Informe nº 671
Polícia Militar mata dois indígenas em Pernambuco
Os indígenas do povo Truká Adenilson dos Santos, 38 anos e seu filho Jorge dos Santos, de 17 anos, foram mortos a tiros na noite de 30 de junho, dentro da terra indígena Truká, na Ilha de Assunção, localizada no município de Cabrobó, Pernambuco. Os tiros foram disparados por policiais militares à paisana e, de acordo com os Truká, Adenilson dos Santos foi atingido pelas costas. Marcos José dos Santos, de 26 anos, está ferido em estado grave, sendo tratado em hospital da cidade de Petrolina.
Os assassinatos ocorreram enquanto cerca de 400 indígenas estavam em uma festa perto da entrada da terra Truká. A festa celebrava o São João, o anúncio da pavimentação da estrada que liga as aldeias da Ilha de Assunção e do início da reconstrução de casas, reivindicações que os Truká fazem há pelo menos dois anos, quando uma enchente do Rio São Francisco destruiu diversas casas. As medidas foram anunciadas na tarde do dia 30 pelo ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que esteve na Ilha.
Indígenas e Polícia Militar têm versões conflitantes sobre as mortes. Os indígenas afirmam que os policiais, à paisana, entraram na festa e atiraram antes de se identificarem. A polícia afirma que atirou após reação violenta dos indígenas. “A versão da polícia quer justificar a execução. Nós não negamos que havia mandado de prisão de Adenilson, mas como é que a PM cumpre mandado de prisão em uma festa, no meio de mais de 400 pessoas, às 9 horas da noite?”, questionou o cacique Truká, Aurivan dos Santos, chamado de Neguinho Truká, irmão de Adenilson.
O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Claudio Silva, afirmou ao Jornal do Commercio, em Pernambuco, que a atuação dos policiais será apurada pela Polícia Federal. “O rapaz (Adenilson) era procurado por assalto a banco e formação de quadrilha, entre outros crimes. Mas, se houve algum tipo de abuso por parte dos policiais, é a Polícia Federal que vai dizer em seu inquérito”, afirmou.
Para os Truká, existência de mandados de prisão é relacionada ao processo de criminalização pelo qual este povo passou a partir dos anos 1990, quando começaram a retomar as suas terras tradicionais, que estavam invadidas por fazendeiros. A demarcação da terra Truká só ocorreu após as retomadas, mas as lideranças das mobilizações foram acusadas em diversos processos de furto, formação de quadrilha, entre outros.
Durante entrevista em fevereiro de 2005, Adenilson dos Santos, assassinado na última quinta-feira, falava sobre a criminalização das lideranças de seu povo: “Os processos vêm da época das retomadas das terras, de tirar gado das fazendas. Na verdade, todas essas acusações são mesmo para impedir a atuação externa de muitas lideranças”, afirmou. “E esses processos são lentos. A Justiça daqui não tem interesse nenhum em que o índio fique livre disso”.
Os Truká denunciam que o promotor de Justiça de Cabrobó é um dos responsáveis pelo processo de criminalização. O procurador-geral de Justiça do estado de Pernambuco, Francisco Sales, comprometeu-se ontem (dia 6) a solicitar da Corregedoria do Ministério Público Estadual a abertura de sindicância para apuração das denúncias sobre a conduta do promotor.
A liderança Pretinha Truká afirmou que vai relatar os assassinatos ao Grupo de Trabalho Povos Indígenas e a diversas relatorias da Organização das Nações Unidas (ONU), no próximo dia 16, quando participa de uma audiência sobre questões indígenas, em Genebra, Suíça. Pretinha e outras quatro lideranças estão em Brasília para tentar uma audiência com o Ministério da Justiça e solicitar ao ministro Márcio Thomaz Bastos providências que garantam sua apuração pela Justiça Federal.
Na manhã de hoje (dia 7), o grupo de lideranças foi recebido pela presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que comprometeu-se a acionar o Ministério da Justiça para que acompanhe de perto o processo.
Violência recorrente
Nas últimas cinco semanas, quatro indígenas foram assassinados em questões ligadas à luta pela terra. Os casos anteriores foram no Maranhão: João Araújo, 70 anos, cacique do povo Guajajara, do Maranhão, foi assassinado e seu filho de 28 anos ficou ferido após ataques do fazendeiro conhecido como Milton Careca, invasor da terra indígena e que vinha ameaçando os indígenas há meses. Em Mato Grosso do Sul, um indígena foi morto e outros cinco foram feridos. Entre eles estava uma mulher grávida. A morte ocorreu durante reação de fazendeiros a uma retomada de terras dos Guarani no município de Sete Quedas.
Terra Ivy Katu, no Mato Grosso do Sul, já pode ser demarcada
O tekoha (território tradicional) Ivy Katu, do povo Guarani, foi reconhecido pelo Ministério da Justiça através de publicação de portaria declaratória da terra no Diário Oficial da União, em 4 de julho. Agora, a Fundação Nacional do Índio (Funai) deverá iniciar o processo de colocação dos marcos físicos de limites das terras, ou seja, a sua demarcação, para posteriormente retirar os invasores e ocupantes não indígenas da terra.
Ivy Katu tem 9.454 hectares e é localizada no município de Japorã, cone sul do Mato Grosso do Sul, a 472 km de Campo Grande.
A declaração da terra é resultado de um longo processo de luta dos Guarani Nhandeva, que retomaram suas terras em 2003, expulsando fazendeiros que cultivavam soja em 14 fazendas. Após ameaças de ações de despejo e de inúmeras negociações, os indígenas mantiveram-se em 3 das 14 fazendas retomadas.
Apesar do acordo, os fazendeiros mantiveram os processos de reintegração de posse e, com eles, a iminência de conflitos pela desocupação das terras. Neste contexto, a declaração da terra é importante para assegurar o direito dos indígenas à ocupação de suas terras tradicionais.
Antes das retomadas, um grupo de 3800 indígenas vivia nos 1.648 hectares da Reserva Porto Lindo, demarcada em 1928 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
Esta é a segunda terra indígena declarada pelo Ministério da Justiça em 2005. A portaria anterior foi a que declarou os limites da terra indígena Raposa Serra do Sol. Entre 1991 e 2002, período que engloba os governos Collor, Itamar e Fernando Henrique, houve uma média de 16 portarias declaratórias publicadas por ano. Nos dois primeiros anos do governo Lula, essa média caiu para 6,5 e tende a diminuir ainda mais se o ritmo das declarações de limites continuar o mesmo até o final do ano.
Brasília, 7 de julho de 2005.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário