27/04/2005

Mobilização Terra Livre – Boletim nº 2

Boletim Terra Livre


Brasília, 27 de abril – número 2


Textos e fotos: Equipe de comunicação do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas


 


Falta vontade política para resolver questão fundiária, afirmam participantes do Terra Livre


 


Falta vontade política do governo federal para regularizar as Terras Indígenas e para manter a integridade de seus territórios. Esta foi a principal conclusão dos grupos de discussão que ocorreram na tarde do dia 25 de abril, no acampamento Terra Livre. A mobilização reúne até a próxima sexta-feira, dia 29, em plena Esplanada dos Ministérios, em Brasília, mais de 700 lideranças indígenas de todo o País, representando 89 povos diferentes de 23 Estados.


 


Os participantes dos grupos – divididos por regiões geográficas ou por proximidade cultural – discutiram os principais entraves para a garantia do direito dos povos indígenas às suas terras. A invasão por fazendeiros, grileiros, posseiros e indústrias madeireiras e a demora da parte do Poder Público em retirá-los das áreas foram apontadas como problemas por quase todos os presentes. Os relatórios de cada grupo também indicaram a quantidade e situação das terras em cada Estado – a lista pretende apenas dar uma idéia do tamanho das demandas.


 


As conseqüências negativas originadas por grandes projetos de infraestrutura – como usinas hidrelétricas e rodovias – e o avanço do agronegócio sobre as terras foram apontados como fatores de agravamento dos problemas fundiários vividos pelas populações indígenas.


 


No grupo formado pelas delegações do Nordeste e de Minas Gerais, foram relatadas várias dificuldades relativas ao não reconhecimento oficial de várias populações, à falta de recursos financeiros e humanos da Funai, ao preconceito, à presença de usinas de cana-de-açúcar e à perspectiva da transposição do Rio São Francisco.


 


A representação do Mato Grosso do Sul também apresentou uma farta lista de problemas que vão desde decisões tendenciosas do Poder Judiciário, passando pela contaminação por agrotóxicos e chegando até a exploração de mão-de-obra indígena – muitas comunidades estão sem pessoas para trabalhar nas plantações porque elas estão sendo contratadas por usinas de álcool que recebem incentivos do governo. Segundo os integrantes do grupo, a desnutrição infantil na região também é motivada pela falta de terras; desde o início do ano, 32 crianças morreram no Estado por conta do problema.


 


A lista com os principais problemas e propostas discutidos no acampamento será compilada em um documento que deverá ser entregue ao governo federal.


 


Conselho pode resolver problema de falta de articulação entre diferentes órgãos


 


A divisão em grupos foi feita logo após a palestra “Política Indigenista – análise de conjuntura e questão fundiária” ministrada por Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA). Em sua análise ele observou que, nos últimos anos, os povos indígenas obtiveram várias conquistas, mas que, em geral, a política indigenista permanece indefinida e sem coordenação. “Com a transferência de cada política para órgãos diferentes, houve um ganho na criação de orçamentos específicos, por exemplo, mas muitos desses órgãos passaram a agir de um jeito diferente, de forma desarticulada”, criticou.


 


Ele explicou que essa transferência de atribuições não foi acompanhada da necessária reestruturação dos órgãos e ministérios que assumiram a responsabilidade pelas diversas políticas de assistência aos povos indígenas. Ao criticar a falta de articulação entre os vários setores do governo que atendem os povos indígenas, Santilli defendeu a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, principal reivindicação da mobilização Terra Livre. “Este seria um espaço onde os diferentes órgãos – poderiam sentar e definir uma linha de atuação coerente”.


 


Santilli citou declarações do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de que  o atual governo teria a intenção de demarcar todas as Terras Indígenas ainda pendentes até o fim deste mandato presidencial. O representante do ISA afirmou que o ritmo necessário para realizar a tarefa, contudo, não vem sendo observado nas ações do governo – apenas 14 terras foram declaradas desde 2003.


 


“Não existe controle social e transparência nas políticas de educação e saúde indígenas”, criticou Jecinaldo Barbosa Cabral Saterê-Mawé, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Ele também fez algumas considerações antes dos debates em grupos. Jecinaldo caracterizou as políticas de saúde e educação como políticas do “pós-homologação” que devem ser trabalhadas junto com a questão da garantia da territorialidade.


 


Os povos falam…


 


Faride Mariano de Lima, do povo Kaiowá Guarani, da aldeia Lagoa Rica Panambi, no município de Douradina (MS), de 300 hectares, onde vivem cerca de 900 indígenas. A triste realidade da falta de terra gera problemas em seu modo de vida. Ele reclama de não haver mais trabalho para os indígenas na região e alerta que existem atualmente 15 crianças em situação de risco, vítima da desnutrição que já matou 32 crianças no Estado. Mas, segundo Faride, a maior luta de seu povo é pela terra. Ele se queixa de sua terra ter sido declarada em 1971, pelo SPI, mas de seu povo não poder viver ocupando todo território. Hoje seu povo quer a demarcação de pelo menos 8 mil hectares, seis mil a mais do que o anteriormente declarado pelo SPI, que é de 2.037 hectares.


