, os jesuítas foram reconduzidos aos colégios e às missões. Através do Regimento das Missões, de 1686, consolidaram sua atuação, juntando ao governo espiritual também o temporal e político das aldeias.
O Tratado de Madri, de 1750, e o envio de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do poderoso Marquês de Pombal, como governador-geral do Norte, mudaram radicalmente o cenário das missões jesuíticas.
Na Amazônia, o Tratado de Madri, de 1750, e seus ajustes posteriores, reconheceram a expansão das fronteiras do domínio português. No Sul, legalizaram uma permuta da Colônia do Sacramento que era dos lusos, pelo território dos Sete Povos das Missões dos espanhóis, na margem esquerda do rio Uruguai. Aos moradores da Colônia do Sacramento foi facilitado o transporte dos seus pertencentes à terra nova ou permitido a permanência na Colônia onde se tornariam vassalos de Espanha. O Tratado de 1751, art. 14, determinou que os 30 mil guarani e os missionários tinham que evacuar as “povoações da margem oriental do rio Uruguai totalmente” e procurar outras terras do domínio espanhol. Lusos, espanhóis e guarani não aceitaram tentativas de mediação da parte dos jesuítas. De 1753 a 1756, os guarani, liderados por Sepé Tiaraju da Redução de São Miguel, resistiram ao exército lusos-espanhol com o grito: “Esta terra tem dono!”. No dia 7 de fevereiro de 1756, caiu Sepé juntamente com mais de 1.500 guerreiros guarani. A maioria dos sobreviventes abandonou as Missões e se refugiou na margem direita do rio Uruguai. Os jesuítas, pela administração política considerados uma espécie de bode expiatório para todos os males da Colônia, foram expulsos, da América portuguesa, em 1759, da espanhola, em 1767.
Depois do Tratado de Madri, tratava-se de assegurar as fronteiras, para que no Norte não se repetissem os acontecimentos do Sul, onde índios das Missões enfrentavam as tropas espanholas e portuguesas (1753-56). Para cumprir essa tarefa, o novo governador-geral Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, tomou todas as providências. As questões das fronteiras, dos índios, das Missões e do comércio tinham uma conexão lógica. Em nome da liberdade dos índios, Pombal mandou atacar o poder temporal dos religiosos nas aldeias. As missões são transformadas em paróquias, os missionários em párocos.
O Diretório das Missões, de 1757, substituiu o poder temporal dos missionários pelo poder temporal do diretor dos índios que como tutor acumulou todos os poderes nas antigas aldeias e, segundo Tavares Bastos, se tornou o ladrão oficial dos índios. Os índios pagam a sua liberdade declarada com o dízimo ao Estado e com o sexto ao diretor. Foi estabelecido o serviço obrigatório dos índios para os colonos por um determinado pagamento. Os inacianos rejeitaram o papel de pároco da aldeia. Pouco tempo depois, a tentativa de assassinato do rei D. José Manuel, serviu de pretexto para o decreto de expulsão dos jesuítas (3.9.1759). No século que seguiu à “emancipação pombalina” dos índios e à expulsão da Companhia de Jesus, os índios, que eram maioria na Amazônia e nos Sete Povos do Rio Grande de São Pedro, se tornaram minoria.
Paulo Suess, Assessor de Teológico do Cimi