6ª Câmara: Nota Técnica nº 34 P/2005
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL6ª Câmara de Coordenação e Revisão (Índios e Minorias) | |
NOTA TÉCNICA N.º 34 P/2005 Brasília, 1º de abril de 2005 Assunto: EIA/RIMA para o licenciamento ambiental do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional” Interessados: Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira. Antropóloga Responsável: Maria Fernanda Paranhos | |
Este trabalho visa analisar o Estudo de Impacto Ambiental – EIA do “Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional” no que se refere à qualidade das informações colhidas sobre o meio socioeconômico, em especial a respeito das chamadas “populações tradicionais” da área de influência e a análise dos impactos sobre essas populações.
Utilizo o conceito de populações tradicionais para tratar de forma agrupada de um leque de diferentes grupos sociais que se apresentam semelhantes quando tratamos de direitos diferenciados, especialmente em referência a construções territoriais e situação fundiária diferenciada.
Na luta pela validação de seus direitos, especialmente diante da dificuldade do Estado brasileiro em reconhecer e tratar seus territórios como parte de sua política fundiária, esses grupos têm usado a autodenominação coletiva de índios, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, etc.
No repertório cultural dessas populações encontram-se formas específicas de organização local, a construção de direitos específicos sobre terras e recursos e o conhecimento de técnicas e sistemas de transmissão de saberes próprios. O uso compartilhado de uma mesma terra é uma situação freqüente.
A organização social dessas populações é variada mas, sempre, tem como base as famílias que desenvolvem laços de vizinhança, formam comunidades com diferentes capacidades de articulação com a sociedade envolvente.
No sistema produtivo grande parte das técnicas de produção são construções próprias a partir de investigações e experimentações sistemáticas que são transmitidas e reelaboradas pelas gerações. O campo de observação e aplicação dessas técnicas geralmente é limitado a uma área geográfica específica de exploração. Desse modo, a possibilidade de generalização desse conhecimento é limitada, porque busca conhecer uma área específica e um conjunto de variáveis que agem sobre ela. Dessa maneira é um conhecimento localizado, pouco reaplicável, mas que lhes garante a produção de alimentos e bens.
Por isso, esses espaços territoriais e suas formas sociais de apropriação são paisagens culturais que fazem parte do patrimônio cultural da comunidade e têm para estes grupos uma enorme importância. Quando estes territórios são invadidos, alterados e pior ainda, nas situações de deslocamento compulsório, há irremediavelmente perdas irreparáveis de referências culturais.
CARACTERÍSTICAS E OBJETIVOS DO EMPREENDIMENTO
Conforme o EIA, o Projeto de Integração é um empreendimento de infra-estrutura hídrica composto por dois sistemas independentes de obras hidráulicas – canais, estações de bombeamento de água, pequenos reservatórios intermediários e usinas hidrelétricas de auto-suprimento do projeto –, denominados de Eixo Norte e Eixo Leste, que captam água no rio São Francisco entre as barragens de Sobradinho e Itaparica, no Estado de Pernambuco (EIA, p. 1-1).
O produto final do empreendimento seria a água bruta, a qual seria fornecida a municípios situados nas bacias hidrográficas do rio Jaguaribe, no Ceará; do rio Piranhas-Açu, na Paraíba e Rio Grande do Norte; do rio Apodi, no Rio Grande do Norte; do rio Paraíba, na Paraíba; e dos rios Moxotó, Terra Nova e Brígida, na bacia do São Francisco, em Pernambuco, mas, também, a municípios indiretamente interligados com a infra-estrutura hídrica regional, situados fora das bacias receptoras das águas, como aqueles do Agreste Pernambucano e da Região Metropolitana de Fortaleza (EIA, p. 1-1).
