30/05/2005

Moção de Repúdio


Organizações indígenas repudiam declarações preconceituosas do Presidente da Câmara Federal Severino Cavalcanti


Moção de Repúdio


 


Manaus, 19 de MAIO de 2005.


 


 


 


Foi com profunda indignação – e com uma ponta de desgosto – que nós, lideranças indígenas abaixo assinadas, recebemos a opinião sobre nossas terras indígenas no Brasil, emitida pelo Presidente da Câmara Federal de Deputados, Severino Cavalcante, no último dia 14 de Maio, em Belém, no Pará, durante almoço com empresários paraenses. Conforme noticiou o jornal “O Liberal”, o senhor Severino Cavalcante afirmou que “as terras devem ser dadas para quem trabalha e não para os índios, que não pensam em trabalhar porque não aprenderam a trabalhar”.


 


Os motivos da nossa indignação são vários. Em primeiro lugar, as terras em que vivemos não nos foram e nem nos são dadas. Muito pelo contrário, a maior parte das terras em que viviam nossos antepassados foi tomada pelos invasores e pelo Estado Nacional que aqui se formou. Hoje o direito sobre o pouco que restou delas nos é reconhecido pela vigente Constituição Federal. Estas terras, portanto, são nossas de fato e de direito.


 


Nós vivemos em nossas terras muito antes da existência do país chamado Brasil. Trabalhamos nestas terras antes mesmo que qualquer homem branco nelas houvesse pisado e continuamos trabalhando até hoje, mesmo quando o Poder Público mostra-se omisso no reconhecimento aos nossos direitos e no apoio às nossas atividades produtivas.


 


Em nossos trabalhos preservamos nossos hábitos, costumes e formas de organização social. Por isso, nossos trabalhos não prejudicam a terra, pois, somos diferentes dos não-índios, que exploram a exaustão os recursos naturais para satisfazer sua ambição de riqueza e poder. Na aldeia, desde cedo nós aprendemos a amar, a respeitar e a tirar da terra somente aquilo razoavelmente ela pode nos dar.


 


Nós não derrubamos a floresta, não poluímos os rios, não exterminamos os animais, não escavamos a terra, não explodimos as pedras, não comercializamos nossa biodiversidade, enfim, nossa relação com a natureza é de harmonia e reciprocidade, pois, se não fossemos nós o meio ambiente em todo o mundo estaria em uma situação muito pior.


 


 


 


É, pois, uma terrível afronta ao Estado Democrático de Direito, que um líder do Poder Legislativo Federal ignore o que a Lei Maior desta nação prescreve em seu art. 231, quanto ao reconhecimento de nossos hábitos, costumes, formas próprias de organização social e às terras que tradicionalmente ocupamos desde tempos imemoriais.


 


Pensar da forma como pensa o senhor Severino Cavalcante é ser intolerante, é ser antidemocrático, é retroceder no tempo, é querer anular todas as conquistas obtidas com a evolução da humanidade.


 


Infelizmente, como chefe de uma das Casas do Poder Legislativo Federal o senhor Severino Cavalcante não parece disposto a reconhecer e reverter essas omissões históricas, pelo contrário, recomenda aumenta-las, negando os direitos territoriais indígenas constitucionalmente estabelecidos.


 


Infeliz, foi a declaração do Presidente da Câmara dos Deputados. Revelou ignorância e foi extremamente injusta. Numa mesma tacada, deixou de reconhecer a contribuição dos povos indígenas na construção da Sociedade Brasileira e inverteu o sentido das perdas territoriais que tivemos e continuamos tendo nesse processo penoso de homologação. Foi uma tentativa obscena e maliciosa de retratar nossos povos como privilegiados e preguiçosos. Ao fazê-lo, o senhor Severino Cavalcante mostrou-se totalmente equivocado, estigmatizou o povo indígena, revelou seu preconceito e fez acusações graves sem nenhum conhecimento de causa.


 


Por fim, lamentamos que essas palavras tenham saído da boca de um homem público. Repudiamos a evidente atitude antidemocrática, discriminatória e racista da autoridade Parlamentar de uma nação que se pretende democrática, multiétnica e civilizada.


 


Assinam:


 


Lideranças indígenas das seguintes organizações e povos:


 


Coordenação das organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)


Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME)


Coordeneação das Organizações Indígenas do Amazonas (COIAM)


Coordenação de Articulação dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA)


Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA)


Conselho Indígena Mura (CIM)


Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia do Araguaia e Tocantins (COIAT)


Associação Indígena Pusuru (AIP)


 


União Indígena Xerente (UNIX)


Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso (OPRIMT)


Federação das Organizações dos Caciques e Comunidades Indígenas Ticuna (FOCCITI)


Yny Mahadu Coordenação (Karajá)


Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira (OPIAM)


Organização dos Povos Indígenas Tora, Tenharim, Apurinã,  Mura , Parintintin e Pirahã (OPITTAMP)


Fundação Estadual de Política Indigenista (Fepi)


Representantes dos Povos Kayapó, Baniwa, Bakairi, Galibi-Marworno, Krikati, Munduruku, Tuyuca, Tukano, Saterê-Mawé

Fonte: Cimi
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