16/12/2005

Comunidade Kaiowá da Terra Indígena de Mande Ru Mmarangatu (MS) impedida de usufruir de suas terras

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem, através desta nota, manifestar sua indignação perante a atitude desrespeitosa e desumana de setores do Estado brasileiro para com a comunidade kaiowá da Terra Indígena de Ñande Ru Marangatu (MS). 


 


Os Guarani eram um dos povos indígenas mais numerosos antes da conquista européia.  Dos mais de 2.000.000 de Guarani que se estima que existiam antes da chegada dos europeus, na década de 1970 sequer chegavam aos 100.000 distribuídos entre Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia. Antes da ocupação e exploração por empresas brasileiras, ocorrido entre o final do século XIX e a década de setenta do século XX, esse território tradicional superava os 3.500.000 ha. Nos anos 70 viram-se obrigados a residir nos espaços exíguos que lhes foram destinados pelo Estado brasileiro, que sequer somavam  20.000 ha. Nessa situação, famílias indígenas inimigas entre si tiveram forçosamente que conviver, o que deu vida a violências que hoje se tornaram praticamente incontroláveis, visto o boom demográfico ocorrido nas últimas duas décadas.


 


A falta de espaço e de acesso aos recursos oferecidos pelo território fazem com que os Guarani não consigam viver plenamente segundo seu modo de ser, o que representa o fracasso deste povo perante as divindades. Assim sendo, estas últimas dão início a um processo de destruição da Terra. Foi para reverter este processo que os Guarani, há quase trinta anos, começaram um árduo, inevitável e inexorável caminho pela recuperação de lugares tradicionais.


 


Entre as décadas de 1970 e 1990 os Guarani conseguiram reaver mais 20.000 ha, fato que permitiu a várias comunidades locais recuperar significativas condições de vida. A legitimação e reconhecimento desses espaços por parte do Estado brasileiro, especialmente em decorrência da promulgação da Constituição de 1988, pareceram, em um primeiro momento, reverter este quadro histórico de dominação colonial.


 


Existem casos, como justamente o da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, em que uma comunidade indígena kaiowa, que integra pelo menos 500 pessoas, teve que permanecer por quase seis anos em um acampamento de 26 ha, sem água potável, sem terra para cultivar, sem lenha para cozinhar e se aquecer, sem rios para pescar e sem campos e matas para caçar. Em suma, sem as mínimas condições econômicas, sociais e culturais para viver dignamente como Kaiowa, isto é, como povo predileto dos deuses, segundo sua visão cosmológica.  Durante esses seis anos, o índice de suicídio nessa comunidade foi altíssimo, como consta dos laudos da FUNASA. Cabe observar que tal acampamento não se situava em um lugar qualquer, mas dentro da própria terra indígena que havia sido delimitada pelo Estado brasileiro, com cerca de 9.300 ha.


 


A comunidade de Ñande Ru Marangatu que, após ver demarcada e homologada a própria terra, veio a ocupá-la e cultivá-la, se nutrindo de parte dela (aproximadamente 1.600 ha dos 9.300 homologados), está sendo tratada como se tivesse praticado uma ação criminosa e sendo objeto de uma ordem de despejo. É alarmante assistir como pressões de lobbies de latifundiários estão levando a aberta violação  dos ditames constitucionais, negando direitos humanos e culturais ao povo guarani.


 


A ABA lança um apelo para que o Estado brasileiro dê uma solução justa e imediata a essa questão, permitindo à comunidade de Ñande Ru Marangatu usufruir plenamente de suas terras, segundo seus usos e costumes, conforme reza o artigo 231 da Constituição em vigor.


 


Miriam Pillar Grossi


Presidente da Aba


Gestão 2004-2006


 


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Fonte: ABA - Associação Brasileira de Antropologia
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