 


Jacó Pryheeô, do povo Gavião Pukobgê vive na aldeia Riachinho ao sul do Maranhão, onde moram 35 pessoas. A área demarcada em 1979 é de 44, 5 mil hectares. Com 80 anos de idade, Pryheeô aproveita a Mobilização para aprender sobre o que acontece com outros povos indígenas, apoiar a luta de seus parentes e levar estas informações para o seu povo.


 


Cristiane Pankararu veio de Pernambuco, de uma área declarada com 8.100 hectares. Seu povo, que soma aproximadamente 5 mil pessoas,  briga pela ampliação de mais 4 mil hectares. Além da expectativa de levar para casa uma proposta de ampliação da Terra Indígena, ela conta que é a primeira vez que participa de um evento com este. “Estou adorando. Pra mim, é maravilhoso porque conheci várias pessoas diferentes que tem problemas comuns. Vou sair daqui com uma grande bagagem cultural”, afirma.


 


Terra Livre tem primeira audiência


 


No segundo dia do Acampamento Terra Livre, logo após o despertar da aldeia, os representantes dos povos e seus apoiadores marcharam da Esplanada dos Ministérios para o auditório Superior Tribunal Justiça. Lá, aconteceu a primeira Audiência Pública com autoridades que lidam com a questão dos direitos indígenas e a regularização fundiária.


 


Foram convidados o Advogado-Geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro, com o presidente Funai, Mércio Gomes, com a coordenadora da 6ª. Câmara do Ministério Público Federal, Dra. Deborah Duprat , o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Holf Hackbart e com o Ministro da Justiça, Marcio Bastos. De todos os convidados, apenas Bastos não esteve presente. A ausência do Ministro criou  muita insatisfação entre os presentes, já que o intuito da audiência foi apresentar às autoridades as demandas levantadas pelos grupos de trabalho da plenária


 


“Política Indigenista – análise de conjuntura e questão fundiária”, realizado no dia anterior no acampamento Terra Livre.


 


A constatação feita pela plenária no dia anterior, de que a falta de vontade política é principal responsável pela paralisia nas demarcações de terras indígenas, repercutiu na fala das lideranças de todos os estados do país e dos apoiadores do movimento.


 


“Durante a administração Lula, somente 14 portarias declaratórias foram expedidas, em média, este é um número menor do que o dos presidentes Collor, Itamar e FHC”, lembrou Saulo Feitosa, vice-presidente do Cimi, em sua fala.


 


 


Para além da vontade política, outro ponto levantado pelas lideranças é a incerteza criada pela ameaça das ações na justiça contra os processos  de demarcação. “O que adianta homologação, homologação se os ‘‘fazendeirões’’ não saem da nossa terra? Como é que uma terra indígena homologada pelo Presidente, a justiça pode dizer pode não? Qual autoridade pode me explicar por que isso acontece?”, questionou a liderança Léia Guarani Kaiowá, da terra Cerro Marangatu que recentemente teve sua terra homologada, mas viu o juiz federal de Ponta Porá impedir que a terra fosse registrada em cartório depois de um processo movido pelos fazendeiros da região.


 


Emocionada, Léia seguiu seu relato descrevendo a situação que enfrenta o seu povo, sintetizando o sentimento de das lideranças presentes. “O que agente quer é ser livre, ser feliz, viver na nossa terra, ter a nossa liberdade de usar a terra como a gente quer… se as crianças do Mato Grosso do Sul estão morrendo é por que a gente não tem terra. Se os homens são explorados nas usinas é por que a gente não tem terra, não tem onde trabalhar. Não tem de onde tirar o sustento. Então os brancos ficam explorando os índios no Mato Grosso do Sul, como deve acontecer em outros lugares do Brasil. E eu sei que os fazendeiros têm uma organização muito grande, que usam os recursos para jogar os índios contra os índios. A gente já sofreu demais e precisamos viver. Criar os nossos filhos livres em nossa aldeia”.


 


Para Sub-Procuradora, Deborah Duprat, o problema central na dependência da vontade política e autonomia dos índios está na incompreensão por parte do Estado sobre a legislação, “se o Brasil quer ser uma nação plural, então o destino deste país cabe a vários grupos étnicos. Cabe a eles dizer o que pensam. Por isso temos que criar políticas e práticas para os índios serem permanentemente ouvidos no âmbito das decisões políticas”.  Por sua vez, Deborah aponta o Estado como um dos maiores violadores dos povos, “O governo não pode ser indutor de violações dos direitos indígenas, como no caso da redução das terras Baú [Kayapó], Cachoeira Seca e Raposa Serra do Sol”.


 


 


 

Fonte: Fórum em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas
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