Nota da Comissão Pastoral da Terra – CPT sobre a decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na sessão da 3ª Câmara do dia 8 deste mês de maio, indeferiu, por unanimidade, a solicitação da Procuradoria Geral da República de federalização do processo de julgamento do brutal assassinato da Irmã Dorothy, perpetrado em Anapu, no Estado do Pará, no dia 12 de fevereiro.
A Procuradoria buscava, a partir do caso simbólico da Ir. Dorothy, de repercussão nacional e internacional, a aplicação da emenda constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, que faculta ao Procurador Geral da República, nas hipóteses de grave violação aos direitos humanos e com a finalidade de assegurar o cumprimento de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, requerer ao Superior Tribunal de Justiça o deslocamento da competência do caso para as instâncias federais.
O Dr. Cláudio Fontelles, procurador geral, justificou sua solicitação, através de sólida documentação, inclusive tendo percorrido pessoalmente a região. Dentre os argumentos por ele levantados destacam-se os seguintes: a omissão do tribunal paraense em dar a requerida proteção de vida à Irmã, o processo que corre na referida justiça incriminando-a de mandante de assassinato e formadora de quadrilha e, também, a escandalosa impunidade histórica constatada naquele Estado. Impunidade fartamente documentada.
A resposta do STJ foi a rejeição unânime ao requerimento por julgá-lo improcedente. Aquela sessão do Tribunal transformou-se, então, no maior, mais repetitivo e mais grandiloqüente panegírico de consagração da Justiça paraense. Uma Justiça modelo para todo o país! No ar pairava a pergunta: E as graves omissões históricas de atuação desta Justiça? “São coisas do passado, não omissão, nem leniência, nem tibieza do Judiciário paraense”, retrucaram vários ministros. Por ironia da história, no mesmo horário desta sessão do STJ, era assassinado em Paraopebas, Pará, Antônio Matos da Silva, pai de um filhinho prematuro que ainda se encontrava no hospital junto com sua mãe. O grande argumento dos magistrados do STJ foi a celeridade do andamento do processo de julgamento do assassinato da Ir. Dorothy. Venceu, pois, a esperteza do Judiciário paraense em se livrar, desta forma, do vexame da federalização. Não obstante esta encenação, três dias depois da morte da Ir. Dorothy foram assassinados dois trabalhadores rurais, cujos casos continuam desdenhados pela tal Justiça.
Esta lamentável decisão tem seus significados e suas conseqüências: Ela foi, sem dúvida, um reforço ao corporativismo do Judiciário e do Ministério Público, que vinham fazendo forte pressão contra a federalização. Foi uma pá de cal sobre a incômoda emenda constitucional n. 45 que, a partir do que se sabe do nosso Judiciário, criou sabiamente a possibilidade de deslocamento de competência em face de incidente e cuja aplicação era a grande expectativa de muitos brasileiros e brasileiras. Foi um especial e curioso apoio ao Judiciário paraense, agora totalmente à vontade para continuar a conivência e a aliança com grileiros, madeireiros e pecuaristas, travestidos do agronegócio, continuamente denunciados por seus crimes contra pessoas indefesas e contra a frágil floresta Amazônica. Foi uma perigosa perda de credibilidade do STJ, que, no episódio, mostrou-se corporativista, insensível à dramática realidade de sofrimento dos lavradores e auto-suficiente ao pontificar monoliticamente sobre o assunto, desconhecendo o dramático simbolismo envolto na morte da Irmã Dorothy Stang.
A Comissão Pastoral da Terra, testemunha desta fatídica sessão do STJ, sente-se agora mais desafiada na sua missão de vigilância profética sobre as estruturas que oprimem os pobres da terra e das águas e, em colaboração com outras entidades, organizações e movimentos da nossa sociedade civil, deseja continuar a elaborar, articular e desencadear instrumentos alternativos ao único aparato institucional, em vista da urgente salvaguarda da justiça, da dignidade e da paz.
Goiânia, 10 de junho de 2005.
A Comissão Pastoral da Terra
Informações Assessoria de Comunicação da CPT
Antônio Canuto ou Maristela Vitória
Fone: 62 4008-6466 ou 4008-6406
Secretaria Nacional – Goiânia, Goiás.