13/07/2005

Os zapatistas


Uma das manifestações da crise da política do nosso tempo reside na opacidade dupla do discurso político dominante, um discurso que nega o que faz para fazer o que nega. A intervenção zapatista é feita contra esta política que não leva em conta o povo. 


Saio da Cidade do México num momento em que a classe política e os movimentos e organizações sociais refletem sobre a última declaração política do movimento zapatista, a Sexta Declaração da Selva Lacandona. É uma declaração importante para o México, a América Latina e, em geral, para os cidadãos que em todo o mundo lutam contra a exclusão social e aspiram a uma renovação da vida política democrática. Trata-se de um texto escrito num estilo desconcertantemente simples, dirigido à “gente simples e humilde” e em termos que esta entenda, pleno de ironia e carregado de imagens que apelam à experiência vivida das classes populares.


E este é um primeiro aspecto a salientar, já que uma das manifestações da crise da política do nosso tempo reside na opacidade dúplice do discurso político dominante, um discurso que nega o que faz (submeter-se aos imperativos do capitalismo global) para fazer o que nega (deixar de estar ao serviço do bem estar dos cidadãos).


 


A declaração está dividida em cinco partes: o que somos; onde estamos; como vemos o mundo; como vemos o nosso país, o México; o que vamos fazer. Destaco nela três aspectos principais. O primeiro consiste na opção mais inequívoca do que nunca, pela ação política pacífica: “o que vamos fazer no México e no mundo, vamos fazê-lo sem armas, com um movimento civil e pacífico”. Está aberta, pois, a possibilidade de o movimento zapatista vir a integrar o Fórum Social Mundial (cuja carta de princípios exclui a luta armada) o que, em meu entender, seria bom para ambos. É certo que, no seguimento dos encontros “intergalácticos” promovidos pelos zapatistas na década de noventa, são propostos agora novos “encontros intercontinentais” e são mesmo avançadas datas prováveis, mas nada disto parece colidir com a entrada em força no FSM.


 


O segundo aspecto é que a intervenção zapatista não é feita contra a política, mas antes contra “esta política que não serve, e não serve porque não toma em conta o povo, não o escuta, não faz caso dele, só se aproxima dele quando há eleições e já nem sequer quer votos, pois bastam as sondagens para dizer quem ganha”. Contra uma democracia representativa de baixa intensidade, propõe-se uma democracia de alta intensidade, que combine a democracia representativa com a participativa, pressionando os partidos a partir “de baixo”, ou seja, através de uma forte mobilização social e política, uma campanha nacional para a construção de outra forma de fazer política”, de um programa de luta nacional e de esquerda que esteja para além dos processos eleitorais.


 


Esta mobilização deixa de se dirigir exclusivamente aos povos indígenas, a base social originária dos zapatistas, para incluir todos os explorados e excluídos: operários, camponeses, jovens, mulheres, deficientes, micro-empresários, reformados, homossexuais e lésbicas, crianças, emigrantes, etc. Trata-se, pois de organizar um vasto movimento social rebelde e pacífico.


 


O terceiro aspecto a salientar é que a luta social e ação política de base têm de ser, não apenas intersetoriais, mas também transnacionais. A globalização neoliberal, ao globalizar os processos de exclusão social, cria também as condições para organizar globalmente a solidariedade, solidariedade, antes de tudo, com os povos latino-americanos, mas também com todos os outros povos do mundo. Eis, em pleno estilo zapatista, como se dirigem aos povos europeus: “…e queremos dizer aos irmãos e irmãs da Europa Social, ou seja, a que é digna e rebelde, que não estão sós. Que nos alegram muito os seus grandes movimentos contra as guerras neoliberais. Que seguimos com atenção as suas formas de organização e de luta para aprender com elas. Que estamos a ver os modos como apoiá-los nas suas lutas e que não vamos mandar euros pois logo se desvalorizarão dada a desordem na União Européia. Mas talvez lhes vamos mandar artesanato e café para que o comercializem e tirem disso algum proveito para as suas lutas.”


 


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal)


 


 


 


 

Fonte: Agência Carta Maior
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