06/06/2005

Nota para a Opinião Pública

 


Em defesa das famílias Kaingang e do meio ambiente, especialmente do futuro de nossas crianças!


 


Com o pretexto de “proteger o meio ambiente” querem nos tirar daqui à força. Foi isso que o Secretário Municipal do Meio Ambiente Beto Moesch veio fazer aqui na nossa comunidade, após ter comunicado sua intenção à Brigada Militar, que se negou a agir porque não tinha uma ordem judicial, conforme publicado pela imprensa no dia de hoje, 06 de junho.


 


É uma vergonha o que se pensa e se faz contra nós indígenas, depois de tantos massacres, violências e mortes por mais de 500 anos. Pensávamos que o século 21 seria diferente conosco. Seria mais generoso, humano e fraterno. Que teríamos um espaço para viver. Que teríamos o aconchego, a proteção e o reconhecimento de que a natureza é nossa mãe, que acolhe e alimenta a todos, e não deve ser vista apenas como objeto de exploração, ou uma riqueza a ser reservada para a exploração futura, em nome de uma suposta proteção ambiental. 


 


“É hoje que vou tirar essa bugrada daqui”!


 


Foi com essas palavras que o Secretário Municipal do Meio Ambiente nos tratou ao chegar aqui no sábado, dia 04 de junho. Para quem não sabe, por muito tempo, nos chamaram de bugre para dizer que somos bicho do mato, que somos animais, que dá para matar, eliminar. Mas nós não aceitamos isso. Exigimos respeito, e queremos que justiça seja feita contra toda discriminação e preconceito. E temos certeza que a população de Porto Alegre não pensa assim e tem esse respeito por nós.


 


Para se livrar da besteira que cometeu o Secretário Moesch, agora, se faz de coitadinho, de vítima. A verdade é que ele apanhou das mulheres indígenas Kaingang da nossa aldeia, que foram defender o jovem Volmir e a mulher que ele agrediu, quando disse “bugre não”. É lamentável termos um Secretário Municipal do Meio Ambiente que desrespeita as pessoas e as culturas. Ele não foi educado para responder pelo cargo que ele representa.


 


Como tudo aconteceu:


 


No sábado, 04 de junho, por volta das 16 horas o Secretário Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre Beto Moesch, compareceu no Morro do Osso, parecendo que estava embriagado e transtornado. Ele invadiu a comunidade indígena Kaingang do Morro do Osso e aos gritos dizia que agora ia mostrar como arrancar os barracos da bugrada do Morro do Osso.


 


Logo que o Secretário Moesch chegou na comunidade indígena o jovem Kaingang Volmir foi procurar saber o que se estava acontecendo, uma vez que no local estavam ele, algumas crianças e mulheres que trabalhavam na confecção do artesanato. O Vice-Cacique não se encontrava no local porque conversava mais adiante, dentro do Parque, com algumas pessoas que diziam ser da Prefeitura de Porto Alegre e que haviam chegado momentos antes. Quando Volmir se aproximou do Secretario Moesch, que ele nem sabia de quem se tratava, este lhe falou “que arrancaria, nem que fosse na marra, os barracos dos índios”. Volmir disse que não estava entendendo, então o Secretário retrucou: “E vou começar por aqui”! Imediatamente agarrou uma cadeira que estava próxima e a arremessou contra Volmir, que conseguiu se livrar. Em seguida o Secretário empurrou com violência, jogando ao chão, uma indígena grávida de sete meses. Foi quando as seis mulheres da comunidade, que trabalhavam com artesanato, saíram em socorro daqueles que estavam sendo agredidos pelo Secretário Beto Moesch. Ele gritava “vou arrancar esta bugrada daqui”. As mulheres partiram para cima do agressor e deram-lhe arranhões e tapas na cara. Até aquele momento não sabiam que se tratava de um Secretario Municipal.


 


Estes são os fatos verdadeiros e não aquilo que o Secretário anda dizendo nos jornais. Lamentavelmente uma autoridade municipal age em nome de uma prefeitura, em nome de um cargo público de maneira arbitrária, violenta, completamente desnorteada e com a aparência de estar embriagado. E para agravar a situação em um sábado à tarde, fora de expediente, sem autorização, sem ordem judicial, contra pessoas que apenas aguardam que os órgãos públicos federais cumpram com sua responsabilidade de criar o Grupo de Trabalho para identificação e delimitação da Terra Indígena Morro do Osso.


 


Nós, da comunidade indígena, estamos indignados porque além de tudo o que relatamos, o Secretário Moesch nos ofendeu com expressões preconceituosas nos chamando de bugrada e disse nos jornais que somos um bando de bandidos. Nós exigimos respeito e queremos que nossos direitos sejam resguardados conforme estabelece a Constituição Federal em seu Artigo 231, bem como o que estabelece a Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho quando trata dos Povos Indígenas.


 


O Secretário de Meio Ambiente do Município de Porto Alegre Beto Moesch, através desta atitude irresponsável, insana, ilegal, arbitrária compromete o diálogo pela busca de solução para os problemas sociais e compromete, acima de tudo, a credibilidade das autoridades públicas, principalmente de Porto Alegre.


 


Nós, através desta nota pública, denunciamos o Secretário Beto Moesch por agressão, invasão da comunidade e por preconceito contra os Povos Indígenas. Por isso, exigimos:


 


– que seja aberta uma sindicância administrativa na Prefeitura de Porto Alegre para apurar as responsabilidades e punir os responsáveis pela ação arbitrária do Secretário de Meio Ambiente contra a comunidade indígena do Morro do Osso;


 


– que seja aberto inquérito policial e que o Secretário seja processado por invasão da comunidade indígena, por agressão física e por crime de racismo;


 


– que o Ministério Público Federal acione judicialmente o Secretário por calúnia e difamação, em função de seus pronunciamentos em jornais e na televisão, onde afirma que os índios acampados no Morro do Osso são bandidos e traficantes;


 


– que a Funai crie imediatamente o grupo técnico para proceder aos estudos de identificação e delimitação da terra indígena Morro do Osso.


 


Porto Alegre 06 de junho de 2005.


 


Comunidade Indígena Kaingang do Morro do Osso.


 

Fonte: Cimi Regional Sul
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