Quanto ao objetivo o EIA afirma que:
“o principal objetivo do projeto é o de promover o equilíbrio de oportunidades do desenvolvimento sustentável para a população residente na região semi-árida, que está associado a oferta de água doce ‘ para viver’, ou seja para o abastecimento humano no sentido mais amplo deste conceito, que consiste em prover água como alimento ao corpo, para higiene pessoal e ambiental, e para trabalhar e obter renda necessária a um padrão de vida digno e integrado à sociedade.” (EIA, p.2.22)
O documento, ainda que mencione a população local dentre as finalidades a que se destina a viabilização do fornecimento de água, não especifica como será alcançado, nem a forma de distribuição dessa água. O EIA/Rima não apresenta as diferentes estruturas fundiárias da área de influência do projeto, indicando os reais beneficiários, e a forma como dar-se-á o acesso e a distribuição da água para os mesmos. Não especifica também a dimensão do recurso destinado a cada uma das finalidades a que se propõe.
O leitor do EIA/Rima está, portanto, impossibilitado de saber a quantia de água que haverá para “abastecimento humano, irrigação, dessedentação de animais, criação de peixes e camarão” (Rima, p.3). É impossível ao público por falta de informações precisas compreender como será alcançado os objetivos do empreendimento em questão.
DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA DO EMPREENDIMENTO
O EIA do Projeto apresenta três recortes espaciais para a área de influência: uma Área Diretamente Afetada (ADA), uma Área de Influência Direta (AID), uma Área de Influência Indireta (AII).
A Área de influencia denominada Diretamente Afetada, apesar de não estar prevista na Resolução Conama n.º 001/86, foi definida por uma faixa de 5km em cada lado dos canais artificiais e reservatórios a serem implantados. A justificativa dada pelos consultores para a definição de uma ADA seria:
“facilitar a visualização da extensão espacial dos elementos ambientais diretamente atingidos pelas obras (…); incluir nos estudos de caracterização ambiental em nível local elementos físico-bióticos, tais como áreas naturais preservadas, e antrópicos, como povoados e assentamentos, vizinhos ao empreendimento, e portanto potencialmente passíveis de apresentarem interações diretas com as atividades construtivas; e tornar disponíveis conhecimentos que permitam, nas fases subseqüentes de detalhamento do projeto, a definição de alternativas de remanejamento espacial de elementos construtivos e de medidas preventivas e mitigadoras, visando evitar e/ou minimizar interferências ambientais negativas (EIA, p. 7-1).
A Área de Influência Direta foi definida como “(…) o conjunto territorial formado pelos limites das municipalidades nas quais estão localizados os trechos de obras de adução e o conjunto de rios e açudes que constituem o sistema do Projeto de Integração” (EIA, p. 4-5). Segundo os estudos, essa área atinge 86 municípios distribuídos entre os Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba, constituindo nove unidades de paisagem que serão afetadas.
A Área de Influência Indireta, segundo o estudo, abrange o conjunto formado pelas bacias hidrográficas doadora (São Francisco) e receptoras (Jaguaribe, Apodi, Piranhas-Açu e Paraíba).
O EIA considera que serão atingidos 7.138 índios que pertencem a grupos que ocupam áreas efetivamente localizadas nas imediações de obras do projeto no Estado de Pernambuco. Segundo os estudos, os grupos atingidos são Tuxá, Truka, Kambiwá e Aldeia de Caraíba.
Os quilombolas, segundo os estudos, não estão contemplados na faixa do projeto, por estarem localizados, como a Comunidade de Conceição das Creoulas, Município de Salgueiro, a mais ou menos 30 Km de distância.
A referência às populações indígenas e aos remanescentes dos quilombos são tratadas separadamente por estarem dentro de reservas delimitadas e protegidas.
A Resolução Conama n. 001/96, nos arts. 5º e 6º considera que:
“O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais:
[…]
III – Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza”.
[…]
Artigo 6º – O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:
I – Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e sua interação, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:
[…]
c) o meio sócio-econômico – o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-econômia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.
