10/10/2005

Raposa/Serra do Sol: da festa à violência

Geraldo Majella Agnelo


 


Os cinco povos que vivem na terra indígena em Raposa/Serra do Sol celebram a homologação de sua terra em área contínua pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, realizada em 14 de abril deste ano. Com o ato da homologação, o Estado brasileiro reconheceu o direito dos mais de 16 mil índios que ali vivem ao usufruto de seu território tradicional, localizado em Roraima.


 


Foi uma grande vitória, fruto da organização dos indígenas por mais de três décadas, e, por isso, a comemoração é extensa.


 


No entanto o reconhecimento desses direitos desagradou aos rizicultores que, na década de 1990, se instalaram na terra, então já identificada como indígena. Na madrugada de 17 de setembro deste ano, os fazendeiros reagiram aos festejos queimando o Centro de Formação e Cultura Raposa/Serra do Sol. Um grupo de 150 homens armados destruiu uma igreja, um hospital e uma escola; feriu um professor e um homem que estava sendo removido por uma ambulância e assustou cerca de 30 alunos que dormiam na escola. O incêndio foi carregado de violência simbólica, pois aquele local, a antiga Missão Surumu, foi palco das primeiras assembléias indígenas da região, que marcaram o fortalecimento da organização para o reconhecimento da terra Raposa/Serra do Sol. O espaço simboliza também o comprometimento da Igreja Católica com a causa dos indígenas.


 


A Polícia Federal local já tinha, semanas antes dos incêndios, previsto possíveis atentados, mas ninguém foi preso.


 


Infelizmente, a situação é recorrente: segundo informações da PF, esse grupo é responsável pelo incêndio de três comunidades e pelo seqüestro de três missionários católicos, realizados em 2004.


 


Como presidente da CNBB, juntamente com o vice-presidente, em janeiro desse mesmo ano, visitamos essa aldeia dos índios, vimos os estragos e nos encontramos com cinco caciques e 300 índios. É surpreendente constatar o estágio de educação proporcionada pelos missionários que formaram, em 26 anos, 450 índios professores em diversas nações indígenas. A língua portuguesa é falada com mais correção do que o normal das nossas cidades.


 


A pressão dos arrozeiros tem como objetivo assustar indígenas e os missionários que os apóiam. Tem também o intuito de pressionar o governo federal a negociar terras da União pleiteadas pelos fazendeiros como “ressarcimento” pela homologação da área.


 


Infelizmente, é grande a morosidade da Justiça.


 


Para a CNBB, é essencial que os responsáveis por esses crimes sejam identificados e presos.


 


É sabido que a elite e a classe política de Roraima têm forte resistência ao reconhecimento dos direitos dos indígenas que ali vivem.


 


É essencial que o governo e as instâncias federais atuem de forma incisiva para garantir o direito dos indígenas e impedir a multiplicação da violência.


 


A Diocese de Roraima apóia a organização dos indígenas intensamente desde os anos 70. A igreja intensificou sua presença junto a estes povos, com uma atuação que sempre buscou o fortalecimento da autonomia dos indígenas.


 


Também naquela época a reação dos fazendeiros que então ocupavam a terra foi violenta. Diversas vezes, malocas indígenas foram queimadas. Bispos e padres sofreram atentados, ameaças de morte, foram caluniados.


 


Os indígenas reagiram à violência. Fecharam estradas, fizeram protestos, mas sempre pacificamente. Nestas três décadas, 23 indígenas foram mortos.


 


A homologação da Raposa/Serra do Sol é fruto de todo esse processo de resistência dos indígenas. Agora, a alegria pela demarcação das terras é chamuscada por mais episódios de violência.


 


A CNBB volta a afirmar seu posicionamento ao lado dos indígenas e, mais uma vez, conclama o Estado brasileiro a se colocar em defesa dos setores excluídos da nossa população.


 


Dom Geraldo Majella cardeal Agnelo, 71, doutor em teologia com especialização em liturgia, arcebispo de Salvador (BA) e arcebispo primaz do Brasil, é o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).


 


Fonte: Tendências/Debates – FolhaOpinião – São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005


 

Fonte: Folha de S. Paulo
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