12/12/2005

Audiência Pública sobre terra Krahô-Kanela demonstrou visões distintas sobre a identificação da terra


 



Com a Audiência Pública realizada na manhã de hoje (dia 12) no Senado Federal, o povo Krahô-Kanela conseguiu marcar uma reunião com o presidente em exercício da Funai, Roberto Lustosa, para amanhã (dia 13), às 14 horas, na sede da Funai. A expectativa é que, no encontro, sejam definidos prazos e formas para o encaminhamento do processo administrativo da terra Mata Alagada, do povo Krahô-Kanela, localizada no município de Lagoa da Confusão, Tocantins.


 


A representante da Funai na Audiência Pública, Nadja Havt Bindá, coordenadora-geral de Identificação e Delimitação do órgão, afirmou que o presidente da Funai, Mercio Pereira Gomes, já havia assinado um despacho no qual a presidência do órgão manifesta sua posição sobre o processo de demarcação da terra Mata Alagada. Em 9 de novembro, foram apresentados à Justiça Federal um Mandado de Segurança e uma Ação Civil Pública contra a União e contra a Fundação Nacional do  Índio, solicitando que a Funai dê encaminhamento ao processo administrativo de demarcação desta terra.


 


Durante a Audiência, a Dra. Deborah Duprat, coordenadora da Câmara do Ministério Público Federal responsável por temas ligados a indígenas e minorias, relatou a trajetória dos Krahô-Kanela e a forte descriminação a que vêm sendo submetidos. “Caso dos Krahô-Kanela chegou ao Ministério Público há seis ou sete anos, mais ou menos. Foi um dos maiores dramas que eu já vi na história dos povos indígenas deste país. Tinham sido expulsos de suas terras, e os funcionários da Funai os colocaram na Ilha do Bananal. No processo de desocupação, foram considerados não-indios e clientes da Reforma Agrária. No assentamento para onde foram, eram descriminados porque eram índios. Ou seja, ora eram descriminados porque não eram índios, ora porque eram índios”, afirmou.


 


“Há 28 anos lutamos para que a Funai resolva sobre a nossa terra. Já passamos por muitas doenças, já teve mortes, passamos fome e muita necessidade. Não temos onde plantar um único pé de pimenta. Não tem mais o que ser discutido para resolver esta situação. Eles sabem que estão sendo omissos por não regularizarem a nossa terra”, disse o cacique Krahô-Kanela, Mariano Ribeiro, referindo-se à Funai.


 


Parte do debate da Audiência foi sobre a tradicionalidade da terra Mata Alagada. A representante da Funai afirmou que o órgão tem dificuldade em caracterizar a ocupação tradicional da terra pelos indígenas. “O processo já atravessou três marcos, nos três a Funai concluiu pela não tradicionalidade da terra”, disse Bindá.


 


“Se não é possível demarcar a área, o Estatuto do Índio confere à Funai outras possibilidades, como a de criação de reserva”, afirmou Deborah Duprat. Esta saída foi considerada difícil pela representate da Funai. Para ela, a criação de reservas pelo presidente da República depende de orçamento e de uma regulamentação do texto constitucional: “Há dificuldade de a Funai caracterizar esta terra, e há dificuldade de viabilizar aquisições e indenização. O ato do presidente da República depende do orçamento da Funai”, afirmou Bindá.


 


Para Paulo Machado Guimarães, assessor jurídico do Cimi que também participou do debate, já houve criação de reservas em governos anteriores e isto não poderia ser impedimento para destinar uma terra aos Krahô-Kanela.


 


A posição da Funai foi questionada por Mariano Ribeiro, que relatou que um dos antropólogos que concluiu pela não tradicionalidade da terra não passou mais de um dia entre o povo, não andou pela terra reivindicada e teria conversado com apenas uma família.


 


O antropólogo e analista pericial do MPF, Marco Paulo Schettino, também questionou a fala da representante da Funai: “A antropóloga Maria Elisa Guedes fez um relatório comprovando que efetivamente a terra era tradicional. A argumentação contrária à demarcação desta terra se baseia no conceito de imemorialidade, de que a terra teria que ter um vínculo anterior à formaçao do Estado brasileiro, que foi superado pela Constituição de 1988. Ela traz o conceito de tradicionalidade. Então, a forma como foi analisado o relatório é equivocada”, disse. Schettino afirma que a terra Mata Alagada foi o lugar onde este povo se territorializou, construiu seu território. E que este povo não reivindicou, em momento algum, outro território.


 


 


 

Fonte: Cimi
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