No volume IV do EIA relativo às Comunidades Especiais, fica evidente que a delimitação da área de influência do projeto adotou como referencial a interação com as atividades construtivas e não a abrangência espacial dos prováveis impactos como determinado pela resolução Conama. Os consultores também não utilizaram a bacia hidrográfica das áreas como referencial geográfico para delimitar as diferentes áreas de influência como a Resolução exige.
Isso fica claro quando se analisa o próprio EIA na parte de contextualização do levantamento de dados apresentados no item Terras e Grupos indígenas:
“Por ocasião do diagnóstico elaborado em 2.000, visando caracterizar as eventuais interferências do projeto com as comunidades indígenas localizadas próximas às futuras obras, foram providenciados, inicialmente junto à administração federal da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Brasília as informações secundárias disponíveis. Com base nestas informações, verificou-se que as Terras Indígenas de possível interesse para os estudos estão localizadas no Estado de Pernambuco.
Tomando como referencial as obras e não os impactos, o EIA define:
Neste sentido, constatava-se a existência de duas áreas ocupadas por grupos indígenas cuja dinâmica espacial teria possibilidade de alcançar áreas situadas nas proximidades de locais de obras: a Terra Indígena Kambiwá; e a Terra Indígena Truká.
Posteriormente, por ocasião de trabalho de campo, uma terceira T.I. foi identificada e contemplada nos estudos: a terra indígena Pipipan …” (EIA, p. 6.476)
Para atender a abrangência dos estudos exigidos pela Resolução Conama, esses dados são incompletos. A Funai nos informou, por meio do seu Ofício n.º 109/CMAM/CGPIMA/05, que o seu relatório técnico-cartográfico revela a presença de nove terras indígenas na área de influência do projeto definida pelo EIA/Rima. O Relatório apresenta a delimitação da área de influência do referido Projeto de Integração e as terras indígenas da região. São elas Atikum, Entre Serras, Fazenda Funil, Jeripancó, Kambiwá, Kapinawã, Pankararu, Pipipan e Truká.
É precisamente no caso dos impactos sociais que as áreas de influência adotadas pelos consultores comprometem a qualidade dos estudos. O espaço social não se vincula nem se limita necessariamente a uma determinada extensão de espaço físico. Assim, o espaço social é uma categoria antropológica que está associada à idéia de movimento, pois se constitui em meio a um processo de constante reconstrução e recriação, dada pela variabilidade cultural própria da ação humana no mundo. O espaço social sempre tende a transcender as fronteiras do espaço físico.
O EIA/Rima não analisou as formas próprias de inter-relacionamento dos diferentes grupos com seus respectivos ambientes geográficos. O desconhecimento destas relações levou a delimitações das áreas de influência que separam populações que integram um mesmo universo sociocultural.
DIAGNÓSTICO DO MEIO ANTRÓPICO
O diagnóstico ambiental consiste na identificação e análise integrada dos elementos que compõem as áreas de influência direta e indireta do empreendimento.
No Termo de Referência elaborado pelo IBAMA para os estudos desse empreendimento, está definido: “O diagnóstico ambiental consiste na identificação e análise integrada dos elementos que compõem as áreas de influência direta e indireta do empreendimento. Estes componentes devem ser considerados em função de sua estrutura, dinâmica, sustentabilidade e qualidade ambiental”.
O enfoque teórico-metodológico adotado no EIA/Rima, além de impossibilitar a análise integrada, reduziu os estudos apenas aos grupos localizados na chamada Área Diretamente Afetada, o que impossibilita o diagnóstico do meio antrópico.
Ao desconsiderar os aspectos históricos e culturais das populações tradicionais atingidas pelo projeto, suas relações sociais e suas formas de interação com o meio, os consultores reduzem esses grupos humanos a “parte do ambiente da obra”, uma espécie de “elemento do meio ambiente”. Elemento que só passa a existir a partir da concepção do projeto, e por isso é avaliado a partir da referência e da intervenção da obra. A obra é vista como sujeito do ambiente e as populações como um elemento natural que devem se adaptar às novas condições, aos impactos da obra.
