20/10/2005

TSE pode empossar o primeiro prefeito indígena do estado de Amazonas


A magnitude do genocídio e etnocídio na América pode ser respondida por uma questão muito simples. Você já imaginou um país africano governado por autoridades nativas? Você imaginou um país asiático que não fosse governado por autoridades nativas? É na Europa, algum país é governado por algum descendente de migrantes? América é um dos poucos lugares do mundo onde as populações nativas foram reduzidas à condição de minorias, tanto em termos sociológicos como em termos estatísticos.


Brasil tem 0,4 % de população indígena. Essa população é imaginada como vivendo em um estado de natureza, em uma condição pré-política. Apesar de este arraigado pré-conceito, a ação que tramita na justiça eleitoral poder resultar na posse do primeiro prefeito indígena no estado de Amazonas.



O recurso especial RESPE 25220 que tramita no TSE pode resultar no reconhecimento pela justiça eleitoral da vitória de Mecias Batista Sateré para o cargo de prefeito de Barreirinha (AM) no processo eleitoral do ano 2004. Esta decisão coroaria um longo processo de lutas do povo indígena Sateré-Mawé pelo reconhecimento de seus direitos.



Os Sateré-Mawé, contatando a mais de 400 anos já sofreram a tutela da igreja e do estado ao longo dos últimos séculos. Sua perda de autonomia territorial e política foram brutalmente marcadas pela Cabanagem há 200 anos atrás (1835-1840). As lutas contemporâneas incluem sua oposição a grandes projetos, como a finais da década de 1970 quando se opuseram à construção de uma estrada que cortaria a terra indígena e a inícios de década de 1980 quando conseguiram embargar a exploração de petróleo dentro da área indígena então demarcada. A finais da década de 1980 e durante toda a década de 1990 o grupo se organizou em torno do movimento social indígena. A inícios da década de 1990, reconhecendo as limitações do movimento social tomaram a decisão de participar da política local. Em 1992 escolheram por primeira vez um vereador indígena, Mecias Sateré. Em 1994 conseguiu a criação de uma Secretaria Municipal de Assuntos Indígenas para brindar assistência às populações nativas e se licenciou do cargo de vereador para ter sua primeira experiência no executivo ao frente da Secretaria. Nas eleições de 1996 conseguiram re-eleger o vereador e nas eleições do ano 2000 elegeram dois vereadores e o vice-prefeito indígena. Nas eleições de 2004 Mecias Sateré concorreu à prefeitura de Barreirinha em um apertado pleito.



O município tem uma população de 22.579 habitantes, 276 deles indígenas Sateré-Mawé que moram na área urbana e 3.795 que moram na área indígena do Andirá que faz parte do município. O prefeito que concorria à reeleição conseguiu 4.385 votos, 43,06% mais teve sua candidatura impugnada por abuso de poder econômico e uso da maquina pública para fins eleitorais. A justiça eleitoral chegou a titular ao candidato indígena como prefeito eleito, segundo colocado com 3.276 votos, 32,17 % em um município que tem pouco menos de 10 % de população indígena. O antigo prefeito conseguiu reverter a decisão na justiça eleitoral estadual. O candidato indígena entrou com um recurso especial no Tribunal Supremo Eleitoral. Esse recurso será julgado nos próximos dias (TSE RESPE 25220). Mecias Sateré declara confiar na justiça e espera o resultado da ação que poderá marcar uma inflexão na política local do município e da região.



Está nas mãos da justiça eleitoral, no TSE, a decisão de referendar as praticas políticas tradicionais, marcadas pelo clientelismo e abuso de poder econômico e político ou dar uma oportunidade, pela primeira vez na historia do estado de Amazonas, de que um prefeito indígena exerça o poder local. Esperamos que a decisão do TSE seja no sentido de oxigenar as práticas políticas num momento de profunda crise dos partidos políticos fruto do financiamento espúrio das campanhas eleitorais.    


 


Prof. Gabriel O. Alvarez


Departamento de Antropologia


Universidade de Brasília


 


Maiores informações sobre o processo político entre os Sateré-Mawé


http://www.unb.br/ics/dan/Serie366empdf.pdf





 

Fonte: Cimi
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