Violências contra os Kaiowá Guarani são relatados na Aty Guasu
Dorival tombou pelas balas assassinas dos fazendeiros e pistoleiros.
Foi plantado mais um marco de sangue e revolta na luta pela terra Guarani.
Debate, ritual e celebração são a base de mais um grande momento político religioso que é a Aty Guasu. Aldeia Tey’Ikue é o símbolo do confinamento e da revolta. Terra coberta com densos ervais (arvore da qual se tira a erva mate), ela foi destinada aos Kaiowá Guarani pelo SPI em 1918. De reduto de mão de obra da empresa Mate Larageira, invasora de suas terras tradicionais, essa terra passou, em décadas recentes, pelo saque das madeireiras que acabaram com as árvores de maior valor. O capim colonião e braquiara foram tomando conta da maior parte da área. Apesar dos esforços recentes do Programa Kaiowá Guarani, a situação de sobrevivência dos quase quatro mil índios em tre mil e quinhentos hectares, é muito difícil e delicada.
Este grande encontro, com mais de setecentos representantes da maioria das aldeias dos Kaiowá Guarani do cone sul do Mato Grosso do Sul, está marcado pelo clima de solidariedade e revolta, pelas recentes violências e morte de Dorival Benites, no tekoha Sombrerito. Neste Encontro estão alguns dos representantes dessa aldeia, que conseguiram furar o certo dos fazendeiros e chegar até aqui. No final do dia 12 chegou a notícia de que o juiz federal de Naviraí havia solicitado a expulsão dos índios do Sombrarito. Foi mais um momento de muita emoção e revolta. Decidiram logo tomar uma posição como Aty Guasu. Na manhã do dia seguinte foi lida e aprovado o documento pedindo medidas urgentes para garantir com os índios possam permanecer no seu tekoha.
Um dos fatos mais marcantes deste primeiro dia foi a narração dos acontecimentos por uma das vítimas da brutalidade:
Eugenio Gonçales, um jovem de 19 anos, contou detalhadamente a brutalidade e tortura a que ele, Silvio Iturve, Rosana Iturve e o motorista do caminhão, Jaime, foram submetidos. Disse que além de sofrerem bofetadas, insultos de todo tipo, foram, durante as mais de dez horas que estiveram em mãos dos fazendeiros, constantemente ameaçados de serem mortos com tiros dados próximo aos seus pés e aos ouvidos, e serem amarrados em árvores. Durante esse tempo eles viram o pessoal botando fogo no caminhão da Associação Indígena Tey’Ikue. Também falou da insistência do prefeito de Sete Quedas de retirar os índios do Sombrerito, inclusive prometendo dinheiro e transporte para que eles deixassem o local. Falou da firme disposição do grupo de não sair de lá “dali só vamos sair morto”. Muito emocionado Eugênio ressaltou que esta foi uma experiência que certamente irá marcar toda sua vida e que certamente aprendeu muito com esse acontecimento, e que agora mais do que nunca estará ao lado de seu povo nessa luta pela terra. “Apenas queremos viver felizes, com liberdade, com nossas crianças correndo, tomando banho na cahoeira…”, concluiu.
Também foi relato a retomada de Kokuy, as pressões sofridas, inclusive por representante da Funai, para saírem da área. Apesar de todas as ameaças o grupo continua reconstruindo sua vida nesta terra.
“Estamos de luto e luta. As mortes de Marçal, de Marcos Veron, já deram fruto. Agora a morte de Dorival também esperamos que dê frutos. Mas será que teremos que morrer todos, para que as terras sejam reconhecidas?”, perguntou o vereador indígena Agrepino.
“Fico admirada e solidária com essa luta. Estou disposta a apoiar todas essas lutas. Muitos tombaram, mas nesse país estritamente injusto é com o sangue que se avança na justiça social. Admiro vocês pela garra, determinação e organização. Precisamos trilhar por esse caminho, dizer ao mundo que vocês ainda existem e tem muito a dizer e contribuir com esse país”, disse a vice-prefeita de Caarapó, Terezinha Batista.
O deputado Pedro Kemp, que falou sobre o momento político atual, disse que aprendeu muito nesta Aty Guasu, deixando sua solidariedade com os Kaiowá Guarani em sua justa e digna luta pela terra e pela vida. Disse que infelizmente a questão indígena tem pouco apoio dentro da Assembléia Legislativa do Estado. Ele se comprometeu de levar ao governo do Estado o clamor externado neste encontro, principalmente para que não haja mais violência contra os índios no Sombrerito. Alertou que essa luta para reconquistar a terra certamente não será fácil, mas que o exemplo histórico de resistência e a luta paciente de hoje certamente irá assegurar a conquista desse direito.
“Nós queremos novamente viver feliz. Hoje olhamos no horizonte só vemos soja e gado. E quando queremos retomar nossas terras somos matados. Hoje estou sendo processado porque estamos conversando em querer de volta nosso território. Amanhã podem me matar para para ter terra para meus netos. Queremos terra para viver. Terra é nossa mãe, água é nossa vida.” disse Silvio Paulo uma das lideranças importantes da organização da Aty Guasu.
Uma das questões importantes tratadas foi sobre a questão da saúde, que está bastante deficiente. Porém houve uma forte manifestação contra a proposta da Funasa de passar a responsabilidade do atendimento à saúde indígena para os municípios.
Hoje, penúltimo dia da Aty Guasu será debatida a questão da política indigenista e as políticas específicas para a saúde e educação indígena. Amanhã haverá trabalhos mais internos das lideranças para traçar os rumos dos trabalhos para os próximos meses e definir a continuidade das mobilizações e do movimento.
Aldeia Tey’Ikue, 14 de julho de 2004.
Egon Heck
Cimi MS