Nessa perspectiva recorrente em grande parte dos estudos ambientais, as populações locais são tratadas como “obstáculo ao desenvolvimento” e “problema ambiental”. Desse modo não são considerados plenamente os impactos que a população sofre com o empreendimento. Os atingidos não são tratados como cidadãos, como sujeitos da sua história, portadores de forte relação e importância para a manutenção do ambiente.
A utilização da noção de “espaço social”, que se ancora nos modos em que diferentes grupos humanos concebem e recriam formas de vida particulares a partir de processos específicos de apropriação, ocupação, organização, conhecimento e trato do ambiente físico em que vivem e dos recursos ambientais, seria fundamental para subsidiar a delimitação das áreas de influência no estudo proposto.
O conhecimento das realidades sociais vividas na bacia do São Francisco e bacias hidrográficas receptoras é escasso e insuficiente no EIA/Rima, quando não obtido de forma metodologicamente questionável, o que não atende à Resolução Conama. O EIA não dá visibilidade à vida dessas populações, à interação dela com seu ambiente biofísico, à importância da água, do rio São Francisco e demais rios para elas, o seu papel na manutenção dos rios a magnitude dos impactos que o empreendimento já está causando sobre elas.
A metodologia adotada resultou na construção de um conhecimento sobre os grupos indígenas estudados concebido fora deles e não desde eles mesmos, a partir de uma perspectiva de familiaridade com o diferente. A realidade estudada não é concebida como um processo, os habitantes da região são considerados como meros receptores passivos das ações e facilmente adaptáveis a novas condições.
Apesar de o EIA apontar a existência de treze comunidades negras remanescentes de quilombos na área de influência do projeto (6.5.9.2), essas comunidades não foram estudadas. Sob alegação de que “o mapeamento dos locais onde vivem as comunidades negras remanescentes de quilombos na área de influência do Projeto de Integração é um trabalho recente, e que tem sido lento” (p.6-500) apresentou-se apenas uma caracterização geral a partir de pesquisas de fontes secundárias.
É necessário um estudo detalhado sobre a vida dessas populações para que se conheça de fato os impactos que o projeto poderá causar. Os dados apresentados no Parecer Preliminar n.º. 18/2001, emitido por esta 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, referente ao anterior projeto governamental de “Transposição das Águas do Rio São Francisco”, revelam a existência de 34 terras indígenas e 153 comunidades negras tradicionais, somente nas áreas do Médio e Baixo São Francisco, passíveis de sofrer os impactos decorrentes da obra.
IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DOS IMPACTOS RELEVANTES
Dadas as características específicas de inter-relacionamento com seus respectivos meios e recursos, essas populações são extremamente vulneráveis às transformações em seu modo de vida e equilíbrio com o ambiente, e seu deslocamento compromete seriamente suas condições de reprodução.
Desconhecendo os grupos sociais, especialmente os seus diferentes graus de vulnerabilidade, presentes nas áreas de influência é impossível fazer uma avaliação mais precisa dos impactos do Projeto sobre a população. Baseado no referencial equivocado adotado na avaliação, o próprio EIA termina reduzindo os impactos às alterações causadas pela construção da obra. O fundamental seria avaliar os impactos incidentes direta e indiretamente sobre os recursos ambientais e a rede de relações sociais, econômicas e culturais.
