18/04/2005

Especial: A resistência indígena na Ameríndia por Blanca Chancoso

Entre um debate e outro realizado no Puxirum — espaço indígena no V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre –, o jornal Porantim teve a oportunidade de conversar com uma das mais expressivas líderes populares da América Latina, a indígena do povo Quéchua,  Blanca Chancoso.


Sempre com um tom doce e tranqüilo, Blanca, que faz parte da Conferência das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e coordena o capítulo equatoriano do Fórum Social Mundial, abordou com desenvoltura temas árduos e delicados como a intromissão do governo estadunidense na política latino-americana, a decepção das forças populares com o governo equatoriano de Lúcio Gutiérrez e a participação e o envolvimento do movimento indígena com partidos políticos e a administração dos Estados.  



Participaram da conversa com a líder Quéchua as jornalistas Tatiana Lortiezo, Priscila Carvalho e Cristiano Navarro.


 


O presidente Lúcio Gutiérrez foi eleito presidente do  Equador, em 2002, sendo apontado como um esquerdista com grande apoio popular, principalmente do movimento indígena, como está a situação política hoje no Equador?


 


O Equador se transformou em um quintal do senhor Bush, da política dos Estados Unidos. O país é o laboratório de uma integração, que na verdade significa o submetimento do povo equatoriano à política neoliberal. A dolarização da moeda causou o aumento da pobreza. Há mais desemprego e há mais gente saindo do país, do campo e da cidade, para buscar trabalho. A dívida externa aumentou. O preço do petróleo subiu. Não há controle para onde vai o dinheiro público dinheiro, então também aumentou a corrupção governamental.



Definitivamente o governo está renunciando à soberania do país e armando uma estratégia para fazer uma entrega à política americana. Lúcio Gutiérrez nos envolveu no Plano Colômbia, que é outra intenção do governo norte-americano não de combater a guerrilha, mas de se apropriar das terras, dos territórios indígenas da Amazônia, da América do Sul, para fazer uma concessão aberta às petroleiras e a apropriação das fontes de água.



Estamos vivendo uma espécie de ditadura no Equador, pois  o governo violou as normas constitucionais e nomeou a corte suprema de maneira irregular, e o Congresso Nacional aceitou esta situação. Todas as instâncias políticas regulares dos poderes do Estado estão sendo violadas.  



E isto é uma cortina de fumaça. Enquanto as pessoas estão brigando para defender estes espaços, o governo acelera a aceitação de tratados de livre comércio.


 


Como explicar as posições do presidente Lúcio Gutiérrez?


 


Podemos ter duas interpretações da situação de Lúcio Gutierrez. Uma, de que se aproveitou da necessidade do povo equatoriano, que estava cansado de governos neoliberais e que tinha esperança de mudanças. Outra, é que podemos pensar que sua projeção, durante as manifestações, pode ter sido preparada  pelo governo estadunidense, pelos interesses imperialistas, empresariais, de colocar um elemento diferente para frustrar um processo que poderia gerar mudanças reais.



Antes das manifestações, Lúcio Gutiérrez não era conhecido e apareceu com um discurso muito popular, de fazer mudanças, de combater a corrupção, e contra a ALCA. Mas, no processo eleitoral, já vimos que Lúcio Gutiérrez  buscou o sustento nos partidos tradicionais e no “senhor” Bush. Depois de ganhar, mudou seu discurso. Por esse lado fomos enganados. Não combate a corrupção, não há mudanças e continua a mesma política que empobrece há anos o povo equatoriano.



E o segundo aspecto para dizer que o presidente foi preparado pelo governo estadunidense é que com Lúcio Gutiérrez, na presidência, o FMI ofereceu facilmente muito mais crédito. Ele ampliou o convênio militar com Bush. A escola das Américas que havia no Panamá foi mudada para o Equador.


 


Com a quase total interferência do mercado internacional e empresas transnacionais nos rumos das economias dos Países, como você vê as relações entre as lutas dos povos indígenas e as decisões sobre as políticas dos Estados?


 


O problema é que os governos não estão governando, converteram-se em vassalos do governo dos Estados Unidos. São peões. Não decidem, só cumprem ordens.



