10/11/2005

Informe no. 689: Demarcações paradas em Santa Catarina


Os povos de Santa Catarina lutam pelo fim da paralisia na demarcação de suas terras. Neste estado, a articulação de políticos e proprietários rurais contra os direitos indígenas levou à criação de uma inconstitucional Comissão Especial que, sob a desculpa de analisar os processos de regularização de terras indígenas, atua para impedir as demarcações. As mobilizações no estado foram intensificadas após declarações de representantes do governo de Santa Catarina na Comissão, que anunciaram, em entrevistas a rádios na última sexta-feira (4), que o processo de demarcação da Terra Indígena Toldo Pinhal “era coisa do passado”.


 


Ontem (dia 9), os Kaingang retomaram uma fazenda construída da terra Toldo Imbu, localizada na região oeste de SC e, à noite, fecharam uma estrada que dá acesso a um bairro da cidade de Abelardo Luz. Hoje (10), estão no local o batalhão de choque e a cavalaria da Polícia Militar, além da Polícia Federal, segundo informações da equipe do Cimi. Está programada para as 16h00 uma audiência na Justiça Federal de Chapecó sobre o pedido dos fazendeiros pela reintegração de posse da terra retomada. Os indígenas negociam pela manutenção da barreira na estrada até o final da audiência. 


 


Na segunda-feira (7), outro grupo Kaingang retomou uma propriedade abandonada por agricultores, localizada dentro da terra indígena Toldo Pinhal.


 


Também hoje, quinta-feira, os Guarani da terra Morro dos Cavalos estarão na capital do estado para uma audiência pública na Assembléia Legislativa. Nas próximas semanas, farão também uma denuncia à ONU sobre a demora para terem acesso a suas terras, em parceria com a Ong Justiça Global.


 


As três terras onde ocorrem mobilizações têm em comum o fato de terem seus processos de demarcação paralisados no Ministério da Justiça (MJ). Eles dependem apenas da assinatura das portarias declaratórias pelo ministro da Justiça para serem encaminhados. Toldo Imbu aguarda desde dezembro de 2002; Morro dos Cavalos, desde outubro de 2003 e terra indígena Toldo Pinhal aguarda desde janeiro de 2005. O decreto que regulamenta estes processos estabelece prazo de 30 dias para decisão do ministro.


 


A criação da Comissão Especial que avalia a demarcação de terras indígenas no estado, em setembro de 2004, foi, na avaliação dos povos de Santa Catarina e do Cimi, uma estratégia para postergar ainda mais o reconhecimento de terras. Os processos de demarcação são estritamente de responsabilidade do governo  Federal e, por isso, o indígenas e o Cimi vêm questionando a legitimidade desta Comissão.


 


Os protestos contra a paralisia no reconhecimento das terras não são novos. A Audiência Pública que ocorre hoje às 14h00 em Florianópolis será realizada depois de uma campanha que tentou sensibilizar o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, sobre a urgência do encaminhamento da terra Morro dos Cavalos. Foram distribuídos 5 mil cartões para serem enviados ao ministro; foram enviadas também mensagens de correio eletrônico e os Guarani já participaram de diversas mobilizações, como o Abril Indígena, realizado em Brasília no início de 2005. 


 


Há cerca de dois meses, os indígenas de Toldo Pinhal bloquearam três estradas municipais, também no interior da área que reivindicam. Eles concordaram com a desobstrução das vias sob a promessa de que a Portaria Declaratória de sua terra seria assinada pelo ministro da Justiça na semana seguinte. O acordo não foi cumprido. Pelo contrário, no dia seguinte o ministro recebeu o governador do estado de Santa Catarina e comprometeu-se a não assinar a Portaria até manifestação da Comissão Especial. Em setembro, esta Comissão decidiu fazer um estudo sobre as áreas indígenas em processo de regularização e, na sexta-feira, seus representantes colocaram em dúvida a continuidade da demarcação das terras do estado, em entrevistas a rádios locais.


 


O processo de demarcação de Toldo Imbu já se prolonga por mais de quinze anos. Em 1987, a área foi identificada como terra indígena. As pressões políticas e econômicas impediram a demarcação naquela ocasião,. Em 1998 a terra foi identificada com 1.965 hectares. Após ser publicado duas vezes nos Diários Oficiais da União e do Estado de Santa Catarina e transcorrido o prazo legal das contestações, o processo foi enviado, pela Fundação Nacional do Índio, ao Ministério da Justiça, em dezembro de 2002.


 


Desde então, a comunidade indígena reivindica a assinatura da Portaria Declaratória. Já recorreram à Justiça Federal, ao Ministério Público Federal e realizaram freqüentes viagens e audiências com representantes do Ministério da Justiça. Além disso, os Kaingang já haviam realizado três retomadas e, em 2003, acamparam por cerca de quinze dias em frente ao prédio do MJ, em Brasília.


 


De acordo com o cacique Adroaldo Fidelis, de Toldo Imbu, seu povo chegou ao limite da tolerância.  O cacique chama atenção para o desrespeito a seu povo. “Estamos passando até fome aqui e, não bastasse o desrespeito do governo federal com a nossa situação, agora vem esses representantes do governo do estado dizer nas rádios que os índios de Abelardo Luz são imigrantes e que nunca existiu nem vai existir terra indígena aqui? Meu povo sentiu-se profundamente atingido. Entendemos estas manifestações como uma provocação. Aí é demais. Não queremos conflito, mas esta terra sempre foi nossa e nós queremos de volta já”, diz, referindo-se às falas da Comissão.

Fonte: Cimi
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