A limitação do EIA na previsão dos impactos já estão expostas, pois os primeiros efeitos do Projeto de Integração do rio São Francisco sobre os diversos grupos sociais da bacia do rio São Francisco, não contemplados no EIA, já são evidentes para grande parte da população brasileira. O Projeto tem gerado uma grande mobilização social, reportagens na imprensa, discussões e documentos, são muitos questionamentos a respeito dos aspectos sociais, especialmente no que se refere às comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas. Nas áreas receptoras, o Projeto tem gerado nas populações muita expectativa quanto à geração de emprego, retorno das atividades agrícolas, aumento de renda, mas também temores de serem expulsas ou reassentadas em função da implantação do canal e das invasões em razão da provável valorização da terra. Nas áreas doadoras a desinformação e a insegurança das populações em relação aos efeitos no rio é noticiada por toda a imprensa. Os grupos têm se manifestado das mais diversas formas como neste documento de 13 de março de 2005:
“Nós lideranças dos povos indígenas ribeirinhos, Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Tumbalalá, Kiriri de Muquém do São Francisco, Pankararu, Xocó e Truká, e várias lideranças dos povos indígenas de Pernambuco, Bahia, Paraiba e Alagoas: Xukuru, Kambiwá, Pankararu, Pankará, Pipipã, Kapinawá, Pataxó Hãhãhãi, Potiguara e Geripankó, Queremos afirmar nosso repúdio ao Projeto de Transposição do Rio São Francisco, pois a nossa sobrevivência econômica e cultural depende do rio. É deste que irrigamos a terra para plantar e pescamos o peixe para comer. Nossos rituais sagrados têm tudo a ver com o rio, nossas ciências estão nas águas do “Velho Chico”(Carta aberta dos Povos Indígenas, ribeirinhos de Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia).
Optando por uma perspectiva superficial sobre impactos sociais e populações tradicionais, antes mesmo de apontar a existência de 13 comunidades negras remanescentes de quilombos na área de influência do Projeto de Integração precisamente no segundo parágrafo do texto, o EIA já oferece conclusões sobre a dimensão dos impactos negativos do Projeto de Integração sobre essas populações:
“É importante destacar que, dadas a atualidade e a ampla repercussão do tema e levando-se em conta que os eventuais efeitos negativos do projeto sobre estas comunidades seriam no máximo pontuais, tais como aqueles incidentes sobre as comunidades rurais em geral, as informações aqui apresentadas podem ser consideradas principalmente como subsídio para um futuro tratamento a ser dispensado a estes grupos sociais enquanto possíveis segmentos integrados ao processo de gestão do empreendimento” (p. 6-500, grifos nossos).
EQUIPE MULTIDISCIPLINAR HABILITADA
O artigo 6º da Resolução Conama nº 001/86 expressa a noção de meio ambiente como um sistema dinâmico e interdependente de interações físico-bióticas e sociais. O artigo 7º diz que o EIA será realizado por equipe multidisciplinar habilitada e que esta será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados.
É fundamental uma abordagem interdisciplinar em todo o estudo. As referências ao meio antrópico apresentadas mostram uma clara compartimentalização na análise dos meios físico, biótico e antrópico resultando em uma ausência da interação necessária para análise dos impactos do empreendimento sobre as populações tradicionais.
A análise antropológica é fundamental nas avaliações dos impactos desse empreendimento devido à presença, nas bacias hidrográficas atingidas, de uma imensa variedade de grupos com identidades coletivas, com diferentes estruturas fundiárias e com territórios indispensáveis à sua reprodução física e cultural.
Na composição da equipe técnica divulgada nos documentos EIA e Rima não consta nenhum antropólogo. A ausência da metodologia antropológica, com pesquisa de campo orientada por referenciais teóricos e metodológicos, resultou em um EIA com um diagnóstico insuficiente que não caracteriza a imensa diversidade sociocultural presente na área potencialmente impactada, numa exposição de impactos padronizados e na impossibilidade da avaliação ambiental e de sugestões de programas compensatórios.
Esse distanciamento excluiu os processos sociais e a complexidade do tratamento com as populações. Consequentemente as pessoas figuram como meros receptores das ações e não como agentes sociais.
