01/07/2005

Cimi exige punição aos assassinos de indígenas Truká

Em relação ao assassinato dos indígenas Adenilson dos Santos, 38 anos e seu filho Jorge dos Santos, de 17 anos, que foram mortos a tiros na noite de ontem (30 de junho), dentro da terra indígena Truká, na Ilha de Assunção, localizada no município de Cabrobó, Pernambuco, o Conselho Indigenista Missionário vem a público externar sua preocupação em relação à ação da Polícia Militar e em relação ao fato de não ter sido feito nenhum exame pericial nos corpos dos indígenas mortos, apesar de eles terem sido levados a um hospital em Petrolina.


 


Os corpos de Adenilson e Jorge dos Santos foram retirados pela Polícia Militar da terra indígena, passaram pelo hospital da cidade de Petrolina e voltaram à terra indígena sem que fosse realizada nenhuma perícia. É uma situação prática irregular, que pode comprometer o esclarecimento dos fatos.


 


O Cimi questiona também a versão da Polícia Militar de Cabrobó sobre a morte dos dois indígenas. Segundo informações próprias da PM, seus agentes teriam entrado na terra Truká para cumprir um mandado de prisão e, tendo sido recebida com tiros, reagiu.


 


A versão da polícia é contestada por vários indígenas que estavam reunidos na hora do assassinato. Os que presenciaram as mortes afirmam que a polícia não apresentou nenhum mandado de prisão e que não foi recebida a tiros. Pelo contrário, os policiais estavam à paisana e só se identificaram após terem atirado.  Os indígenas estavam em uma festa que reunia homens, mulheres e crianças, dentro de um galpão.


 


Ainda segundo a PM, o tenente conhecido como Hans teria sido ferido à bala. Os indígenas reafirmam que não estavam armados.


 


O assassinato dos indígenas precisa ser apurado e seus autores responsabilizados criminalmente.


 


Mas este fato precisa ser contextualizado, tendo presente o histórico da relação entre a PM local e os Truká, que desde a década de 1990 retomou a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas existentes nas terras que tradicionalmente ocupam, nas quais hoje vivem e produzem. As lideranças das retomadas foram diversas vezes criminalizadas e acusadas de crimes como os de formação de quadrilha ou de esbulho possessório.


 


A relação com a Polícia Militar, no entanto, vinha melhorando, a ponto de os Truká haverem solicitado a presença de um posto da polícia na entrada da Ilha de Assunção. O posto existe e está em funcionamento. Desta forma, não havia motivo para a ação da Polícia Militar dentro da terra indígena ser executada como ocorreu na noite de ontem.


 


A gravidade de mais estes fatos exige a imediata instauração de Inquérito Policial pela Polícia Federal, sem prejuízo de outras responsabilidades civis e administrativas e disciplinares, de forma que os autores desses crimes sejam penalmente responsabilizados.


 


Veja aqui o histórico das retomadas Truká


 


A terra onde hoje os Truká vivem e plantam voltou a ser sua através de um longo processo de retomadas que começou em 1994. Outras duas grandes retomadas foram feitas em 1995 e 1999, e só assim este povo conseguiu o reconhecimento de seu território, de 5769 hectares, que ainda precisa ser homologado pelo Presidente da República para ter seu processo de reconhecimento concluído.


 


Na luta pela terra, os Truká enfrentaram o poder econômico, já que retiraram os 63 fazendeiros que invadiram sua terra tradicional. Entre os fazendeiros, havia desde pequenos posseiros até grandes proprietários.


 


Assim, como conseqüência de sua luta pela terra, os Truká convivem com um processo de criminalização de suas lideranças. “A gente era pobre, vivia na periferia de Cabrobó. Os fazendeiros não se conformam com o fato de nós sermos os donos das terras e de hoje estarmos dentro da Ilha. Tem vários fazendeiros na Justiça contra isso. E eles têm influência dentro da política, da Justiça, da polícia e até em Recife”, conta uma das lideranças do povo.


 


Nestes processos, os indígenas são indiciados por furtos e por formação de quadrilha. Segundo os Truká, não apenas as lideranças políticas, mas até os líderes religiosos do povo respondem a processos.


 


Uma das lideranças conta que responde a 9 processos e que já teve quatro prisões preventivas decretadas. “Os processos vêm da época das retomadas das terras, de tirar gado das fazendas. Eles alegam que a gente roubou gado, que o gado deles não saiu completo. Isso não existiu, eles levaram tudo o que eles tinham. Na verdade, todas essas acusações são mesmo para impedir a atuação externa de muitas lideranças”, afirma. Os processos dos Truká estão sendo tratados pela Justiça estadual, e não pela Justiça Federal, apesar de serem motivados por disputas de terras e pela Constituição Federal, as disputas sobre direitos indígenas são da competência da Justiça Federal.


 


Outra ponta deste processo de criminalização está na relação que a polícia, em especial a Polícia Militar, mantém com os indígenas. “Os jovens dependem de ir à cidade não só pra estudar, mas também pra se divertir, ir para uma festa ou algo assim. Quando a polícia aborda os jovens indígenas, eles são marginalizados, são tratados sempre como bandidos, assaltantes. A realidade é que você não pode se identificar como índio na cidade”, exemplifica outra liderança.


 


Brasília, 1º de julho de 2005.


 


Conselho Indigenista Missionário – Cimi


 


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Fonte: Cimi
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