23/06/2005

Informe nº 669


POVOS REAGEM À PARALISIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS OCUPANDO PRÉDIOS E MOBILIZANDO-SE EM TODO O PAÍS. FUNAI MANTÉM DISCURSO DE QUE QUESTÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL ESTÁ QUASE RESOLVIDA

 


No estado do Pará, indígenas Tembé Tenetehara ocupam o prédio da Fundação Nacional do Ìndio (Funai) em Belém. Eles querem estrutura e recursos para coibir o corte ilegal de madeira nobre por madeireiros, que ocorre com a conivência de políticos locais. A ocupação acontece desde o dia 14 de junho e apesar de reuniões que já foram feitas com autoridades, os indígenas ainda não conseguiram garantia de atendimento das reivindicações de fiscalização ambiental.


 


Na Bahia, após uma funcionária da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) ter se recusado a dar atendimento a indígenas do povo Atikum, este povo ocupou o prédio da sede do órgão em Juazeiro. Somaram-se a eles na ocupação um grupo do povo Truká e os Tumbalalá. Os povos solicitam atendimento digno, equipes médicas, a contratação de agentes de saúde, saneamento básico e infra-estrutura de saúde em Juazeiro.  A Funasa afirma que pretende priorizar a região, mas ainda não tomou providências sobre as reivindicações por estar com dificuldade de atuar devido à greve de parte de seus funcionários.


 


Do Amazonas, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), responsável pelo atendimento à saúde indígena através de um convênio com a Funasa afirma que todas as ações de atendimento estão comprometidas devido a um atraso no repasse de verbas.


 


Também no Amazonas, o Ministério Público Federal deu um prazo de 30 dias para que o estado, a União e a Funai apresentem um diagnóstico da situação da educação escolar indígena, sob pena de pagarem uma multa diária de R$  5 mil. A sansão vem porque não foi cumprido um acordo assinado em março de 2003, no qual as três instâncias assumiram compromissos para a criação e regularização de escolas indígenas e formação de professores. Para completar, de acordo com informações da Agência Brasil, o Ministério Público Federal acusa a Procuradoria-Geral do Estado de revelar “preconceito étnico”, já que ele questionou a decisão do MPF colocando em dúvida se teriam direito à educação diferenciada indivíduos “já perfeitamente inseridos no contexto político-social da comunidade ´civilizada´”.


 


No estado de Rondônia, o Cimi denuncia que povos isolados estão tendo o seu direito à sobrevivência negado pela Funai, que não reconhece sua existência e, por conseqüência, não adota as medidas de interdição das terras, tampouco encaminha os processos de demarcação. “Terra para que vivam e circulem é a única garantia para a sobrevivência dos povos sem contato”, afirma Frei Volmir Bavaresco, missionário do Cimi.


 


Enquanto as mobilizações e denúncias acontecem por todo o Brasil, representantes do poder público que participaram de uma audiência pública na Câmara dos Deputados citaram, entre outros temas, a existência de razoável verba orçamentária para os indígenas. A audiência ocorreu ontem (dia 22), em Brasília. 


 


O representante do Ministério da Educação, Ricardo Henrique, destacou o aumento dos recursos disponíveis para a área, que saltaram de R$  1,2 milhão, em 2002, para R$  10,7 milhões em 2005.


O orçamento da saúde em 2004 foi de 186,5 milhões em 2004 e subiu para 200 milhões em 2005.


 


Entretanto, houve uma diminuição dos recursos destinados à regularização fundiária: foram 43 milhões de reais em 2004 contra 36,73 milhões em 2005, segundo levantamento do Inesc, o Instituto de Estudos Socioeconômicos.


 


Apesar das verbas, a atuação do Estado não se reflete em efetiva melhora da situação cotidiana dos povos indígenas no Brasil. Para o Cimi, isto se deve à falta de uma política indigenista coordenada, coerente com as necessidades dos povos e planejada com a participação deles.


 


A Funai tem afirmado que a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, programada para 2006, será espaço para debates sobre esta política e mesmo para uma nova versão do Estatuto dos Povos Indígenas. Durante a audiência na Câmara, o presidente do órgão indigenista, Mércio Pereira Gomes, voltou a citar a Conferência. No entanto, o processo de construção do encontro tem sido questionado pelo movimento indígena sobretudo pela pauta das discussões, baseada em temas colocados pelo governo, sem debate com o movimento e sem colocar em questão a política indigenista como um todo.


 


Demarcações paralisadas


 


Os processos administrativos de reconhecimento de terras estão parados em todo o país. Em 2005, não houve a criação de um único grupo de trabalho para estudo antropológico e fundiário. A Funai afirma abertamente que a revisão de limites de terras indígenas não será realizada porque não está entre as prioridades do órgão. A única portaria declaratória editada pelo Ministério da Justiça neste ano foi a de Raposa Serra do Sol. Nenhuma outra terra indígena teve seus limites declarados nos primeiros seis meses de 2005.


 


Coerente com estas atitudes, Mércio Pereira Gomes afirma, na Câmara dos Deputados, que a demarcação de terras indígenas já está praticamente concluída. Para ele, falta pouco para o governo atingir a meta de destinar 12,5% de todo o território nacional a reservas indígenas. A demarcação de terras já estaria concluída no Acre, Rondônia, Maranhão e Tocantins.


 


A “meta” estabelecida pelo presidente não tem nenhuma base de sustentação. Sobre os estados que já teriam a demarcação de terras concluídas, em Rondônia vivem pelo menos 8 povos sem contato que não têm terras demarcadas e sobre os quais a Funai não tem tomado atitude alguma.


 


No Maranhão, um processo de revisão de limites parado na Funai abre espaço para a violência que tem estado presente no dia-a-dia dos Guajajara. Nas últimas semanas, este povo foi atacado por fazendeiros locais que causaram a morte de um indígena e o estupro de uma menina de 16 anos.


 


No Tocantins, o povo Krahô-Kanela foi brutalmente expulso de suas terras e obrigado a viver durante décadas em assentamentos do Incra. Este povo vive há mais de dois anos confinado na Casa do Índio, em Gurupi, lutando para que a Funai dê seguimento ao processo de reconhecimento de suas terras. O estudo antropológico foi concluído, mas não foi publicado pela Funai. A terra dos Apinajé, em Tocantinópolis, foi demarcada, mas a parte mais produtiva da terra ficou fora dos limites e ainda é reivindicada pelos indígenas. No estado é grande também a incidência dos grandes projetos nas terras que já estão demarcadas. No Acre, ao contrário do que afirma Gomes, sete terras ainda estão em processo de demarcação.


 


A atitude do órgão indigenista oficial em relação aos direitos dos povos indígenas reforça a importância da criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que tem o objetivo de coordenar e supervisionar, dentro do Governo Federal, a elaboração e implementação de políticas públicas específicas e diferenciadas. O Conselho foi a principal reivindicação da Mobilização Nacional Indígena Terra Livre, no acampamento ocorrido em abril de 2005. Naquele momento, Mércio Pereira Gomes e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, comprometeram-se a levar a proposta ao presidente Lula ainda em maio de 2005. Até o momento, não houve encaminhamentos na questão.


 


Brasília, 23 de junho de 2005


 


 
Fonte: Cimi – Conselho Indigenista Missionário
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