CUMULATIVIDADE E SINERGIA DOS IMPACTOS
No art. 6º a Resolução Conama esclarece que a análise do impacto ambiental de um projeto e de suas alternativas discriminará as propriedades cumulativas e sinérgicas dos impactos identificados. Uma avaliação de efeitos de caráter socioambiental deve considerar a cumulatividade e a sinergia dos impactos, uma vez que a associação de várias intervenções pode agravar ou mesmo gerar problemas sociais que, de outro modo, não ocorreriam. A conjunção de projetos de desenvolvimento que alteram um após outro, ou ao mesmo tempo, modos de vida locais intensificam os impactos, geram e/ou acirram conflitos diversos.
O EIA/Rima não apresentou na avaliação ambiental realizada as propriedades cumulativas e sinergicas dos impactos nas populações tradicionais.
MEDIDAS MITIGADORAS
As medidas mitigadoras destinam-se a prevenir a ocorrência de impactos ou reduzir sua magnitude. O artigo 4º da Resolução Conama n.º 02/96 determina que o EIA/Rima, relativo ao empreendimento, apresente proposta ou projetos mitigadores para os danos potenciais sobre os fatores naturais e sobre os ambientes econômicos, culturais e sócio-políticos ou indique possíveis alternativas. Além da simples indicação, o EIA deve detalhar as medidas a serem implementadas especificando, dentre outros, as ações a serem executadas, equipamentos a serem instalados, alterações de projeto necessárias e cronograma de implantação.
As sugestões de medidas mitigadoras são construídas a partir dos impactos detectados em função do diagnóstico das áreas de influência do empreendimento. No EIA/Rima as limitações do diagnóstico inviabilizaram a identificação adequada dos impactos e consequentemente resultou na apresentação de medidas mitigadoras para populações tradicionais desvinculadas das suas realidades e pouco detalhadas.
PROGRAMAS COMPENSATÓRIOS
Dentre os objetivos do programa de compensação ambiental do EIA está a criação de unidades de conservação e apoio às unidades já existentes. Conforme informação técnica da 4ª Câmara: “o EIA de início indicou a criação de apenas uma Unidade de Conservação no bioma Caatinga, na região entre os municípios de Sertania e Monteiro (EIA, p. 5-665). Em seguida, foram sugeridas 8 áreas para a criação de unidades de conservação, que totalizam cerca 1.000.000 hectares (EIA, p. 5-669).”
A lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza esclarece que no caso de licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental, cabe ao órgão ambiental licenciador definir as unidades de conservação a serem beneficiadas e criadas considerando as propostas apresentadas no EIA/Rima e ouvido o empreendedor.
Apesar de previsto nas normas, a sugestão das novas Unidades de Conservação de Proteção Integral no EIA não apresenta o diagnóstico das populações residentes nas áreas. A análise do mapa das áreas sugeridas para criação de novas unidades de conservação e o das Terras Indígenas, apesar de não indicados os pontos exatos da localização dessas áreas, verificamos haver uma sobreposição da área sugerida na região do Município de Floresta no Estado de Pernambuco e as terras indígenas Kambiwa e Pipipã. Esta sobreposição, se não eliminada, certamente causará novos impactos e intensos conflitos.
MONITORAMENTO AMBIENTAL
O artigo 6º da Resolução Conama n.º 001/86 inclui dentro das atividades técnicas do EIA a elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.
Os programas de monitoramento ambiental são baseados nas análises comparativas da situação ambiental prévia aos impactos do empreendimento e as observações realizadas no decorrer da implantação e operação do empreendimento. Estas atividades propiciam a avaliação da evolução dos impactos e aferição da eficiência das medidas mitigadoras.
O EIA/Rima analisado não possui um diagnóstico eficiente da área, consequentemente não apresenta um programa de monitoramento de impactos específicos que contemple as comunidades tradicionais da área de influência do empreendimento. Não consta a indicação de procedimentos sistemáticos para possibilitar a contínua e participativa avaliação das medidas e programas sociais e culturais, que permitam a revisão de equívocos. Não estipula os prazos de execução compatíveis com a ocorrência do impacto.
Fonte: 6ª Câmara