Para nós, os povos, espaços como do Fórum Social Mundial são importantes. Nestes espaços, podemos nos escutar, nos conhecer, fazer trocas. Como, por exemplo, criar uma agenda em que possamos estar todos lutando ao mesmo tempo, para que não seja só um povo.



Quando nós, os povos, nos levantamos em luta os governos dizem “não reconhecemos”. Deslegitimam ou legitimam o que fazemos. Então, nós deveríamos estar atentos, os povos indígenas, as mulheres, os jovens, deveríamos também ver a agenda  unida. Temos pontos particulares, mas é preciso fazer com que outros setores conheçam a situação dos indígenas para que haja solidariedade. Mas também temos que ter solidariedade entre nós. Tem que haver uma proposta política com a união de todos. Por isso temos falado na unidade na diversidade, para que se possa traçar uma política de Estado no marco da plurinacionalidade dos países. Os governos têm que ter políticas para os povos que atendam suas necessidades.


 


Aqui no Brasil ainda encontramos, por parte do Estado e da sociedade, muita resistência à participação de lideranças indígenas nas decisões políticas. Em outros países da América Latina esta participação também nasce como fruto de muita luta. A senhora acredita que esta resistência tenha origem no preconceito contra os povos indígenas?


 


Realmente não é fácil, com toda dificuldade que encontramos ainda temos que lutar contra esta questão racista, de que os indígenas não sabem de política. É preciso que a sociedade reconheça os indígenas como atores políticos também.  Somos um povo que tem cultura, tem arte, mas que também faz política e estamos contribuindo. Olhando a partir desta participação, temos que ter confiança e uma exigência mútua para estarmos aliados com os pobres.



E entre nós, indígenas, às vezes, cometemos o erro de pensar que não queremos fazer política. É um grande erro, nós sempre fazemos política.


 


No Equador o presidente Lúcio Gutiérrez nomeou indígenas para cargos em ministério, estes não ficaram muitos meses em seus cargos por discordarem de Gutiérrez. Como a senhora entende esta participação de lideranças indígenas em cargos de poder público?


 


O problema da participação é que as estruturas do Estado não são as que queremos, não são nossas, e não buscamos isso.



Quando se entra numa disputa eleitoral e se ganha, ocupa-se o espaço do Estado. Mas este não é o espaço que buscamos. Não se pode confundir uma estratégia cotidiana, com o  que queremos para depois. Então, os que detêm o poder se aproveitam desta confusão.



Nós, indígenas, temos esta forma de vida coletiva e, por isso, em um momento acreditamos que, porque um indígena está lá [no poder] podemos estar todos lá. Mas a estrutura em que entramos não é nossa. Colocamos um indígena, mas os demais já não podem entrar, têm que estar do lado de fora. Criam-se barreiras.



Precisa-se entender esta situação para poder interpretar em termos políticos as realidades que vivemos.


 


Em sua opinião quais são as maiores dificuldades e desafios para o movimento indígena introduzir suas pautas a partir do seu ponto de vista?


 


No Equador, nós construímos uma proposta política a partir dos movimentos indígenas. Mas, às vezes, uma agenda nacional, mais ampla que os indígenas, nos engole, não nos permite desenvolver tudo o que propomos. Temos que continuar discutindo esta proposta, mas não apenas os indígenas, também todos os que buscam mudanças.



Precisamos de uma mudança real, mas não podemos pensar que vai ser amanhã ou  daqui a um ano. É um trabalho permanente. A nós, indígenas, nos cabe um trabalho triplo. Precisamos entender a cultura do outro, porque a política é feita com base em uma cultura que não é a indígena. Em segundo lugar, as pessoas pobres, que são a maioria, têm que entender que somos iguais e que temos os mesmos direitos, para sermos mais solidários. E, por fim, juntos, precisamos buscar construir algo próprio, onde estejam todos. Há que se construir um mundo onde caibam muitos mais. Este é um processo longo, que requer um trabalho diário, e também uma decisão, uma esperança profunda.  (editado por Cristiano Navarro)


 


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Fonte: Cimi
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