14/10/2005

Da greve de fome à irrupção popular

Fui visitar Dom Luís Cappio em cabrobó, no semi-árido pernambucano, às margens do São Francisco. Foi a 4 deste mês de outubro, nono dia de jejum do Bispo, seu 59 aniversário natalício e festa do Seráfico Francisco de Assis.


 


Na minúscula capela de São Sebastião, sentado numa cadeira, Dom Luís, revestido de humilde túnica franciscana, corado, lúcido, bem humorado, abraçava e abençoava um por um os da imensa fila.


 


Do lado de fora havia uma multidão de mais de duas mil pessoas, na maioria sertanejos do semi-árido, mas também gente da Imprensa, religiosos católicos e pastores evangélicos, políticos, inclusive o governador de Sergipe, que chegou de helicóptero.


 


O desfecho já é conhecido: Fim da greve de fome a 8 deste. Isto aconteceu na seqüência de pesada ofensiva oficial. O Ministro Jacques Wagner se fechara na capela por 5 horas com o Bispo fragilizado por 11 dias de completo jejum. O Núncio Apostólico, tendo pego carona no avião do governo levara uma carta do Vaticano com insistência no fim da greve.


 


O gesto inusitado e repentino do Bispo produziu um abalo nacional e internacional e pegou todo mundo de surpresa: O Congresso afogado na Inquisição das CPIs, o Judiciário enrolado em liminares dadas e cassadas sobre a transposição, o Episcopado nordestino dividido,  a Imprensa silenciosa sobre os grande interesses em jogo na transposição, deixando patente a proteção ao agro-hidro-negócio, o PT ausente e apático, o Executivo empenhado a qualquer preço no mega-Projeto, de olho na reeleição do Lula, driblando a  consulta à população interessada, manobrando o Ibama  e suscitando a desunião, antes inexistente, entre o povo do semi-árido do Norte contra o do Sul.


 


O histórico evento, entretanto, fez irromper um novo sujeito político no cenário nacional: o povo do semi-árido. Esta gente de índios, de quilombolas, de sertanejos pequenos produtores ou sem-terra, atraídos pelo testemunho profético do Frei, este “Gandhi do Sertão” começou a acordar, a se levantar e a se mobilizar. E trata-se precisamente do povo que já fora vítima da corrupção e da enganação da “indústria da seca”  na Sudene e no Denocs de outrora e hoje foi sistematicamente excluído das consultas e audiências públicas com relação a este gigantesco Projeto e, no futuro, será, com certeza, excluído do acesso a esta água transposta, que vai ser a água mais cara do mundo.


 


Com a irrupção deste novo sujeito histórico uma agenda diferente começa a ser elaborada. Ela inclui assembléias populares, seminários, marchas, e até ocupações de canteiros de obras, com a participação das organizações sociais, das inúmeras entidades da sociedade civil e das igrejas. Ela vai aproveitar a Assembléia dos Lutadores e Lutadoras do Povo, de 25 a 29 de outubro, em Brasília. Ela inclui a continuação da peregrinação de Dom Luís Cappio sobretudo no meio do povo pobre do semi-árido setentrional ao qual já dirigira uma bela carta do seu retiro em Cabrobó.


 


Esta agenda objetiva em primeiro lugar uma nova política nacional de desenvolvimento sustentável para toda a região, inclusive a bacia hidrográfica do São Francisco, baseada na convivência com o semi-árido e com o cerrado, na busca de alternativas que abram o acesso real do povo à água e aos recursos naturais da terra. 


 


Não tenho dúvida de que a emergência deste novo sujeito histórico é apenas a ponta dum iceberg, a saber, o potencial latente no seio do povo à espera de um evento forte como este para eclodir. É aí que reside a verdadeira esperança do Brasil que nós queremos. A história passada e os fatos presentes nos dizem que esta esperança não cai do alto como o maná, mas vem de baixo como a semente que germina na terra e se torna árvore frondosa.


 


Dom Tomás Balduino


Presidente da CPT


Fonte: CPT Nacional
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